Assassinato de Glauber

Assassinato de Glauber
(Alexandre Kadunc*)

Que pena! Não conheci pessoalmente Glauber Rocha. Mas eu sempre o vi, ouvi e senti, sempre o tive na conta de um abençoado porra-louca, mesmo porque de porra-louca só entende porra-louca. Certo, Carlito Maia? De cinema não entendo lhufas. Confesso que nunca assisti a um filme do Glauber. Minha agenda cinematográfica está de luto porque sempre fui chegado nas chanchadas da Atlântida e nos caipirescos do Mazzaropi. Mas toda vez que via uma foto do Glauber nos jornais e revistas sentia um arrepio geral, como se estivesse na iminência de incorporar um caboclo ou preto-velho. Aquela cara de menino velho me atraía, fascinava e aborrecia. Aborrecia porque conseguia entender o Quixote. Me parece que foi a Norma Benguel quem exclamou no velório: “Glauber foi assassinado”. Podes crer, Norma, o menino baiano foi mais uma vítima de assassinato cultural. Sempre tem um fim sinistro aquele que ousa desafiar a tal da normalidade ou mediocridade, melhor colocando. Morre pobre em matéria o menino Glauber que fez a “passagem” não aos 42 anos, mas aos 420. Se ele já era orixá vivo (como o Mário Lago), imaginem agora. Faltou um detalhe no pesadíssimo velório. Faltou a faixa “Coitadinho é a...”. Não faltaram, cinicamente, os medíocres e cada vez mais proliferantes patrulheiros ideológicos, gentinha que não consegue escapar aos conceitos estereotipados e que sempre se apresentou como séria candidata ao mais viçoso anonimato.

Glauber tinha uma mente muito acima de siglas, dogmas, maçudos compêndios escritos por falsos videntes do amanhã social. Chora a Bahia, mas não a Bahia da sofisticada Barra, mas Salvador do Mercado Modelo e da “zona” do Maciel. Gente que não conhecia a genialidade cinematográfica de Glauber, mas que assim mesmo tinha grande orgulho do seu sucesso desonestamente remunerado. Chora o que restou do Brasil sensível e popular que não confunde intelectualóide com comunicador social que se preocupa, até a morte, com o povão. Este País está órfão de um pai de apenas 42 anos físicos, mas de 420 anos proféticos. Gostaria de estar agora em “Aruanda” para assistir à recepção dos mais luminosos orixás ao menino Glauber, certamente um filho de Xangô, o deus africano da justiça e do amor.

Não vou rezar pelo Glauber porque o que eu – brasileiro vacinado contra a burrice, corinthiano, “carteiro”, poluído e macumbeiro – preciso mesmo é da luz, aquela mesma de “Madame Satã”, Denner e Joãozinho da Goméia. Os sete palmos abaixo da terra estão ao alcance de todos, o problema reside nos sete acima. Fico nu, ao meio-dia de domingo, em frente à igreja do Senhor do Bonfim, se o Glauber não está agora refestelado no mais azul dos sete degraus cósmicos.      Oxalá permita que na minha “passagem” possa eu, do meu andar muito inferior e cinza, divisar ao menos os contornos da morda final desse grandioso homem do povo das sete encruzilhadas. Sarava, pessoinha de Deus e de todos os Deuses.

 

*TEXTO ORIGINALMENTE PUBLICADO NO LIVRO ‘XOK – BURACOS NEGROS DO APOCALIPSE’ – 1988.
** O AUTOR, O SAUDOSO JORNALISTA ALEXANDRE KADUNC ALÉM DE PARTILHAR DA ESCRITA ANTROPOFÁGICA (XS-YS-KS) POSSUÍA TALENTO DO QUILATE DE GLAUBER SÓ QUE ATUANDO NA IMPRENSA E DEFENDENDO O POVÃO, AQUELA CAMADA QUE MUITOS SÓ SE LEMBRAM NA HORA DE PEDIR VOTOS...

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