JORGE MAUTNER LEVA AO PALCO SUA 'VÊNUS CASTIGADORA'

JORGE MAUTNER LEVA AO PALCO SUA 'VÊNUS CASTIGADORA' 
VALMIR SANTOS da Folha de S.Paulo


19 jun. / 2001 - A sina visionária de Jorge Mautner, 60, finalmente chega ao palco. Mais conhecido pela carreira de compositor e cantor (é dele "Maracatu Atômico", gravado por Gil, por Chico Science & Nação Zumbi, e "Vampiro", por Caetano, para citar duas canções), pela primeira vez uma peça sua ganha montagem no teatro.

Vênus Castigadora do Amazonas estreia na próxima sexta-feira, no Centro Cultural São Paulo. É o segundo texto de Mautner para teatro. O primeiro, A Brisa da Doçura e o Ser da Tempestade (1992), lido na Folha há três anos, nunca foi encenado.

Na definição de Mautner, Vênus é uma "comédia existencialista do absurdo", na qual uma mulher (Majeca Angelucci) e um robô (Cláudio Carneiro) são os únicos sobreviventes de um holocausto nuclear.

"Nesta fábula filosófica sentimental do absurdo, a Vênus e seu robô se vêem sozinhos na floresta amazônica, após o holocausto. A mulher sobreviveu graças a uma fortaleza construída pelo marido, um sheik árabe, que usou o robô para erguer o bunker e este, agora, demasiado humano, é convertido em servo, companheiro, amante", afirma Mautner.

Os dois personagens travam diálogos existenciais, discutem sobre sexo, poesia.

"Como se fossem vários sons ecoando dentro de um cérebro, tal poeta pagão ou ateu-científico-experimentalista, esses personagens serão tragados pelo buraco negro", diz o autor. "No final, ecoará a voz do Deus desconhecido e de seu filho Jesus de Nazaré".

Tal eco ressoará em forma de música, na composição "Jesus de Nazaré", autoria de Mautner, em novo arranjo do parceiro Nelson Jacobina.

A perspectiva cristã, diz, que vai pontuar outras variantes da carreira (cinema, prosa, poesia), não encerra dogma religioso, "está acima de qualquer ortodoxia evangélica, católica, anabatista, judia, enfim, pode até ser entendida como o cristianismo dos ateus", continua Mautner.

Sua intenção é apontar uma saída humanista ou "o arquétipo da fantasia humanista, a brasilidade, o socialismo, a consciência ecológica, até desaguar em Jesus de Nazaré", diz explicando o símbolo.

O teatro do absurdo não entra por acaso. O movimento surgido na França nos anos 50, capitaneado pelo romeno Eugène Ionesco (O Rinoceronte) e pelo irlandês Samuel Beckett (Esperando Godot), com seus personagens bizarros, que se comportam sem motivação em tramas absurdas (ou inexistentes), exerceu influência sobre Mautner.

Aliar-se ao absurdo existencialista não significa, observa, postergar a esperança. "Nesse sentido, estou mais próximo de Pirandello em "Seis Personagens à Procura de um Autor", com seu surrealismo mais real", afirma.

Mautner entrega a direção de Vênus Castigadora do Amazonas a Gustavo Machado, ator que dá os primeiros passos como dramaturgo.
O projeto é encabeçado pela atriz Majeca Angelucci, que integrou a leitura dramática da primeira peça do compositor e agora tem a chance de protagonizar a segunda.

"Ela adora interpretar papéis nos quais a morbidez romântica alcança os píncaros do terror expressionista absurdo", afirma Mautner, em tom algo apocalíptico, condizente com o movimento do Kaos que idealizou em 1956.

Segundo ele, trata-se do contrário do caos com "c", a desordem propriamente, urbana, pessoal, coletiva, e carrega mais afinidade com "mitologias e cosmogonias pré-filosóficas, vazio obscuro e ilimitado que precede e propicia a geração do mundo".

O movimento atraiu, nos anos 60 e 70, a cumplicidade de diferentes personalidades da época, invariavelmente adeptos da contracultura, como os escritores Roberto Piva, José Agrippino de Paula e Cláudio Willer, o crítico de arte Nelson Aguilar, o físico Mário Schenberg e o dramaturgo Mauro Rasi, hoje versado na comédia.

Além de Rasi, Mautner conviveu com outros artistas da seara teatral, como Ruth Escobar, Antunes Filho e José Celso Martinez Corrêa -aliás, o gestual com as mãos, a contracenar com o verbo, é um ponto comum com o diretor do grupo Oficina.

Filho de judeu vienense, o carioca, que foi criado ouvindo as recitações do "Fausto", de Goethe, pelo pai, e guarda na memória da infância a babá mãe-de-santo de candomblé (dormia no colo dela ao som de atabaque), recorre a Baudelaire para mais um exercício de auto-retrato: "O poeta é aquele que fica morando no reino da infância".

Daí o mesmo frio na barriga por conta da estreia da primeira peça, daí o apadrinhamento da juventude nem sempre transviada do Musikaos, na TV Cultura. Sina.

 

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