ALLEN GINSBERG É O MOTE DE LANÇAMENTO CINEMATOGRÁFICO (2014)

 


Lucien Carr matou o amigo e o crime esteve na génese da geração Beat

Isabel Lucas 

Apresentou Burroughs a Kerouac e a Ginsberg. Tinha 19 anos quando matou um amigo.




Carr com Burroughs e Ginsberg e no final da vida, com a imagem de velho jornalista americano ALLEN GINSBERG/CORBIS

1 mar. / 2013 - Apresentou Burroughs a Kerouac e a Ginsberg. Tinha 19 anos quando matou um amigo. Sessenta anos depois, publica-se e os hipopótamos cozeram nos seus tanques, onde Burroughs e Kerouac contam a história

Na madrugada de 13 de Agosto de 1944, um estudante da Universidade de Colúmbia e o seu mentor e protector, um homem 14 anos mais velho, envolveram-se numa discussão em Riverside Park, junto ao rio Hudson, perto do campus universitário, em Nova Iorque, e o mais novo acabou por atingir o mais velho no peito com dois golpes de navalha. São factos. Facto também é que o mais novo atou aos mãos e os pés daquele que pensava ser já um cadáver, encheu-lhe os bolsos do fato de pedras e atirou-o ao rio. Outro facto: o rapaz terá corrido a pedir conselho sobre o que fazer a um grupo de amigos mais velhos - os futuros poetas da beat - e entregou-se às autoridades.

O rapaz de 19 anos seria condenado a 20 de prisão, mas acabou por passar apenas dois num centro de correcção e sair em liberdade aos 21. Chamava-se Lucien Carr, boa pinta, assediado pelos amigos homossexuais, admirado por todos pela sua cultura e sentido de humor, leitor compulsivo que apresentou os poemas de Rimbaud a outro amigo, Allen Ginsberg, e apresentou também Ginsberg a William S. Burroughs e os dois a Jack Kerouac. Sem saber, Carr esteve na génese do que viria a ser o núcleo da geração beat, mas o crime que cometeu afastou-o dela sem que nunca tivesse escrito um poema ou um texto segundo os critérios estilísticos desse grupo cuja regra de vida era não ter regras para a vida: seguir o impulso sem censura.

Lucien Carr é o centro do livro "escondido" que William S. Burroughs e Jack Kerouac escreveram em 1945, antes de publicarem o que quer que fosse, contando a sua versão do crime de Riverside Park, o policial e os hipopótamos cozeram nos seus tanques, agora editado em Portugal pela Quetzal e que a América só conheceu em 2008, depois da morte de Carr. Não é o grande livro de cada um, mas é o primeiro livro de um e de outro.

"Lucien Carr, com a sua paixão por Rimbaud, acabou, numa trágica ironia, por ser ele mesmo uma espécie de Rimbaud deste grupo, alguém que, ao se livrar do seu Verlaine, morreu para as artes antes da maioridade, mas permanecendo uma inspiração". Voz grave, estilo pausado, James W. Grauerholz, o executor testamentário de William S. Burroughs e amigo íntimo do autor de Naked Lunch, diz "olá" como quem diz holla. Está no Kansas, e quer fazer-se entender ao falar de um grupo e de uma história que o mudou também a ele. Diz-se fluente em espanhol, ensaia umas palavras em português, mas segue no seu sotaque cerrado a história de Carr que conheceu numa madrugada de copos em casa de Burroughs.

Era uma vez na América

William S. Burroughs era o ídolo de James W. Grauerholz. Leu Naked Lunch com 14 anos e nunca mais deixou de seguir tudo o que Burroughs escreveu. Queria ser escritor e via ali o exemplo. "Em 1974, quando fui para Nova Iorque, recebi um telefonema de Allen Ginsberg. Dizia-me que Burroughs estava em Nova Iorque e queria conhecer-me; que precisava do um secretário. Deu-me o número dele e o meu herói convidou-me para jantar. Daí a umas semanas estava a viver com ele", conta-nos Grauerholz com o tom e o riso de quem narra umas memórias boas.

