Angela Davis: uma pantera negra

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Angela Davis
uma pantera negra

POR SONIA ARRUDA/FOTO: ANDRÉ WANDERLEY

Militante do Black Panthers, grupo que atuava em defesa dos negros americanos nos anos 70, Angela Davis veio ao Brasil participar de um encontro de mulheres negras e falou com exclusividade para a RAÇA BRASIL

11 dez. / 2005 - angela_1Ativista americana Angela Davis chamou atenção pela primeira vez em seu país em 1969, quando foi impedida de lecionar na Universidade da Califórnia, em razão de suas posições políticas. Nos anos 70, militou no Black Panthers, principal grupo de defesa dos negros americanos. Atualmente, dedicada à vida acadêmica e à pesquisa, Angela é professora do Departamento de Filosofia da Universidade da Califórnia - UCLA - e acaba de lançar um novo livro, O Legado do Blues e o Feminismo Negro.

Angela Davis veio ao Brasil a convite da Fundação Palmares, órgão vinculado ao Ministério da Cultura, para participar da I Jornada Cultural Lélia Gonzalez, realizada em São Luís, Maranhão, em dezembro de 1997. O encontro integra o projeto O Olhar da Mulher Negra: Sociedade e Cultura Brasileira Contemporânea, que tem o objetivo de discutir a contribuição da mulher negra em nossa sociedade. Durante sua estada em São Luís, Angela Davis falou com exclusividade para RAÇA BRASIL

RAÇA BRASIL - Quais as principais conquistas alcançadas pelas mulheres negras nos movimentos dos anos 60?

ANGELA DAVIS - As mulheres negras conquistaram imensas vitórias. Elas tiveram acesso a áreas profissionais em que eram totalmente excluídas. Hoje, temos muito mais mulheres negras trabalhando, várias delas foram admitidas em sindicatos, universidades etc. Mas, por outro lado, mais negras estão sofrendo. O número de negras nas prisões, na prostituição e entre as dependentes de drogas aumentou.

RAÇA - Qual o real papel das mulheres negras nesses movimentos?

ANGELA - As mulheres negras foram fundamentais em todas as organizações que surgiram, principalmente no movimento por direitos civis e em outros posteriores. O problema é que seus nomes não eram proeminentes e então só os líderes masculinos é que se tornaram visíveis. Agora, há muitas organizações de mulheres negras, muito mais do que em qualquer época da história.

RAÇA - Por que há mais organizações de mulheres negras?

ANGELA - Por causa da forma com que elas passaram a reconhecer a importância das discussões da mulher. Além disso, começaram a entender as relações entre raça e gênero. A estratégia agora é popularizar esses movimentos e, principalmente, fazer com que tenham representatividade social.

RAÇA - Qual a situação do negro, hoje, nos EUA?

ANGELA - Apesar de nossas conquistas, acho que hoje é o pior momento para o negro nos EUA, com exceção do final da escravidão. O impacto do capitalismo internacional e a desindustrialização da economia norte-americana afetam o povo negro mais do que qualquer outro. Grandes corporações estão saindo do nosso país, mudando-se para o Terceiro Mundo em busca de mão-de-obra barata. Esse processo destrói postos de trabalho e deixa as pessoas, especialmente os negros, vulneráveis ao tráfico de drogas e à prostituição - que funcionam como uma economia alternativa, que leva as pessoas diretamente para as prisões. Existem 700 mil mulheres e homens negros na prisão. Um terço dos jovens negros está na prisão ou então sob o controle do sistema penal norte-americano.

RAÇA - Como você vê essa tentativa de acabar com a política de ações afirmativas nos EUA?

ANGELA - É um exemplo de como, às vezes, tenta-se voltar o relógio da história para aquele ponto anterior ao da guerra civil. As vitórias que tivemos nos últimos 30 anos, e que eu também ajudei a conquistar, estão ameaçadas. O desmantelamento das políticas de ações afirmativas no Estado da Califórnia acaba servindo como um exemplo errado para que essa política - criada para atender e incluir no processo de desenvolvimento homens negros, mulheres e outras minorias raciais - também seja destruída em outros Estados americanos, prejudicando a comunidade negra.

RAÇA - Isso pode dificultar a implantação de ações afirmativas no Brasil?

ANGELA - De certa forma, sim. Mas, por outro lado, um movimento forte por ações afirmativas no Brasil pode nos ajudar a desmobilizar esses grupos que estão tentando acabar com essa política nos EUA. Os conservadores propagam a idéia de que, com as lutas do passado, já atingimos uma democracia racial. Felizmente, as ações foram abraçadas por outros países, portanto, é o momento de o mundo fazer grandes ações de solidaridedade que, de alguma forma, assegurem os direitos dos povos que foram discriminados ao longo da história.

