Brando antecipou James Dean
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Brando antecipou James Dean
(Edgar Morin)
Não foi por acaso que James Dean pôde tornar-se exemplar nesses anos da metade do século. Às intensas participações na guerra e na resistência, às imensas esperanças levantadas em 1944-46, sucederam-se não só os recessos individualistas, mas também um niilismo generalizado, que representa um questionamento radical das ideologias e dos valores oficialmente propostos, tanto no universo capitalista quanto no stalinista. A mentira ideológica em que vivem essas sociedades, que se pretendem harmoniosas e felizes, acaba provocando esse niilismo ou esse romantismo, para o qual a adolescência foge e, simultaneamente, encontra a realidade da vida.
É aqui que, no mundo burguês ocidental, a aventura, o risco e a morte intervêm no estardalhaço de uma moto ou de um automóvel de corrida. Já os motociclistas de O Selvagem, de Laslo Benedek, desenhavam, de forma simultaneamente amarga e terna, a imagem do adolescente motoqueiro: Marlon Brando, arcanjo barulhento, anunciava, como um São João Batista imaginário, milhares de adolescentes reais que só podiam exprimir seu furor de rebeldes sem causa através do ronco motorizado. A velocidade motorizada, portanto, é uma resposta à necessidade de risco e de afirmação pessoal na vida cotidiana. Contudo, Dean não retorna ao mito das estrelas. Pelo contrário, abre uma nova etapa: a da autodestruição do mito hollywoodiano da estrela de cinema. Sua morte não nos remete à grande, irreal e melodramática epopeia do velho cinema; ela nos introduz no problema de viver.
É o querer viver de James Dean que constitui um problema, fazendo surgir um novo grande tema, que vai substituir a mitologia da felicidade: a problematização da felicidade. Assim como Marlon Brando em O Selvagem e Sindicato de Ladrões, James Dean inaugura um novo tipo de estrela de cinema: o herói perdido, o herói atormentado, o herói problemático e até mesmo o herói neurótico. Não é um mal exterior que o ameaça, não é um inimigo irreconhecível, um traidor, um vilão. O mal está no interior, na contradição vivida, na impotência, na aspiração, na busca errante.
* Trecho do livro As estrelas do cinema, do sociólogo francês Edgar Morin. Editora José Olympio. Dez./1989.
** Texto originalmente publicado em LEIA, novembro de 1989.