MILITAR DÁ NOME DE OFICIAL QUE TERIA TORTURADO RUBENS PAIVA (2014)
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Militar dá nome de oficial que teria torturado Rubens Paiva
· Ex-tenente conta à Comissão da Verdade que viu colega pulando sobre corpo do ex-deputado
· Paiva passou por sessões de tortura no DOI do Rio
· Comissão da Verdade confirma ex-tenente do Exército como assassino de Rubens Paiva
· Segundo a CNV, crime foi cometido por Antônio Fernando Hughes de Carvalho
27 fev. / 2014 - RIO - A Comissão Nacional da Verdade (CNV) apontou o tenente do Exército Antônio Fernando Hughes de Carvalho como responsável pela tortura e morte do ex-deputado Rubens Paiva, como O GLOBO antecipou na edição de quinta-feira. A conclusão, divulgada no Rio, é sustentada pelo depoimento de um militar, identificado pela comissão por “agente Y”, que afirmou ter visto Hughes “utilizando método não tradicional de interrogatório em uma pessoa que, de relance, lhe pareceu ser de meia idade”. A data do episódio, 21 de janeiro de 1971, coincide como o segundo dia de prisão de Paiva na carceragem do Departamento de Operações de Informações do 1º Exército (DOI-I), na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca.
A CVN não divulgou o nome do “agente Y” por compromisso de sigilo com o depoente. Na edição de quinta-feira, O GLOBO revelou que o nome de Hughes foi citado pelo coronel da reserva Armando Avólio Filho, na época tenente lotado no Pelotão de Investigações Criminais da Polícia do Exército (PIC/PE). Avólio, cujo nome consta da lista de torturadores do Projeto Brasil Nunca Mais, disse à comissão e ao Ministério Público Federal que, quase ao término do expediente de 21 de janeiro, um dia após a chegada de Paiva ao DOI, testemunhou a cena de tortura porque uma das portas da sala de interrogatórios do destacamento estava entreaberta. Procurado, Avólio não quis falar ao GLOBO.
Além de Hughes, já falecido, a comissão também acusou ontem o general reformado José Antônio Nogueira Belham pela morte do ex-deputado, cujo corpo até hoje não foi encontrado. Major na época, Belham era o comandante do DOI. Avólio contou que, por temer que o preso não resistisse ao interrogatório, teria levado o problema a Belham. Sua iniciativa foi confirmada à comissão pelo coronel Ronald José Baptista de Leão, então major e chefe do PIC, que o acompanhou no encontro com o comandante.
— Belham teve total responsabilidade pela morte de Rubens Paiva, pela condição de chefe e pela presença do local. A Comissão da Verdade já conseguiu demonstrar como se deu a detenção de Paiva, como foi barbaramente torturado e que ele morreu no DOI. Só resta saber onde está o corpo. E o único que pode nos dizer é Belham — disse ontem o professor Pedro Dallari, integrante da CNV.
Os depoimentos de Avólio e Leão foram ouvidos ano passado pelo ex-procurador-geral da República Cláudio Fontelles, na época integrante da CNV. Leão, que morreu no início deste ano, revelou que Paiva chegou ao DOI pela porta dos fundos do quartel, levado por uma equipe do Centro de Informações do Exército (CIE). Ao tentar se aproximar da cela, teria sido impedido pelo major Rubens Paim Sampaio e pelo capitão Freddie Perdigão Pereira, sob a alegação de que “era um preso importante”. Sampaio e Freddie, já falecido, eram do CIE e tiveram os nomes envolvidos no desaparecimento de presos na Casa da Morte de Petrópolis.
Documento incrimina general
Convocado para esclarecer a participação no episódio, o general Belham negou o envolvimento na morte de Paiva e apresentou uma página de suas alterações (espécie de currículo militar) para comprovar que estaria de férias durante a prisão e desaparecimento do ex-deputado. Porém, esse mesmo documento o incriminou, pois revela que as férias dele foram suspensas nos dias 17, 20, 23, 26 e 29 de janeiro para “deslocamento em caráter sigiloso”, inclusive com o pagamento de diárias.
— Ele não apenas foi visto no local, como um documento arrecadado na casa do coronel Júlio Molinas Dias (ex-comandante do DOI assassinado no ano passado durante assalto em Porto Alegre) registra a entrega a Belham de dois cadernos de Rubens Paiva no dia de sua chegada ao DOI — disse Dallari.
Chamado pela comissão, Belham, que tem 80 anos, recusou-se a prestar novo depoimento. Alegou, por intermédio do advogado, que deverá ser denunciado pela morte de Paiva na Justiça Federal. Para contornar o problema, a CNV tentará convencer a Câmara dos Deputados, onde Paiva exerceu mandato, a convocar o general reformado pela via de comissão parlamentar.