"Gostávamos um do outro e fomos íntimos durante algum tempo, mas eu precisava de estar com pessoas da minha idade e essa intimidada acabou tal como existia." Grauerholz tinha então 21 anos e Burroughs 60. Foi nesse período que conheceu Lucien Carr. Carr era editor da United Press. "Numa noite, muito tarde, tocaram à campainha, fui ver quem era e ouço uma voz a gritar: "O Burroughs está por aí?" Ele disse-lhe para entrar. Vestimo-nos à pressa. Lucien, bêbado, estava à procura do velho amigo e passámos o resto da noite a beber e a fumar. Achei-o muito divertido."

Voltaram a ver-se ao longo de décadas. Grauerholz e Burroughs deixaram de ser íntimos, mas nunca perderam a intimidade que Grauerholz compara à de um velho casal. Carr aparecia, mas não falava do que tinha acontecido na noite de 1944. "Acho natural. Tudo correu de forma muito má para Lucien. Ele continuava a gostar dos amigos, mas não queria fazer parte da visão beat", justifica sobre uma história que continua nebulosa e alimentou a imaginação e a obra dos amigos da Beat. Ele foi guardião dessa história e do livro que Burroughs escrevera com Kerouac, mas nunca fora publicado. Kerouac morrera em 1969. Burroughs ficou com o manuscrito, e quando nomeou Grauerholz seu executante testamentário pediu para que se cumprisse a vontade de Carr: que o livro só fosse publicado depois da morte do jornalista.

O que mais incomodava Carr não era, segundo Grauerholz, o facto de ter morto o seu companheiro e tutor, mas as alusões à sua homossexualidade. "Não é que Lucien Carr fosse homofóbico. Mas tinha construído uma vida depois daquele crime distante dos excessos desses dias. Tinha uma profissão, tinha casado duas vezes, tinha três filhos e era nesses papéis que queria ser conhecido."

Grauerholz regressa agora a um passado que não foi o dele, ao início da década de 40, quando Carr e Dave Kammerer eram inseparáveis. A história da relação de Lucian e Dave E. Kammerer vem sintetizada no posfácio de e os hipopótamos cozeram nos seus tanques pelo próprio Grauerholz. Está no livro com os protagonistas a terem outros nomes.

"Para quem acaba de chegar, eis os factos básicos: a relação entre Lucien Carr IV e David Kammerer começou em St. Louis, Missuri, em 1936, quando Lucien tinha 11 e Dave 25 anos. Oito anos, cinco estados, quatro escolas secundárias e duas faculdades mais tarde, a relação havia-se tornado demasiado intensa." O desenlace é o que se sabe ou se lerá, ou ainda se pode ver no filme Kill your Darlings, de John Krokidas, com Daniel Radcliffe, Ben Foster, Michael C. Hall. O filme tem estreia marcada para estes dias na América. "O guião é óptimo, alguns actores consultaram-me para construir as personagens. Estou curioso."

Feito o parêntesis, volta ao incómodo: "O William disse-me que estava certo de que eles nunca tinham tido nenhum contacto sexual. William conheceu Lucien era ele adolescente. Todos andavam pela Village. Dizia-me que ele tinha um intelecto precoce e Kammerer via nele um adorável protegé." Exemplo? Burroughs. Viu sempre nele um amigo leal logo desde o início. "Wiliam tinha emprestado o carro a Lucien para ele ir a St. Louis. Ele era de lá. A meio da viagem, houve um acidente. Lucien telefonou a William: "O teu carro está desfeito na estrada". Como resposta teve: "Ok, obrigada por me contares". Naquele dia impressionaram-se um ao outro e nunca mais deixaram de se respeitar.

