Glauber Rocha: O VISIONÁRIO DESEMBARCA NO SAGUÃO DE UMA SALA DE CINEMA NUM SÁBADO CINZENTO EM PARIS

 

Glauber Rocha:
O Visionário Desembarca no Saguão de uma Sala de Cinema num Sábado Cinzento em Paris

(Geneton Moraes - 30 jan. / 2006)

Vasculho meu arremedo de arquivo. Descubro as anotações de um encontro com Glauber Rocha, um dos últimos artistas visionários brasileiros. Ano: 1981. Ei-lo:

Paris foi uma escala - demorada - da última navegação européia de Glauber Rocha. Volta o filme: é manhã de um dia chato de inverno, um sábado cinzento, no começo de 1981. Amigos de Glauber, críticos franceses e estudantes brasileiros de cinema em Paris vão chegando aos poucos a uma sala de projeção, lá perto de Republique, para uma sessão especial de "A Idade da Terra".

Glauber Rocha aparece com uma cópia de "A Idade da Terra" debaixo do braço, cara de sono, rosto abatido, meio gordo e com o pique de sempre: vai falando com cada um, esculhamba com um crítico "burro" do Jornal do Brasil, quer saber o nome, a ocupação, a procedência dos forasteiros que lhe são apresentados ali, no hall do cinema, pouco antes do início da projeção.

Anima-se quando sabe que nós - eu e o também brasileiro Marcos de Souza Mendes - somos estudantes de cinema. Aumenta o tom de voz, faz gestos largos com as mãos, chama a atenção dos franceses: "Olhem aí: são os jovens cineastas, é a juventude brasileira estudando cinema! Isso me interessa! Quero saber o que é que vocês vão achar do filme!". Os franceses olham para nós, o objeto do entusiasmo glauberiano. Procuro um lugar no chão para me esconder.

Depois, Glauber Rocha reclama de que a cor da cópia não é ideal, começa a falar francês com sotaque inconfundível de nordestino. "Je vais rester ici; j´attende un ami" - declama Glauber, diante da porta de entrada da sala, enquanto avisa que os espectadores já podem ocupar seus lugares. Em seguida, vai até a cabine, falar com o operador. O filme começa. Glauber sairá da sala umas duas vezes durante a projeção. Terminada a sessão, ele, que estava sentado três fileiras adiante, se vira para trás, olha para nós,estudantes:
"Como é? Fizeram as ligações?". O dedo indicador de Glauber toca no outro.

Lá fora, ele pergunta pela mulher, Paula, procura por ela no café ao lado, fala mal desses "filmes reacionários, com históriia", dá o toque de que "o cinema materializou o desejo de ser imagem e som da palavra".

A saúde de Glauber já era assunto de conversas ao pé do ouvido. O guerreiro não andava bem. Tinha passado uma noite vomitando, dormira durante a projeção de documentários brasileiros no cinema "Le Denfert". Pouco tempo depois, levantara vôo para Portugal, onde trabalharia num projeto. As más notícias não demoravam a chegar a Paris: falava-se de complicações cardíacas, coisas assim. A última palavra surgiu, enfim, na primeira página do "Le Monde" : "o cineasta brasileiro Glauber Rocha, um grande autor lírico e barroco", tinha morrido num dia de sábado no Rio de Janeiro. O "Liberation", jornalaço, deu uma página inteira, a televisão noticiou, as emissoras de rádio falavam em Glauber Rocha. O "Le Monde" escreve que ele ficará para as "gerações futuras" como um testemunho da "necessidade de mudar o mundo".

Profeta, revolucionário, inventor, feiticeiro, Glauber nem precisa das lágrimas de crocodilo de quem quis crucificá-lo em vida. O conselho que ele deu naquela manhã de um dia chato de inverno: estudar Eisenstein, entender Godard, comprar o "Cahiers du Cinema", ver filmes.

A última lembrança: "Você vem do Recife? Jomard Muniz de Brito é meu irmão, meu amigo".

Vi, num sábado cinzento, a fagulha de um visionário brilhar no saguão de uma sala de cinema em Paris. Glauber Rocha sonhava grandezas para o Brasil, quebrava os catecismos políticos, imaginava um destino épico para esta república ancorada na América do Sul.

