30 ANOS DEPOIS: MURO DE BERLIM
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20 anos depois, Muro de Berlim vira símbolo da tolerância na Alemanha unificada
IRIS JÖNCK
Colaboração para o UOL Viagem
Colaboração para o UOL Viagem
26 jul. / 2009 - É impossível não desembarcar em Berlim procurando pelo que restou de um dos momentos históricos mais impactantes do século 20. Em novembro de 1989, uma multidão eufórica pôs abaixo os 155 quilômetros do muro que, desde 1961, separou simbolicamente o Ocidente do bloco comunista durante os duros tempos da Guerra Fria.
Para a decepção de muitos, encontrar vestígios do antigo marco divisório das duas Alemanhas não é uma tarefa fácil: em seu lugar ergueu-se uma metrópole vibrante, restabelecida política e economicamente, que não olha para trás. Berlim fascina os visitantes que tentam decifrar o significado de sua nova paisagem, repleta de edifícios modernos, grafites provocadores e muita agitação cultural.
Vinte anos depois da unificação, no coração da cidade, os sinais da nova Berlim vão muito além das poucas ruínas que restaram de pé. Potsdamer Platz exibe escombros do muro só para turista ver. Antes quase abandonado por conta da divisão da cidade, o centro agora exibe reluzentes prédios, como o complexo da Crysler e o Sony Center, que dão a dimensão do ritmo de mudança que a cidade se impôs.
Um dos raros resquícios do muro transformou-se em galeria a céu aberto: a East Side Gallery, entre as estações de metrô Ostbahnhof e Warschauerstrasse. Com 1,3km de extensão, apresenta grafites feitos em 1990 por 118 artistas de 21 diferentes nacionalidades. Da era comunista, muito pouco sobreviveu. A construção mais marcante é a charmosa e futurista torre de TV, na Alexanderplatz, com seus 368 metros, impossível de não ser avistada de qualquer parte. Orgulho da extinta República Democrática Alemã (RDA), oferece uma bela vista da cidade e um restaurante giratório no topo.
Em busca de uma sociedade cada vez mais tolerante e aberta às diferenças, Berlim tem, contudo, consciência de seu passado. Os monumentos avistados pelo percurso das principais ruas tratam de contar a história para que ela não seja esquecida. Perto da Potsdamer Platz surge o Monumento ao Holocausto criado pelo arquiteto norte-americano Peter Eisenman e inaugurado em 2005, que chama à reflexão. O Museu Judaico, no bairro de Kreuzberg, atrai quatro milhões de visitantes todos os anos.
A Porta de Brandenburgo, outro antigo símbolo da divisão no centro da cidade, hoje reforça os tempos de liberdade. Dali sai a Unter den Linden, avenida famosa por suas embaixadas. Caminhando um pouco mais pela Friedrichstrasse chega-se ao Checkpoint Charlie, antigo ponto de controle utilizado para a passagem entre os lados, que guarda as histórias de quem tentava cruzar a fronteira em um museu de mesmo nome.
A Igreja Kaiser-Wilhelm-Gedächtnis-Kirche, no bairro de Charlottenburg, no lado oeste, foi parcialmente destruída pelos bombardeios e hoje está preservada para mostrar as conseqüências da guerra. Ao seu redor, em contraste, foram erguidos modernos shoppings centers, com produtos de luxo, design e tecnologia de última geração.
O Reichstag (Parlamento Alemão), na Platz der Republik, voltou a ser ocupado no aniversário de dez anos da reunificação, consolidando o status de capital do país. Na reinauguração do edifício foi apresentada sua nova cúpula, um dos pontos altos da visita à cidade. Destruída na 2ª Guerra e 'reconcebida' pelo arquiteto Norman Foster, o projeto destaca a transparência, permitindo que os visitantes vejam o interior a partir do topo. Um símbolo do poder da democracia.
O apreço pela cultura que era compartilhado por ambas Alemanhas ganhou uma nova dimensão com a capital unificada. A cidade possui intensa agenda cultural, com peças, exposições e concertos, aproveitando o grande número de teatros espalhados pelos dois lados da cidade. Os números falam por si: são 170 museus, oito orquestras sinfônicas e três companhias de ópera permanentes.
Diversão de leste a oeste
Na nova Berlim, os termos "leste" e "oeste" caíram por terra, sem tempo para criar inimizades. A necessidade de mudança era tão grande que os dois lados passaram por cima das diferenças. Berlim, vinte anos depois, está de fato unificada.