Até então, a presença de Paiva nas masmorras do DOI fora reconhecida pelo ex-tenente médico Amilcar Lobo (já falecido). Ele disse que deu assistência a um “desaparecido político”, a quem viu “moribundo, uma equimose só e roxo da raiz dos cabelos às pontas dos pés”, numa cela do DOI. Em depoimento recente à Comissão Estadual da Verdade e ao Ministério Público Federal, que também investigam o caso, o então major Raimundo Ronaldo Campos admitiu ter montado, por ordens superiores, uma farsa para forjar a fuga de Paiva. Com a ajuda dos irmãos e ex-sargentos Jacy e Jurandyr Ochsendorf, ele atirou na lataria de um Fusca e o incendiou no Alto da Boa Vista, no Rio.
http://oglobo.globo.com/pais/militar-da-nome-de-oficial-que-teria-torturado-rubens-paiva-11729519
Fusca queimado fez parte da encenação dos órgãos de repressão para uma falsa tentativa de fuga de Rubens Paiva - Álbum de família
RIO - Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV), o coronel da reserva Armando Avólio Filho, ex-integrante do Pelotão de Investigações Criminais da Polícia do Exército (PIC-PE), revelou ter visto, por uma porta entreaberta, em janeiro de 1971, um tenente identificado como Antônio Fernando Hughes de Carvalho torturando um preso político. Carvalho pulava sobre o corpo do preso. A cena aconteceu na carceragem do Destacamento de Operações de Informações do 1º Exército, na Rua Barão de Mesquita, Tijuca (DOI-I). Tempos depois, ao tomar conhecimento do desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva, associou-o à vítima torturada por Hughes, pois as características físicas seriam semelhantes — homem descrito como branco e gordo.
Paiva foi preso em casa, no Leblon, dia 20 de janeiro de 1971, por uma equipe do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa), e desde então é considerado desaparecido. A data, segundo o depoimento, coincide com a cena do espancamento. Avólio, que também era tenente, disse que, logo após testemunhá-la, chamou seu chefe imediato, o então major Ronald José Baptista de Leão, e levou o caso ao comandante do DOI, o também major José Antônio Nogueira Belham, e ao comandante da PE, coronel Ney Fernandes Antunes. Em carta à Comissão, Leão confirmou o episódio. No início deste ano, Leão faleceu.
Hughes, também já falecido, era um oficial egresso do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR). Foi descrito no depoimento de Avólio como um “militar loiro”. Documentos obtidos no banco de dados digital do projeto Brasil Nunca Mais confirmam que Hughes participava de ações da repressão contra a esquerda armada atuando em parceria com militares do Cisa.
Por conta desse envolvimento, ele ganhou em 1971 a Medalha do Pacificador, distinção dada a militares posteriormente acusados de tortura.
O depoimento de Avólio foi tomado, no ano passado, pelo ex-procurador geral da República Cláudio Fontelles, então membro da comissão. Fontelles também ouviu o general reformado José Antônio Nogueira Belham, que afirmou estar de férias no período de prisão e desaparecimento de Paiva, sendo substituído pelo major Francisco Demiurgo Santos Cardoso. Porém, um documento que o próprio general apresentou à CNV informa que, em determinados dias de janeiro de 1971, ele teve as férias suspensas para o cumprimento de missão especial, pela qual chegou a receber diárias.
Na época, Paiva era acusado de manter correspondência com exilados políticos. A mulher, Eunice, e a filha, Eliana, de 15 anos, também foram presas. A jovem foi libertada no dia seguinte, mas Eunice ficou 15 dias presa.
Resultados
A Comissão Nacional da Verdade (CNV) apresenta nesta quinta-feira no auditório do Arquivo Nacional, no Rio, novo relatório preliminar de pesquisa sobre o caso do ex-deputado Rubens Paiva.
É a primeira vez em que um militar ligado à repressão aponta um colega envolvido na provável morte de Paiva. Até então, a presença de Paiva nas masmorras do DOI fora reconhecida pelo ex-tenente médico Amilcar Lobo (já falecido).
Em depoimentos dados na época em que foi denunciado pela ex-presa política Inês Etienne Romeu, considerada a única sobrevivente da Casa da Morte de Petrópolis, Lobo disse que deu assistência a um “desaparecido político”, a quem viu “moribundo, uma equimose só e roxo da raiz dos cabelos às pontas dos pés”, numa cela do DOI da Rua Barão de Mesquita, na Tijuca.
Em depoimento recente à Comissão Estadual da Verdade e ao Ministério Público Federal, que também investigam o caso, o então major Raimundo Ronaldo Campos admitiu ter montado, por ordens superiores, uma farsa para forjar a fuga de Paiva. Com a ajuda dos irmãos e ex-sargentos Jacy e Jurandyr Ochsendorf, ele atirou na lataria de um Fusca e o incendiou no Alto da Boa Vista, no Rio.
A montagem se destinava a sustentar a versão oficial de que, ao ser levado por militares, o ex-deputado teria sido sequestrado por terroristas.
Documento relata prisão
Campos disse saber que se tratava de uma operação para justificar o desaparecimento de um prisioneiro. Revelou também ter informações de que ele já estava morto.
Além dos depoimentos, documentos arrecadados na casa do ex-coronel Júlio Molinas Dias, assassinado em 2012 durante um assalto, comprovaram que Paiva, depois de preso pela Aeronáutica, foi levado para o DOI.
Molinas, que comandou o DOI em 1981, guardava uma folha de ofício preenchida em máquina de escrever, na qual o Exército relata a prisão de Paiva. Intitulado Turma de Recebimento, o documento contém o nome completo do político (Rubens Beyrodt Paiva), de onde ele foi trazido (o QG-3), a equipe que o trouxe (o CISAer, Centro de Inteligência da Aeronáutica), a data (20 de janeiro de 1971), seguido de uma relação de papéis, pertences pessoais e valores do ex-deputado. Consta também uma assinatura, possivelmente de Paiva, que era acusado de manter correspondência com exilados políticos.
Procurado pelo GLOBO, o coronel da reserva Armando Avólio preferiu não falar.