Faz falta.

http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/08/jornalista-geneton-moraes-neto-morre-no-rio-aos-60-anos.html

 

POLÍTICA

Geneton: grande sujeito, grande repórter e as bombas de que Brizola escapou

POR FERNANDO BRITO · 23/08/2016 - 

 Morreu este noite um grande repórter.

 

Geneton  Moraes Neto se foi, aos 60, pelas complicações de um aneurisma.

Não fui seu amigo pessoal, mas devo a ele a parte mais valiosa do documentário que fiz sobre a resistência legalista de Brizola em 1961.

Quinze anos atrás, um simples telefonema fez com que ele me cedesse uma fita cassete que era uma preciosidade.

Uma, das muitas que ele recolheu naquilo que escolheu fazer: reportagem sobre a História brasileira.

Era o depoimento do escritor Oswaldo França Júnior, nos anos 60 piloto da Força Aérea Brasileira, narrando os preparativos e a frustração do bombardeio ao Palácio Piratini, de onde Leonel Brizola, governador gaúcho, comandava a resistência ao golpe para impedir a posse de João Goulart, em 1961.

É coisa que muita gente não faz ideia ou acha apenas “lenda” política.

Reproduzo o texto – e a transcrição – feitas por Geneton, com todo o mérito que tem de fazer um registro primário da história que muitos não acreditam que este país viveu e que ele, repórter da história brasileira, não deixou que se perdesse:

 

O ESCRITOR RECEBE UMA MISSÃO: MATAR LEONEL BRIZOLA

(Geneton Moraes Neto)

A História poderia ter tomado um rumo diferente em 1964 se tivesse havido uma resistência igual à’ que Leonel Brizola comandou em 1961 para garantir a posse do então vice-presidente João Goulart na presidência da Republica depois da renuncia de Jânio Quadros. Com um microfone nas mãos, Brizola comandara em 1961 uma campanha pela legalidade : se a presidência estava vaga,o vice Goulart e’ que deveria assumir. Não era o que os militares queriam.Mas foi o que aconteceu.

A resistência legalista de Brizola em 1961 por pouco não acaba em bombas e balas. Piloto da FAB que anos depois ficaria famoso como escritor,o mineiro Oswaldo Franca Junior recebeu,com os colegas,uma missão que,se executada,poderia resultar na eliminação física do ex-governador Brizola sob um monte de escombros,num palácio bombardeado.

Oswaldo Franca Junior tinha um demônio dentro de si.Queria um exorcista.Todas as tentativas de traduzir o demônio em palavras foram frustradas.Bem que tentou,mas não conseguiu transformar em texto a incrível experiencia quer viveu nos tempos em que era oficial da Forca Aérea Brasileira,no começo dos anos sessenta. Extremamente rigoroso com o que escrevia,a ponto de só aproveitar dez de cada cem paginas que produzia,Franca Junior despejou na lata de lixo as tentativas de relato da época. Se transformadas em livro,as confissões do ex-primeiro tenente Franca Junior poderiam ter virado best-seller politico : basta saber que ele participou diretamente de uma operação secreta para bombardear o Palácio onde estava o então governador Leonel Brizola,em Porto Alegre.Franca Junior estava pronto para levantar voo num dos aviões que despejariam bombas sobre o Palácio. Nesta entrevista,ele revela com todos os detalhes como a operação foi preparada.

Diante do gravador,Oswaldo Franca Junior relatou com desembaraço o que jamais conseguiu escrever.Uma coisa e’ certa : Franca Junior e’ seguramente o único escritor em todo o mundo que recebeu uma ordem expressar para bombardear um palácio e matar um governador.Expulso da Aeronáutica pela Ato Institucional Número 2 como ‘’subversivo’’,Franca Junior virou corretor de imoveis,vendedor de carros usados,dono de carrocinhas de pipoca e ate’ administrador de uma pequena frota de táxis ,antes de ficar conhecido nacionalmente com o romance ‘’Jorge,um Brasileiro’’, em 1967.

Vai falar o escritor que como piloto,esteve a um passo de se envolver numa carnificina a mando dos superiores:

GMN : Você e’ seguramente um caso único de escritor que recebeu ordens expressas para eliminar um governador de Estado num bombardeio a um palácio. Você pode revelar em que circunstancia exatamente foi dada a ordem de eliminar o então governador do Rio Grande do Sul,Leonel Brizola ?