A capital alemã se reinventou fortalecida pelas suas contradições, com um lado ocidental de estilo mais tradicional, enquanto a porção oriental assumiu o papel de palco principal dos movimentos criativos e underground. Esse espírito inquieto do leste de Berlim atrai não só milhares de visitantes como novos moradores e estudantes de todo o mundo, que aproveitam de um dos mais baixos custos de vida entre as grandes capitais européias.
É nos bairros sob o antigo regime comunista que se percebe mais forte o instinto pulsante e rebelde de Berlim: com uma veia cultural de rua, junto às diferentes tribos, ateliers de artistas, manifestações de contracultura e uma agitada cena noturna.
Clubes escondidos e festas com endereço secreto em prédios abandonados já foram febre nos anos 90 e alguns ainda resistem, mas em menor número. E apesar da tradição em música eletrônica, há muitas opções de diversão na noite, com destaque para a variedade do público. Berlim é uma das cidades mais abertas aos homossexuais e tradicional reduto de artistas e alternativos. As atrações podem ir desde leitura de poesias e shows de folk em bares como Kaffe Burguer e Möbel Olfe, performances no mítico Bar 25, ou até aulas de dança no SO36 e Café Fatal.
Com a tolerância levada a sério, existe uma postura divertida frente aos espetáculos mais inusitados e bizarros. Às vezes tudo é oferecido por um mesmo clube dependendo do dia da semana. Um das casas mais baladas é o Panoramabar, às margens do rio Spree. Os amantes do jazz também desfrutam de um circuito próprio de casas de shows, como o Yorckschlösschen, que atrai os melhores músicos da cena européia e norte-americana.
Tascheles, o famoso edifício "okupa" invadido por artistas e agitadores sociais em 1990 para impedir sua demolição, continua de pé e ainda sedia artistas, que ali trabalham e expõem suas obras. Na ocupação, esses coletivos criaram uma comunidade com regras e estilo de vida alternativos. O Mitte, bairro onde se situam ateliês, reflete a renovação urbana sofrida na região e que aos poucos vai perdendo seu jeito alternativo com crescimento do comércio atraído pelos artistas.
Em toda a antiga região oriental também se encontram as principais instituições e galerias que oferecem residências artísticas, fazendo de Berlim um dos destinos mais desejados pelos novos criadores na Europa. Com presença ainda de punks, imigrantes de distintas nacionalidades e a comunidade gay, a área tem uma atmosfera única. Dá para perder horas passeando por ali.
Prenzlauer Berg está cheio de brechós onde se podem encontrar muitas peças de roupas originais que vão desde abrigos de ginástica da época das Olimpíadas de Munique de 72 até antigos uniformes e quepes do exército da RDA. As ruas Oderbergerstrasse e Kastanienallee são um bom exemplo da onda nostálgica cultuada em Berlim, com suas lojas de móveis e artigos vintage, além do comércio de vinil.
Novos estabelecimentos alternativos, designers e gente do mundo da moda proliferam por ali, assim como em Friedrichshain (ruas Kopernikustrasse e Wühlischsatrsse) e Kreuzberg (rua Oranienstrasse), considerados como os bairros mais badalados da cidade, que ainda conservam melhor suas características originais.
Rebeldia e militância ecológica
Em toda Berlim, slogans de revolução e símbolos anarquistas fazem parte da paisagem, onde o fator estético e político se misturam. Por trás das mensagens de contestação, a cidade mostra que tem, sobretudo, um enorme senso coletivo, especialmente com relação ao meio-ambiente.
A reciclagem do lixo é uma prática universal em toda a zona urbana e aumenta cada vez mais o número de lojas e restaurantes dedicados ao consumo de produtos naturais e orgânicos, sob etiquetas BIO. Há sites e guias de estabelecimentos que possuem essa certificação já bastante difundida no comércio. Ecologia e vida saudável chegam a ser quase uma obsessão para os berlinenses.
Embora disponha de uma farta oferta de transporte por metrô, trem de superfície ou ônibus, as bicicletas são um dos meios de locomoção mais populares, usadas pelos moradores de todas as idades, no inverno e no verão, aproveitando a ótima sinalização e a estrutura de ciclovias.
