2000: ROGÉRIO DUARTE & GLAUBER ROCHA: AMIGOS ARCAICOS

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Foto: Romulo Andrade

ROGÉRIO DUARTE & GLAUBER ROCHA: AMIGOS ARCAICOS
(depoimento a Mário Pazcheco)


Mestres das adversidades. Rogério Duarte e Rogério Caos são a mesma pessoa, sendo o último um epíteto criado por Glauber Rocha. Um memorialista de primeira desordem insistentemente acossado e incompreendido pela mídia, que sem pudores revela dados, nomes e situações auspiciosas conduzidas por Shiva.

— Não quero que a necrofilia atinja muito o Glauber como fizeram com o Raul. Já se falou demais sobre o Glauber, para mim ele é um tema de reflexão muito profundo. Eu gostaria de escrever sobre o Glauber. Depois que eu li o livro do João Carlos Teixeira Gomes, que é tão bondosozinho, mas tão medíocre, porque ele não acompanhou o pique, foi um cara que sempre ficou na província, sempre teve cargos públicos, jornalista, professor, da Academia Bahiana de Letras, então ele não compreende, ele vê com os olhos do amigo, mas do amigo-parente, aquele primo querido, muito afeto, mas nenhuma comunhão, ou seja, ele não comungava da loucura do Glauber, do tempero, ou seja, ele via aquilo como os meus primos, por exemplo, aquele primo que diz:

— Puxa, você tá louco! Aqueles caras bem intencionados diante de um artista alucinado. (...)

— "A cruz na praça" foi um documentário engraçado, eu vi uma cópia, uma única cópia, saiu meio escura, passou no Cine Capri. Eu me lembro, estavam Dorival Caymmi, Jorge Amado, foi o único filme que eu trabalhei como assistente do Glauber, era um filme experimental, eram as coisas que Glauber fazia nos intermédios entre as grandes produções. Ele fazia ensaios, digamos, radicais, e esse seria um. O Luis Carlos Maciel, como ator; o Sólon Barreto, o Anatólio Oliveira, é um filme interessante sobre o problema da repressão do homossexualismo, têm umas coisas muito engraçadas. Engraçado, a gente trabalhava com dois quadronizadores, eu com um e ele com outro.

Essa teoria dele da montagem dialética, eu não era propriamente um assistente, Glauber dizia o seguinte:

— Eu vou me ater à minha história.

— Você já leu. O que você achar que possa enriquecer pra gente incluir na montagem, a gente filma também. Então, eu desenhava o que eu queria que filmasse também pra incorporar e era filmado. Eu me lembro, por exemplo, de um cara passando com a bandeja cheia de caranguejos, eu achei que aquilo tinha a ver com a história, então eu pedi pra fazer um plano daqueles caranguejos e outros planos que eram incorporados depois na montagem. Era um trabalho que Glauber era muito na coisa da espontaneidade, ele dizia:

— Vamos dialogar. Vamos brincar, como em outros trabalhos que a gente fez, você filma o que quiser; eu filmo a minha história e depois na montagem a gente tenta juntar tudo... (...)

— Havia uma relação muito amorosa, ele era muito adulto, Glauber era muito complexo, ele juntava, digamos, valores tradicionais, ele não tinha do adolescente, inclusive uma pessoa que ficou adulta muito cedo. Glauber casou muito jovem e se revelou como gênio muito jovem, e como jornalista, escritor, como uma pessoa responsável, como um empresário, inclusive, então ele não tinha conflito, o pai dele era uma pessoa que teve um acidente, inclusive não exercia mais aquela autoridade brutal como pai, então ele não tinha nada do conflito adolescente. A coisa dele era mais num plano social, no universal não tinha muito a coisa do pessoal do lírico. O lirismo de Glauber era das massas, ele se interessava pelas questões do mundo e não pelos pequenos problemas individuais, ele não tinha muito essa coisa pequeno-burguesa. A coisa dele era num salto mais universal, não era confessional, não era biográfico, a obra dele não tem muito de biografia... A não ser em "Riverão Sussuarana". Glauber era daquelas pessoas que se identificavam com os arquétipos históricos. Não havia a preocupação intimista nele, ele era uma pessoa fundida com o social – nele o individual e o social se sintetizavam. A vida dele pessoal já era história, ele era uma figura pública desde o início. Ele não tinha o negócio do pequeno mundo, da vida privada.

— Glauber já era amigo de Ronaldo, meu irmão mais velho; o João Carlos Teixeira narra isso no livro. Glauber e eu temos uma diferença de um mês, porque, embora eu tenha nascido em 10 de abril, todos os meus documentos estão como se fosse 15, então Glauber é de 15 de março e eu sou de 15 de abril. Ele era um mês mais velho do que eu, mas era amigo do meu irmão mais velho, tanto assim que o Joca me atribui ter uma coisa de ser muito mais jovem, mas ele morava na rua ao lado da minha, eu já era apaixonado pela irmã dele desde criança, era minha paixão infantil já e eu já olhava ele na rua. A gente já se dialogava mas era na época das "Jogralescas" em 1956/57, a gente se encontrou de forma definitiva, e selamos uma amizade eterna, muito afetuosa, eu era namorado da irmã dele, a pedido inclusive dele inicialmente, ele queria que eu namorasse com a irmã dele.

— Não quero que a minha irmã namore playboy ou cafajeste. Quero que ela namore com intelectual. 

— E a gente sempre foi muito camarada, muito amigo, tem muitas passagens biográficas e brigas de rua. Na Bahia, uma vez vinha com Glauber numa de suas viagens, ele de barba e uma turma na rua começou a xingar de Fidel Castro, ele estava de barba, aquela coisa provinciana, e eu resolvi encarar os caras na mão, levei tapas como o diabo. Teve muitos lances desse tipo, então a gente é amigo arcaico, a terra dele, Conquista, é perto da minha terra. É uma coisa muito radical, não tem início meu relacionamento com Glauber como também não tem fim. Glauber, eu sonho às vezes dialogando com ele; ele é tão vivo que a morte não teve a força suficiente para apagar em mim a memória de um Glauber vivo, assim como eu tenho a memória do meu pai..
São pessoas que estão além do tempo, além dessa dimensão linear do passado, presente, futuro, ele é e esse ser do Glauber pra mim de certa maneira transcende a sua existência física. A imagem do Glauber, eu olho uma foto do Glauber; eu vejo, ele entende, ele existe como eitos, como imagem, a ideia Glauber é mais viva do que o corpo.

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