Franca Junior : ‘’Você quer saber em que circunstâncias…Eu servia no Esquadrão de Combate,em Porto Alegre.Era a unidade de combate mais forte que existia entre o Rio de Janeiro e o Sul.Era o 1º do 14º Grupo de Aviação. A gente usava um avião inglês que,na FAB,recebeu de F-8. ( Nota do Tijolaço: era o Gloster Meteor, jato logo posterior à 2a. Guerra) Logo depois da renúncia de Jânio Quadros,em 1961,Brizola fez a Cadeia da Legalidade através das emissoras de radio e se entrincheirou no Palácio do Governo,em Porto Alegre.O comandante do meu esquadrão nos reuniu e disse : ‘’Nos acabamos de receber uma ordem para silenciar Brizola.Vamos tentar convence-lo a parar com esse movimento de rebeldia.Se ele não parar com essa campanha,vamos bombardear o Palácio e as torres de transmissão da rádio que ele vem usando para fazer a Cadeia da Legalidade.Vamos fazer tudo ‘as seis da manhã.Vamos tentar dissuadir Brizola ate’ essa hora.Se não conseguirmos,vamos bombardear’’. Nos ouvimos essas palavras do comandante.Todo oficial tem uma missão em terra,alem de ser piloto de esquadrão. Eu era chefe do setor de informação. Recebi ordens de calcular o quanto de combustível ia ser usado e quanto tempo os aviões poderiam ficar no ar.Dezesseis aviões foram armados para a operação. Pelos meus cálculos,a gente ia pulverizar o Palácio do Governo ! O armamento que a gente tinha em mãos era para pulverizar o palácio. Um ataque para acabar com tudo o que estivesse la’.Não ia haver dúvida.Os aviões foram armados.Nos nos preparamos. Colocamos as bombas e os foguetes nos aviões. Ficamos somente esperando chegar a  hora,quando o dia amanhecesse.Mas criaram-se ai vários impasses,vários problemas sérios. Durante o tempo em que ficamos esperando,nos todos sabíamos que iriamos matar muita gente. Num ataque como aquele ao Palácio, bombas e foguetes cairiam na periferia.Muitas pessoas iriam ser atingidas.Alem de tudo,Brizola estava com a família no Palácio, cercado de gente.Havia gente armada la’,mas não ia adiantar nada,diante do ataque que iriamos deflagrar com nosso tipo de avião. Podia ser que um ou outro avião caísse,o que não impediria de maneira nenhuma o ataque e a destruição do Palácio. E ai’ começou o questionamento.

O militarismo tem dois alicerces básicos : a disciplina e a hierarquia. Você não pode mexer nesses dois alicerces.Toda a carreira,todos os valores,todo o futuro do militar e’ garantido em cima desses dois suportes. Você ,quando e’ militar,sabe exatamente o que vai acontecer com você daqui a dez,vinte anos,baseado nessa hierarquia e nessa disciplina.Isso da’ uma segurança e um ‘’espirito de corpo’’ bem desenvolvidos.Mas,diante de nos,os tenentes que íamos fazer o ataque,e não estávamos incluídos na alta cúpula,apresentou-se uma incoerência : se o presidente da Republica,chefe supremo das Forcas Armadas,renunciou,automaticamente quem deve assumir e’ o vice-presidente.Nos nos perguntávamos ali : por que o Estado Maior – que não fica acima do Presidente da Republica – pode determinar que um vice-presidente não pode assumir ? Então,ha’ uma incoerência interna na hora de obedecer a uma ordem assim.Por que ? Porque aquela ordem,em principio,ja’ quebrava a hierarquia,a base do sentimento militar.Nos começamos a pensar.Mas íamos decolar,sim,para o ataque ! Durante a noite,no entanto,houve um movimento inteligente,partido principalmente do pessoal de base.O avião de caca só leva um pessoa,o piloto.Mas e’ necessário ter uma equipe grande de apoio no solo.E essa equipe de apoio,formada principalmente por sargentos,impediu a decolagem dos aviões. Os sargentos esvaziaram os pneus.E trocar de repente todos os pneus dos aviões de combate e’ um problema técnico complicado e demorado.Os aviões,assim,ficaram impedidos de decolar na hora do ataque.Houve uma movimentação. E o Exercito ajudou a controlar a divisão interna na Base Aérea.

