36 anos sem Chico Mendes (2008)
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Chico Mendes, uma novela onde vale tudo*
(Tonico)
(Ecologia, cooperativismo, socialismo e feminismo na Amazônia)
Em 22 de dezembro de 1988, o Brasil aguardava o assassinato mais esperado de todos os tempos: quem mataria Odete Roitman? Mas, enquanto todos os olhos se grudaram na tela da Globo, outra morte anunciada abalaria não só o Brasil como o resto do mundo: Chico Mendes foi assassinado no quintal de sua casa, em Xapuri, com um tiro de escopeta.
Chico Mendes, seringueiro desde criança, esteve entre os fundadores dos Sindicatos dos Trabalhadores de Brasiléia e Xapuri, do PT do Acre e do Conselho Nacional dos Seringueiros. Reuniu em sua luta o trabalho sindical, a defesa da floresta e a militância partidária. Apesar de sua distância dos grandes centros e ter crescido no isolamento da floresta amazônica, seu trabalho foi reconhecido internacionalmente e premiado pela ONU. E merece também nossa homenagem, pois Chico foi um utópico radical, construindo no coração da selva um projeto ecológico, cooperativista e socialista.
Durante um século os seringueiros foram praticamente escravos, proibidos de vender sua produção a outro seringalista que não seu patrão sob pena de açoite e morte. A luta de Chico começou pela criação de escolas de alfabetização dos seringueiros (hoje há 18). Por volta de 1975, com a “abertura” sob o governo Geisel, foi fundado o sindicato. Nesse momento, o Acre começava a ser devastado por projetos agropecuários estimulados pelo governo. Derrubando a floresta, tais projetos ameaçavam a própria base da existência dos seringueiros, que se viam entre duas alternativas: ou aceitavam terras nas colônias implantadas pelo INCRA, tornando-se pequenos agricultores ou cooperavam para resistir.
Os que optaram pela primeira alternativa, endividaram-se com os bancos e perderam suas terras para grandes fazendeiros como Darli Alves (um dos prováveis assassinos de Chico) e foram morar nas periferias miseráveis das cidades do Acre. Os outros, organizaram-se no sindicato e compreenderam que precisavam defender a floresta: homens e mulheres faziam cordões de mãos dadas e cercavam a área que ia ser desmatada. Não deixavam os peões (encarregados da derrubada) entrar e desmontavam seus acampamentos. Conseguiam geralmente a adesão dos peões, ainda que estes fossem obrigados a reagir contra os seringueiros quando a polícia chegava.
Essa luta intensificou a consciência ecológica dos seringueiros. Surgiu então, em 1985 a idéia da reserva extrativista, que tornou Chico internacionalmente conhecido. E o reconhecimento de áreas de floresta, ocupadas tradicionalmente por seringueiros e outros extrativistas (castanheiros etc), como áreas de domínio da União, com usufruto exclusivo dos seringueiros organizados em cooperativas ou associações. Nelas não há títulos individuais de propriedade. É uma reforma agrária radical e utópica, pois não se limita a dividir a propriedade, mas efetivamente a socializa, preservando a natureza para os que dela dependem e para patrimônio cultural.
A proposta de defesa da floresta pela reserva extrativista aproximou naturalmente os seringueiros de outras comunidades que dependem da floresta. Já em 1982, Chico foi candidato a deputado estadual pelo PT ao lado de um índio candidato a deputado federal e lançou a proposta de aliança dos povos da floresta. A proposta empolgou os índios que, mais ainda que os seringueiros, rejeitaram a idéia de ser colono e querem usar suas áreas comunitariamente, pois isto é vital para sua cultura. Surgiram comissões conjuntas de índios e seringueiros e passeatas ecológicas com centenas de índios presentes.
Com o avanço da luta, o sindicato se fortaleceu e as mulheres de seringueiros começaram a participar mais exigindo a criação de um departamento feminino. Realizaram seu primeiro congresso em 1° de maio de 1988 e, a partir daí, as mulheres índias também começaram a participar mais e, recentemente, fizeram parte da mesa de um congresso.
A desapropriação das terras de Darli Alves para constituir mais uma reserva extrativista, que desencadeou o crime, foi mais um episódio nessa luta. E agora Davi Kopenawa Ianomani, líder da maior nação indígena no Brasil, recebeu o mesmo prêmio da ONU (Global 500) que Chico havia recebido em 87. Como este, Davi está sendo ameaçado de morte pelos garimpeiros que destroem as terras Ianomani. Será que agora o Brasil vai aprender a acompanhar e intervir nessa novela? Aguardem o próximo capítulo!
TEXTO ORIGINALMENTE PUBLICADO POR TONICO EM
“UTOPIA E MOVIMENTO” REVISTA TRIMESTRAL
ABRIL/JUNHO-1989 N°9 - CAMADUCAIA - MG