Com tudo isso, fica fácil imaginar porque Berlim está no topo das preferências de turistas, imigrantes e nômades urbanos em busca de novas experiências. Os restos da Alemanha dividida não são mais a atração principal. Duas décadas depois, o Muro de Berlim cedeu espaço a uma cidade renovada, que respira originalidade e efervescência cultural.
Para a decepção de muitos, encontrar vestígios do antigo marco divisório das duas Alemanhas não é uma tarefa fácil: em seu lugar ergueu-se uma metrópole vibrante, restabelecida política e economicamente, que não olha para trás. Berlim fascina os visitantes que tentam decifrar o significado de sua nova paisagem, repleta de edifícios modernos, grafites provocadores e muita agitação cultural.
Vinte anos depois da unificação, no coração da cidade, os sinais da nova Berlim vão muito além das poucas ruínas que restaram de pé. Potsdamer Platz exibe escombros do muro só para turista ver. Antes quase abandonado por conta da divisão da cidade, o centro agora exibe reluzentes prédios, como o complexo da Crysler e o Sony Center, que dão a dimensão do ritmo de mudança que a cidade se impôs.
Um dos raros resquícios do muro transformou-se em galeria a céu aberto: a East Side Gallery, entre as estações de metrô Ostbahnhof e Warschauerstrasse. Com 1,3km de extensão, apresenta grafites feitos em 1990 por 118 artistas de 21 diferentes nacionalidades. Da era comunista, muito pouco sobreviveu. A construção mais marcante é a charmosa e futurista torre de TV, na Alexanderplatz, com seus 368 metros, impossível de não ser avistada de qualquer parte. Orgulho da extinta República Democrática Alemã (RDA), oferece uma bela vista da cidade e um restaurante giratório no topo.
Em busca de uma sociedade cada vez mais tolerante e aberta às diferenças, Berlim tem, contudo, consciência de seu passado. Os monumentos avistados pelo percurso das principais ruas tratam de contar a história para que ela não seja esquecida. Perto da Potsdamer Platz surge o Monumento ao Holocausto criado pelo arquiteto norte-americano Peter Eisenman e inaugurado em 2005, que chama à reflexão. O Museu Judaico, no bairro de Kreuzberg, atrai quatro milhões de visitantes todos os anos.
A Porta de Brandenburgo, outro antigo símbolo da divisão no centro da cidade, hoje reforça os tempos de liberdade. Dali sai a Unter den Linden, avenida famosa por suas embaixadas. Caminhando um pouco mais pela Friedrichstrasse chega-se ao Checkpoint Charlie, antigo ponto de controle utilizado para a passagem entre os lados, que guarda as histórias de quem tentava cruzar a fronteira em um museu de mesmo nome.
A Igreja Kaiser-Wilhelm-Gedächtnis-Kirche, no bairro de Charlottenburg, no lado oeste, foi parcialmente destruída pelos bombardeios e hoje está preservada para mostrar as conseqüências da guerra. Ao seu redor, em contraste, foram erguidos modernos shoppings centers, com produtos de luxo, design e tecnologia de última geração.
O Reichstag (Parlamento Alemão), na Platz der Republik, voltou a ser ocupado no aniversário de dez anos da reunificação, consolidando o status de capital do país. Na reinauguração do edifício foi apresentada sua nova cúpula, um dos pontos altos da visita à cidade. Destruída na 2ª Guerra e 'reconcebida' pelo arquiteto Norman Foster, o projeto destaca a transparência, permitindo que os visitantes vejam o interior a partir do topo. Um símbolo do poder da democracia.
O apreço pela cultura que era compartilhado por ambas Alemanhas ganhou uma nova dimensão com a capital unificada. A cidade possui intensa agenda cultural, com peças, exposições e concertos, aproveitando o grande número de teatros espalhados pelos dois lados da cidade. Os números falam por si: são 170 museus, oito orquestras sinfônicas e três companhias de ópera permanentes.
Diversão de leste a oeste
Na nova Berlim, os termos "leste" e "oeste" caíram por terra, sem tempo para criar inimizades. A necessidade de mudança era tão grande que os dois lados passaram por cima das diferenças. Berlim, vinte anos depois, está de fato unificada.