O Estado Maior mudou a ordem,para que nos nos decolássemos para São Paulo.E,para a viagem de Porto Alegre para São Paulo,os aviões não poderiam decolar armados.Por que ? O avião de e’ uma plataforma que você eleva para transportar armamentos.Ali dentro só existe lugar para colocar combustível e arma.O piloto vai num espaço pequeno. Então,tiraram os armamentos dos aviões para encher de combustível. Somente assim seria possível chegar a São Paulo.O Estado Maior estava centralizando o poder de fogo para que,se houvesse um guerra civil, eles estivessem bem equipados’’.

GMN – Como militar, você cumpriria sem discussão essa ordem de bombardear o Palácio e eliminar fisicamente o governador?

Franca Júnior: ‘’Naquelas circunstancias de Porto Alegre,eu obedeceria, sim. Obedeceria ! Um ou dois meses depois eu iria questionar.Por que ? Porque ali foi um ponto de ruptura,um divisor de águas. Naquela crise,em que passamos a noite inteira nos preparando para bombardear o Palácio do Governo,surgiram vários questionamentos. Somente de madrugada e’ que houve o problema da sabotagem dos aviões. Agora nem tanto,mas antes você só era preparado para ;utar contra o inimigo externo. E de repente nos chegou aquela ordem para bombardear Brizola de uma hora para outra. Não houve nem uma preparação psicológica nossa. Você, então, começa a se questionar : por que e’ que as pessoas estão fazendo aquilo ? Por que a realidade brasileira e’ essa ? O militar, em qualquer crise politica,não e’ como o civil – que pode fazer a opção sobre se vai participar ou não. O militar e’ obrigado a participar – e de arma na mão !’’.

GMN – Você é  que escolheu as bombas que seriam usadas para matar Brizola?

Franca Júnior: ‘’Não. Ajudei a verificar o volume de combustível nos aviões. Nós iriamos usar bombas de 250 libras.E 15 foguetes. Cada avião iria levar quatro bombas de 240 libras,alem de quatro canhões. Eu digo : a gente ia pulverizar tudo ! O armamento que iriamos usar não era para intimidar…’’.

GMN – Quando estava fazendo os cálculos de combustível e de armamentos, você pensava em que?

Franca Júnior: ’’O questionamento vem surgindo aos poucos.A primeira impressão e’ que tinha acontecido algo serio e nos não tínhamos ainda acesso às informações sobre o que havia ocorrido.Haviam,provavelmente,descoberto ligações de Brizola ou de um grupo grande.O bicho-papão,na época,eram os comunistas. Então,eles devem ter descoberto uma trama tao diabólica e tao generalizada que estavam tomando uma atitude seria para impedir que o presidente assumisse’’.

A experiencia que vivi foi inusitada,porque você julga que uma guerra civil pode pode surgir de um encadeamento de fatos que leva anos – mas não de uma hora para outra,como ali : uma pessoa vem e dá uma ordem.Se o pessoal de apoio da Base Aérea de Porto Alegre não tivesse impedido a decolagem dos aviões, nos teríamos decolado e destruído o Palácio. Não tenha duvida ! Isso forçosamente teria desencadeado um problema seriíssimo no Brasil’’.

GMN – Pouquíssimos escritores viveram, na vida real,historias com uma forca dramática tao grande. Por que e’ que você nunca quis descrever todos estes acontecimentos literariamente ? Por que você despreza uma experiência tao rica?

Franca Junior – ‘’Não e’ que eu despreze ! E’ diferente.Fui aviador durante anos e anos .O fato de lidar com aviação faz com que você adquira uma matéria-prima rica,porque levam o ser humano a se desnudar e a demonstrar quem e’. E eu levei quase vinte anos para conseguir escrever uma historia que trata de aviação. Eu tinha vontade de escrever.Quando começava uma história, percebia que estava tudo falso !’’.

PS. Abaixo, você pode ouvir a narrativa de França Júnior, na sua própria voz, no documentário a que me referi.

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