Os Professores Aposentados do DF e sua Via Crucis

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OS PROFESSORES APOSENTADOS DO DISTRITO FEDERAL E SUA VIA CRUCIS
Por Edileuza de Azevedo Botelho


Brasília 3 fev. / 2016 - Em países desenvolvidos como Estados Unidos, Holanda e Áustria, a educação é tida como requisito para o desenvolvimento, daí o investimento alto nesse setor e, consequentemente, nos seus professores. Já o Brasil, país em que nasci e escolhi como profissão ser professora, ah! Essa nação nem de longe trata a educação e seus professores com o respeito que certamente merecem. Não é a toa que numa pesquisa entre 100 países, realizada pela Varkey Gems Fundacion, abordando o tema, o Brasil só está à frente de Israel quando o assunto é respeito aos seus professores. Deve ser por isso que, embora crianças e adolescentes passem horas nas escolas do país, seus pais dificilmente desejam que eles escolham como profissão o magistério.

Nessa triste realidade de descaso, esse país jamais conseguirá alcançar índices favoráveis no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes ( PISA), embora, reconheça-se entre 2003 e 2012, o desempenho melhorou, ainda que o país continue entre os últimos, num universo de 60 países.

É nesse contexto que eu, professora do Distrito Federal, aposentada desde junho de 2015 me encontro. Seria apenas uma observação o fato de ser aposentada de um sistema educacional que deixa a desejar. Eu, agora posso seguir a minha vida, no alto dos meus cinquenta anos, após 32 anos de efetivo trabalho como professora, procurando uma nova ocupação, haja vista meu salário não acompanhar os juros bancários, a alta dos preços, as demandas que a vida moderna exige. Até aí tudo bem! O brasileiro, de modo geral, aposenta-se não para descansar em “berço esplêndido”, mas para, nessa fase, melhorar a sua renda com uma nova ocupação, ainda que agora acompanhado, muitas vezes, de fatores ligados à saúde, ou melhor, à falta dela, que no início da carreira não possuía.
Não há do que reclamar. Meu trabalho, embora reconhecido pelas autoridades do país como de relevância, jamais teve a devida atenção delas. Isso, no entanto, nunca me impediu de realizar a minha função com competência, dedicação, criatividade e responsabilidade. E igual a mim, muitos profissionais se entregam a essa missão honrosa de educar, buscando novos caminhos, alternativas para superar as dificuldades, atualização pedagógica, relacionamento afetivo com os alunos, desenvolvimento de projetos com vistas a contribuir para o crescimento intelectual e humano desses seres que são colocados diante de nós, muitos deles excluídos dessa sociedade que descarta pessoas como se elas apenas representassem formas de produção e geração de dinheiro.

Quantos alunos, desprovidos mais do que de condições financeiras, desprovidos de afeto, vez que nunca conheceram o significado de carinho, de apoio familiar, de aconchego, chegaram até nós professores pedindo socorro, com seus olhares e ações, para que nós o ajudássemos e, assim o fizemos? Cada vez que conseguíamos alcançar um resultado satisfatório, a alegria do resultado superava o desconforto da falta de condições físicas das escolas, da falta de investimentos, da falta de tudo.

Depois de tanto tempo em sala de aula, o sonho da aposentadoria como recompensa pelos serviços prestados à nação se evidenciava. Despede-se dos colegas, fazem-se planos e, quando você lê o seu nome escrito no Diário Oficial como aposentada, sente um misto de alegria e vazio. Mas, é assim com todo mundo e você se encontra preparada para essa nova etapa.

Sim, eu estava preparada, digo estava, porque, sendo professora do Distrito Federal, a cada cinco anos de serviço, temos direito à licença-prêmio. Essa licença, de uns anos para cá, não pôde ser gozada por nenhum professor regente sob o argumento governamental de falta de professor substituto. Assim, nesses anos, fui vendo outros trabalhadores usufruírem desse direito, enquanto a mim era negado. Tudo bem! No final da carreira, professor, você receberá por essas licenças em forma de pecúnia! Criaremos uma Lei que garanta esse direito! E ela foi criada, é a Lei Complementar 840/2011 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos do Distrito Federal). Não foi fácil! Só aconteceu por conta da luta dos professores.

E com essa garantia continuei trabalhando, confiante de que eu, no final de tudo, seria recompensada financeiramente pelo sacrifício de não poder descansar três meses a cada cinco anos de trabalho. Nessa confiança de receber em dinheiro as licenças não gozadas, fiz planejamentos, neles incluíam viagem, estudo e, pasmem! pagar os empréstimos do BRB, que me acompanham desde sempre. Muitos poderiam até dizer, por que empréstimos? Deve-se gastar o que se ganha. Isso é falta de planejamento. A esses incautos, informo que na vida surgem gastos que ultrapassam o orçamento. Eles podem surgir de ações necessárias e vitais, até de desejos que precisam ser realizados. Devo o BRB e acredito que a maior parte do funcionalismo público do DF também.

Veio a aposentadoria e com ela a expectativa de recebimento. Enfim, a felicidade de saber que poderia contar com aquela quantia oriunda do meu esforço! Mas “no meio do caminho tinha uma pedra”, como dizia Drummond. Essa pedra leva o nome de Rodrigo Rollemberg. Alguém conhece? É o atual governador do Distrito Federal. Pois bem, ele, insensato e inexperiente, daqueles que consideram mais fácil retirar direitos dos trabalhadores a ter que impor uma política de austeridade e controle, decidiu com seus asseclas, por ofício, suspender o pagamento das pecúnias da licença-prêmio. Ora, bem na minha vez!!! Foi uma bomba!! E agora? Fazer o quê com o que planejei por anos? Professora, lembra que nessa profissão só se consegue algo por intermédio de muita luta? Então! Vá para a rua, mostre à sociedade a injustiça sofrida, convoque os seus colegas de profissão e exijam todos vocês o cumprimento da lei.