A capital alemã se reinventou fortalecida pelas suas contradições, com um lado ocidental de estilo mais tradicional, enquanto a porção oriental assumiu o papel de palco principal dos movimentos criativos e underground. Esse espírito inquieto do leste de Berlim atrai não só milhares de visitantes como novos moradores e estudantes de todo o mundo, que aproveitam de um dos mais baixos custos de vida entre as grandes capitais européias.
É nos bairros sob o antigo regime comunista que se percebe mais forte o instinto pulsante e rebelde de Berlim: com uma veia cultural de rua, junto às diferentes tribos, ateliers de artistas, manifestações de contracultura e uma agitada cena noturna.
Clubes escondidos e festas com endereço secreto em prédios abandonados já foram febre nos anos 90 e alguns ainda resistem, mas em menor número. E apesar da tradição em música eletrônica, há muitas opções de diversão na noite, com destaque para a variedade do público. Berlim é uma das cidades mais abertas aos homossexuais e tradicional reduto de artistas e alternativos. As atrações podem ir desde leitura de poesias e shows de folk em bares como Kaffe Burguer e Möbel Olfe, performances no mítico Bar 25, ou até aulas de dança no SO36 e Café Fatal.
Com a tolerância levada a sério, existe uma postura divertida frente aos espetáculos mais inusitados e bizarros. Às vezes tudo é oferecido por um mesmo clube dependendo do dia da semana. Um das casas mais baladas é o Panoramabar, às margens do rio Spree. Os amantes do jazz também desfrutam de um circuito próprio de casas de shows, como o Yorckschlösschen, que atrai os melhores músicos da cena européia e norte-americana.
Tascheles, o famoso edifício "okupa" invadido por artistas e agitadores sociais em 1990 para impedir sua demolição, continua de pé e ainda sedia artistas, que ali trabalham e expõem suas obras. Na ocupação, esses coletivos criaram uma comunidade com regras e estilo de vida alternativos. O Mitte, bairro onde se situam ateliês, reflete a renovação urbana sofrida na região e que aos poucos vai perdendo seu jeito alternativo com crescimento do comércio atraído pelos artistas.
Em toda a antiga região oriental também se encontram as principais instituições e galerias que oferecem residências artísticas, fazendo de Berlim um dos destinos mais desejados pelos novos criadores na Europa. Com presença ainda de punks, imigrantes de distintas nacionalidades e a comunidade gay, a área tem uma atmosfera única. Dá para perder horas passeando por ali.
Prenzlauer Berg está cheio de brechós onde se podem encontrar muitas peças de roupas originais que vão desde abrigos de ginástica da época das Olimpíadas de Munique de 72 até antigos uniformes e quepes do exército da RDA. As ruas Oderbergerstrasse e Kastanienallee são um bom exemplo da onda nostálgica cultuada em Berlim, com suas lojas de móveis e artigos vintage, além do comércio de vinil.
Novos estabelecimentos alternativos, designers e gente do mundo da moda proliferam por ali, assim como em Friedrichshain (ruas Kopernikustrasse e Wühlischsatrsse) e Kreuzberg (rua Oranienstrasse), considerados como os bairros mais badalados da cidade, que ainda conservam melhor suas características originais.
Rebeldia e militância ecológica
Em toda Berlim, slogans de revolução e símbolos anarquistas fazem parte da paisagem, onde o fator estético e político se misturam. Por trás das mensagens de contestação, a cidade mostra que tem, sobretudo, um enorme senso coletivo, especialmente com relação ao meio-ambiente.
A reciclagem do lixo é uma prática universal em toda a zona urbana e aumenta cada vez mais o número de lojas e restaurantes dedicados ao consumo de produtos naturais e orgânicos, sob etiquetas BIO. Há sites e guias de estabelecimentos que possuem essa certificação já bastante difundida no comércio. Ecologia e vida saudável chegam a ser quase uma obsessão para os berlinenses.
Embora disponha de uma farta oferta de transporte por metrô, trem de superfície ou ônibus, as bicicletas são um dos meios de locomoção mais populares, usadas pelos moradores de todas as idades, no inverno e no verão, aproveitando a ótima sinalização e a estrutura de ciclovias.
Com tudo isso, fica fácil imaginar porque Berlim está no topo das preferências de turistas, imigrantes e nômades urbanos em busca de novas experiências. Os restos da Alemanha dividida não são mais a atração principal. Duas décadas depois, o Muro de Berlim cedeu espaço a uma cidade renovada, que respira originalidade e efervescência cultural.