RAÇA - Como você vê a situação do negro no Brasil?

ANGELA - Eu tinha uma noção a partir de encontros e conferências e do contato com pessoas, como a Dulce Pereira, da Fundação Palmares, e a senadora Benedita da Silva. Mas agora conheço a representação do negro no país. Fiquei surpresa ao ver que a população negra está em todos os lugares e com a presença da cultura africana no Brasil. É interessante a forma como essa cultura interage com o dia-a-dia das pessoas e o quanto está subjacente na cultura brasileira. A música negra, por exemplo, permeia toda a produção musical do país. Isso não acontece mais nos EUA. A música negra americana, que foi tão fundamental durante os movimentos dos direitos civis, hoje deixou de ser um meio de transformação do nosso país. Também me impressionou perceber a dimensão espiritual na luta política do povo negro no Brasil.

RAÇA - Os movimentos de mulheres negras dos EUA e do Brasil têm algo em comum?

ANGELA - No Brasil as mulheres negras estão mais prontas para trabalhar a unidade na diversidade. Eu gostaria que as negras brasileiras e as americanas fizessem um intercâmbio, porque elas têm muito em comum. Nesse momento, nos EUA, o trabalho mais importante a fazer é incentivar as mulheres que conseguiram ascender à classe média a ajudar aquelas que ainda não superaram barreiras e estão vivendo em situação de muita desigualdade social. Esse é o grande desafio que temos para vencer agora.

RAÇA - Quais os caminhos para obter essa vitória?

ANGELA - Um deles é o trabalho realizado pelo Projeto Nacional de Saúde de Mulheres Negras, do qual sou membro da comissão executiva. O projeto não cuida apenas da saúde física mas também da saúde mental, emocional e espiritual da mulher negra. E, ao mesmo tempo, lutar para que haja, nos EUA, um sistema público de saúde. Nós também discutimos a questão da auto-estima, porque, de certa forma, as mulheres que conseguiram ascender, mas que ainda se sentem mal a respeito de si mesmas, vão ter dificuldade em ajudar e trazer para junto de si aquelas mulheres mais pobres, das quais elas tive-ram apoio para poder crescer.

RAÇA - Como será a divulgação desse projeto?

ANGELA - Esperamos contar com a colaboração de diretoras de cinema, intelectuais e escritoras, já que o projeto prevê que elas troquem experiências com mulheres que estão sem trabalho e vivendo da Previdência Social. Nos preocupamos com a possibilidade de essas mulheres serem responsabilizadas pela pobreza da sociedade e pela reprodução do crime, à medida que têm filhos. Essas imagens afetam a comunidade negra, que precisa discutir o problema e perceber que ele interfere na vida de todos os negros.

RAÇA - Do que trata seu último livro?

ANGELA - Blues Legacies and Black Feminism (O Legado do Blues e o Feminismo Negro) fala da contribuição que nossas ancestrais da classe trabalhadora nos deixaram através do blues. Pesquisei mulheres como Gertrude "Ma" Rainey, Bessie Smith e Billie Holiday, que em suas canções falavam de feminismo e de sexualidade. Nos anos 20, esses temas eram tabu.



Quem é Angela Davis

"As mulheres negras foram fundamentais em todas as organizações que surgiram, principalmente no movimento por direitos civis"

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Angela Davis no tempo dos Black Panthers

Angela Yvonne Davis nasceu em 26 de janeiro de 1944, em Birminghan, Alabama, nos EUA. Estudou literatura francesa nos Estados Unidos e na França. Na Alemanha, foi aluna de Theodor Adorno, na Universidade Goethe, em Frankfurt. De volta aos EUA, tornou-se professora da Universidade da Califórnia, mas foi impedida de lecionar em 1969, por ter-se filiado ao Partido Comunista. Em agosto de 1970, foi acusada de participar de ações armadas promovidas pelo Black Panthers (Panteras Negras). Capturada pelo FBI, cumpriu pena de 17 meses na prisão. Ela foi julgada e considerada inocente. Em 1972, candidatou-se à Vice-Presidência dos EUA pelo Partido Comunista.

Hoje, Angela Davis é professora do Departamento de Filosofia da Universidade da Califórnia. Atuante, desenvolve trabalhos de pesquisa sobre a comunidade negra e ainda orienta e inspira gerações na luta pela defesa dos direitos dos negros e pela justiça social. Já publicou vários livros, entre eles If They Come in the Morning: Voices of Resistance, uma análise marxista da opressão racial na América, e Women, Race and Class, sobre o movimento feminista. O último é Blues Legacies and Black Feminism.

 
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