E assim se fez... Uma greve para reivindicar direitos considerados consolidados. Após a paralisação dos professores, um acordo foi feito. Entre outros itens, um me foi extremamente necessário, o pagamento das pecúnias do ano de 2015 a ser realizado entre os meses de dezembro de 2015 a março de 2016.
Bom reforçar, que anteriormente à greve, os aposentados de maio, junho e julho, além daqueles que se encontravam na iminência da aposentadoria, começaram a se mobilizar. Primeiro, numa reunião em 28 de julho, no sindicado dos professores, seguida de ações como visitas à Câmara Legislativa do DF, gabinete por gabinete de deputado, reuniões, entre outras medidas acompanhadas de perto pelos aposentados. Tudo exaustivo para quem acreditava que poderia agora usufruir o direito de ser aposentada e receber o que lhe é devido.

Não obstante o acordo firmado para por fim à greve e do pagamento em dezembro dos aposentados do mês de maio, veio o mês de janeiro de 2016 e com ele, já depois do dia 20, a notícia do não pagamento. Mais uma decepção! Cadê o acordo? E agora? Voltar para as ruas. E nesse desrespeito, voltamos.
A primeira ação era ir ao Palácio do Buriti e lá ficar até que fosse passado um calendário com as previsões de pagamento. Já não dava para ficar nessa inconstância. Chegamos lá! E nesse instante vou relatar o que eu considero o real tratamento que é dado àqueles que se dedicaram a educar.

Éramos uns 80 professores. Num palácio, facilmente se encontra um lugar para acomodar 80 pessoas, mas não foi o nosso caso. Ao chegarmos, encontramos sim, um efetivo de aproximadamente duzentos policiais para guarnecer o espaço do governador e seus seguidores. Sequer conseguimos ultrapassar a roleta que dá acesso ao palácio. Quando muito conseguíamos utilizar os banheiros limpíssimos e arrumados do térreo do anexo. Aqui um aparte, longe de termos nas escolas banheiros assim, recepções assim. Mas estávamos no anexo do palácio, não numa escola. Lá frequentam pessoas importantes, nas escolas não, só alunos e professores.
Ficamos então literalmente na calçada que contorna o palácio e por onde passam os carros das distintas autoridades. Chegamos por volta das 10 horas e saímos em torno das 21 horas. Foram aproximadamente 11 horas de espera e desconforto. Senhoras e senhores aposentados sentados no chão. Uns de tamanho cansaço deitaram sobre as faixas levadas por nós; outros no chão mesmo; uns ficavam em pé porque a coluna não permitia sentar de forma tão desleixada. Enfim, pareciam pedintes (desculpem-me os pedintes) que se humilham a custa de migalhas, sofrendo destrato e insensibilidade.

Peço licença para citar uma das aposentadas que se encontrava de muletas lutando por seus direitos. Parabéns, professora! Quanta dificuldade para, depois de umas 5 horas, um sindicalista conseguir trazer uma cadeira para a senhora sentar. Note-se que foi proibido pela segurança que cadeiras fossem colocadas na calçada. Pela fisionomia, o seu corpo doía de tão grande esforço. Mas a senhora estava lá, independente do tratamento desumano que estava recebendo. Digo desumano porque, além da senhora, todos que lá estavam tinham acima de cinquenta anos, nem de longe representavam risco à segurança de lugar nenhum e, ainda assim não lhes foi permitido entrar no espaço que é público e aguardar o desfecho da reunião, sentados naqueles confortáveis sofás, que resultou em nada, pois só mandaram para participar, pessoas que, pelo menos aparentemente, não tinham poder de decisão. Ficamos de fora só contemplando o conforto interno do palácio.

Não conseguimos entrar porque éramos apenas e tão somente professores coroados com curso superior e, quem são os professores desse país? Aos olhos do poder, ninguém! Um invisível social como tantos outros que sofrem nessa sociedade de hipócritas e facínoras. E se eles são aposentados menos importância têm, ou seja, representávamos ali o nada, o ultrapassado, o desnecessário, aqueles que poderiam ficar em qualquer lugar, de qualquer jeito. Quanto pior para eles, melhor, pois desistirão mais rápido.

Engana-se, governador, apesar da humilhação e do pouco caso, continuaremos lutando pelo que é nosso de direito. Foi assim que ensinamos aos nossos alunos e é assim que agiremos. Estaremos com o senhor onde quer que esteja, lembrando-lhe de que nos deve e, quem deve tem a obrigação de pagar, do contrário não merece crédito. Não é assim que age a sociedade? Por que com o senhor seria diferente? Não será! Pague a quem deve! Não descansaremos até que o último aposentado tenha seu dinheiro depositado em conta. Acredite! Nós não mentimos, nem blefamos!

É preciso que se diga que uma nação que não prioriza a educação terá de investir muito mais em segurança e criação de presídios, porque, conforme afirma Paulo Freire: “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas mudam o mundo!” e, o combate à violência passa necessariamente pelo fortalecimento das escolas e da educação.

 

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