Até ao fim. Burroughs morreu em 1997. Lucien Carr em 2005, vítima de cancro e quase desconhecido para o mundo. Cultivava a imagem do velho jornalista americano, "cínico, que bebia e fumava muito". Grauerholz sublinha o lado trágico da história de Carr. "Sim, era um Rimbaud. Os outros viveram a glória". Aquele que era "o mais inquieto" do grupo de rapazes, "uma força da natureza", "caleidoscópico" nos seus entusiasmos, o "talismã" do grupo que tinha em Kerouac o mais tranquilo, em Ginsberg a curiosidade, e o punchline em Burroughs "pagou um preço". "No fim da vida, se lhe perguntassem como queria ser lembrado, julgo que como um grande jornalista", arrisca James W. Grauerholz. Como era ele, afinal? "Não há um Lucien Carr. Há uma figura ambígua. É um exemplo de como alguém pode sobreviver à infância. Ele conseguiu uma segunda vida e viveu-a. É mau que depois de ter resgatado a sua vida ao caos, tenha sido um jornalista não muito conhecido e a infelicidade de ser apenas lembrado como o jovem que cometeu um crime... Mas, isto é a América. É a vida. Como eles eram? Está tudo em On The Road (1957)."



"Versos de um Crime" destaca o homem por trás da geração beat

11 jun. / 2014 - Certa vez, o poeta Allen Ginsberg disse que “Lou was the glue”, referindo-se a Lucien Carr, o tal “cola” dos escritores e poetas da geração beat. É justamente sob os olhos do autor de Uivo que o público de Versos de um Crime (2013) irá conhecer o responsável por apresentá-lo ao jovem William S. Burroughs, futuro autor de Almoço Nu, e levar ambos a conhecerem o promissor Jack Kerouac, antes do icônico romance Na Estrada.
O longa-metragem de estreia de John Krokidas na direção é uma espécie de “prequel” do movimento literário que desencadearia o fenômeno da contracultura entre meados da década de 1950 e início dos anos 1960. Isso porque o foco da produção são os tempos em que Lucien Carr (Dane DeHaan) e seus três amigos frequentavam a Universidade de Columbia, em 1944, encontrando uns nos outros a mesma ânsia por liberdade. Já naquela época, eles defendiam não só uma escrita mais livre – vide a cena em que Allen Ginsberg (Daniel Radcliffe, o ex- Harry Potter) discute com seu professor sobre a ditadura das rimas na poesia –, mas a transgressão de todas as regras impostas pela sociedade austera daquele período.
Ginsberg, que saiu da rotina caseira e tumultuada que compartilhava com o pai Louis (David Cross, que havia interpretado o próprio Allen em Não Estou Lá, de 2007), também poeta, e a mãe com problemas mentais, Naomi (Jennifer Jason Leigh), encanta-se com a nova vida apresentada a ele pelo carismático Lucien. O colega de faculdade lhe mostra, por exemplo, a poesia de W. B. Yeats, especialmente com suas ideias cíclicas de “Uma Visão”, que serviria de inspiração para o quarteto de amigos criarem o manifesto Nova Visão, base do movimento beat.
Junto com o contido e junkie Burroughs (Ben Foster) e o expansivo e beberrão Kerouac (Jack Huston), Carr também o introduz na filosofia de sexo, drogas e... jazz. Lembre-se que este era o gênero musical mais revolucionário da época e o rock ’n’ roll ainda não existia. Porém, isso não impediu a seleção de canções de bandas de rock recentes, como Dane DeHaan, Bloc Party e The Libertiines, na trilha sonora do filme, em uma liberdade artística interessante de Krokidas, mas que soa incompleta.
O diretor, que assina o roteiro com o iniciante Austin Bunn, falha ao não desenvolver mais as figuras de Burroughs e Kerouac, limitando-os a estereótipos. Consequentemente, a onipresente – especialmente nos lançamentos dos últimos meses – Elizabeth Olsen faz quase uma ponta no longa como Edie Parker, a então namorada de Jack. O retrato dos outros dois beats oferece ao menos mais nuances aos seus intérpretes, favorecidos pelos primeiros planos da fotografia de Reed Morano.
Se Ginsberg remete, logo de início, o espectador ao passado de seu intérprete como Harry Potter por causa do figurino e dos óculos, Daniel Radcliffe consegue afastar o fantasma do bruxo de Hogwarts no decorrer do filme como o jovem que descobre o mundo e a si próprio; enquanto Dane DeHaan rouba a cena com a complexidade que imprime ao dúbio Carr, ardiloso,
frágil e cativante ao mesmo tempo.
Apesar das irregularidades, Krokidas faz uma corajosa homenagem ao trabalho desses escritores ao tentar contaminar sua obra com a liberdade poética beat. Isso começa com o fato de que a relação e as ideias deles se sobrepõem ao próprio
argumento do longa, que é a primeira tragédia que marcou essa geração – a segunda foi o assassinato acidental de Joan Vollmer Burroughs, esposa de William, morta com o tiro do próprio marido, como mostrado em Beat (2000). A delicada relação entre Carr e seu guardião e companheiro, David Kammerer (Michael C. Hall), um homem mais velho que o
ajuda e persegue há anos, que fica mais abalada com a aproximação de Allen e Lucien, é apresentada de modo circular, mais para referenciar algumas de suas influências do que um mero recurso narrativo.
Deste modo, tudo é utilizado com o intuito de aprofundar e homenagear o poeta e os romancistas: desde o inteligente grafismo com as linhas do metrô junto ao som do trem, que destaca os principais locais que eles frequentavam, até as sequências de edição rápida, que emanam o espírito livre dos artistas. O melhor exemplo é aquela na qual é feita uma ode ao processo criativo
da escrita, embalada ao som de jazz e do efeito de entorpecentes, atalhos que eles não temiam percorrer.
Mas, para além dessa busca pelo passado da geração beat, Versos de um Crime leva, inevitavelmente, o espectador a refletir nas escolhas e ações que determinam o rumo da vida de uma pessoa. O homem que era o mais louco do quarteto transgressor, Carr, preferiu a vida simples de jornalista que começou após os desdobramentos da tragédia de 1944, e que continuou até a sua
morte, em 2005. É certo que ele nunca escreveu algo nos moldes dos beats e, mesmo mantendo contato com eles, impediu que o citassem em seus livros, até em dedicatórias, a fim de evitar a lembrança do que ocorreu.
Mas, ao ver as fotos dos quatro amigos juntos nos créditos finais, é difícil não pensar que Lucien Carr, que participou da gênese do movimento, não teve obteve a mesma fama dos colegas. Talvez esse filme não lhe dê a honra de marcar seu nome na história, mas não o deixará passar despercebido.

(Por Nayara Reynaud, do Cineweb
)
* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb

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CINEMA   

Allen Ginsberg é o mote de lançamento

Em “Versos de um Crime”, estudante de literatura interpretado pelo Harry Potter é a grande atração

Milene Spinelli
Da Folhapress

São Paulo -- Juventude, literatura, loucura, descoberta da sexualidade, relações familiares e de amizade. Tudo junto e misturado é o que apresenta o longa-metragem Versos de um Crime, dirigido por John Krokidas, já em cartaz nos cinemas. A trama se passa na década de 1940 e é protagonizada por Daniel Radcliffe (o bruxinho Harry Potter, já crescido).

Ele encarna o jovem e obediente Allen Ginsberg, que, incentivado por seu pai, Louis (David Cross), um poeta proletário, e movido por seu sonho de se tornar escritor, sai de casa na pacata cidade de Patterson, em Nova Jersey.

Para isso, Allen também precisa deixar a mãe, Naomi (Jennifer Jason Leigh), que sofre de transtornos psiquiátricos, para ir à Universidade de Columbia, em Nova York, estudar literatura.

A mudança lhe mostra um mundo novo, repleto de realidades antes não conhecidas por ele. O tradicional Allen passa a questionar o modelo nada inovador de poesia ensinado por seus professores.

É quando ele conhece Lucien Carr (Dane DeHaan), um rapaz libertário e provocador, que transforma sua vida, seus valores e seus sentimentos.

Entre um verso e outro, o novo amigo o insere no universo da contracultura e no movimento beat dos intelectuais da esquerda. E também no mundo das festas, da passionalidade, da sexualidade e dos crimes.

 

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