Robert Crumb fala sobre suas ilustrações para capas de discos (2011)

Robert Crumb fala sobre livro com suas ilustrações para capas de discos
Em entrevista exclusiva, o recluso quadrinista diz que o punk é um estilo vazio e revela que vive num casamento infiel

por: André Miranda ´O GLOBO

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 Robert Crumb só escuta os compactos de sua coleção sozinho, em casa, sem fazer nenhuma outra atividade
AFP

15 nov. / 2011 - RIO - Lançado em 1968, o disco "Cheap thrills", da Big Brother and the Holding Company, ficou famoso por trazer Janis Joplin soltando o vozeirão em hinos como Summertime e Piece of my heart. Mas a figura que vem à mente dos fãs quando se pensa no disco não é a de Janis soltando seus agudos. A imagem lembrada é sempre a da capa, dividida em quadrinhos que interpretavam cada uma das canções de "Cheap thrills". Tratava-se da primeira ilustração feita por Robert Crumb para um disco. Dali em diante, Crumb, um dos maiores quadrinistas da história, ícone da contracultura e notável admirador de músicas velhas, fez outras centenas delas. Agora, mais de 400 desses trabalhos estão reunidos no livro "R. Crumb: the complete record cover collection", que acaba de ser lançado nos EUA. Em entrevista ao GLOBO, por telefone, Crumb falou da compilação, divagou sobre o amor, assumiu sua infidelidade, enalteceu o Occupy Wall Street e atacou o punk. Enfim, foi o Robert Crumb de sempre.
 
Todos sabem que o senhor é um grande fã de música, sobretudo do início do século XX. Qual é o seu sentimento ao transformar o som de um disco em uma imagem?

ROBERT CRUMB: No caso da capa que fiz para a Janis Joplin, eles me deram os títulos das músicas e eu desenhei sem nem ouvir o disco. Para falar a verdade, eu nem era interessado na banda, apenas criei uma capa com base naquelas músicas. Mas, depois, passei a fazer apenas capas de discos de cujas músicas eu gostava, sobretudo músicas de um estilo antigo, romântico. A imagem vem à cabeça por inspiração nessas músicas.

O senhor então não aceita encomendas para capas de discos que não lhe agradam?

Não, não preciso mais de dinheiro. O que já aconteceu é eu ter feito muitas capas em troca de velhos compactos de 78 rotações para minha coleção. Faço também para bandas contemporâneas que tocam músicas velhas que admiro, e ainda as capas dos discos dos quais eu participo como músico, como a Cheap Suit Serenaders, a Les Primitifs du Futur e a Eden and John’s East River String Band.

Quantos compactos tem hoje?

Tenho algo em torno de 6.500 compactos. Tenho prateleiras no meu estúdio com todos eles.

O senhor escuta música enquanto desenha?

Não, não consigo. Para mim, ouvir música é um ritual. Você coloca o disco na vitrola, escuta a música, depois se levanta, tira o compacto e aí decide se quer ouvir outro. A cada música, é necessário um esforço físico. Gosto disso, gosto de ouvir música focado nela. Fecho meus olhos e escuto com bastante profundidade. E acho que é por isso que sou cada vez mais seletivo com que escuto e não fico ouvindo música ambiente enquanto faço outras atividades.

Hoje, há uma espécie de culto a esse tipo de música antiga que o senhor tanto admira, como o swing e o jazz do início do século XX. A que o senhor atribui esse apreço dos mais jovens?

É difícil dizer. O que sei é que muita coisa está na internet hoje, e por isso muitos jovens estão se interessando em ouvir músicas antigas. Nos EUA, há uma erupção de bandas formadas por adolescentes tocando músicas dos anos 1920. Obviamente, eles ouvem o estilo a partir dos compactos de 78 rotações ou fazendo downloads, já que há um número pequeno de CDs do gênero. A questão é que, no mundo moderno, se você é adolescente e quer ouvir música, quais são suas opções? Punk? Disco? Techno? Rap? Todas essas coisas, para mim, são musicalmente bastante sinistras. O punk pode ser útil como uma forma de se rebelar contra a sociedade burguesa, mas musicalmente é vazio, não tem a densidade que a antiga música tradicional tem.

Mas o que essa música tradicional pode ter de tão especial?

Veja, as pessoas redescobrem essa música de geração para geração. É como voltar ao tempo em que as pessoas comuns tinham o direito de gravar suas músicas. O que aconteceu nos anos seguintes foi que a música foi se tornando mais comercial, e isso afetou a maneira com que os artistas tocam e também com que os fãs escutam suas canções. Muita gente desistiu de tocar, porque a regra passou a ser ligar o rádio e escutar o que estivesse tocando. Bons músicos se perderam por causa de um complexo de que nunca conseguiriam cantar tão bem quanto aquelas pessoas no rádio. As pessoas se afastaram da música verdadeira assim. A música deixou de ser feita por pessoas comuns. Além disso, as sociedades foram passando por uma necessidade de sofisticação urbana. Isso fez com que um filho se envergonhasse com a possibilidade de ouvir a mesma música de seu pai. É uma expressão de rebeldia, que tem muito a ver com o surgimento do rock’n’roll. Está tudo bem se isso for divertido, mas essa atitude envelhece depois de um tempo. Essa música não dura até você fazer 40 ou 50 anos.


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“Eu tenho um relacionamento com outra mulher que vejo algumas vezes por ano. Aline não gosta, mas ela aceita

 O senhor tem um iPod ou algum outro MP3 player?

Não. Eu não quero escutar música num headphone. Não quero levar a música comigo quando viajo. Estou plenamente satisfeito em ouvir a música que amo sozinho no meu estúdio, podendo prestar completa atenção naquilo. E também tenho essa compulsão de colecionador, essa coisa maluca de querer comprar compactos de 78 rotações. Aliás, é muito difícil achar compactos brasileiros antigos, das décadas de 1920 e 1930, de artistas como Luperce Miranda e Pixinguinha. Alguns amigos no Brasil já procuraram para mim e não conseguiram. Queria ter compactos de maxixe, que é um samba antigo, ou de choro. Eu me lembro que, quando fui a Paraty (na Flip de 2010), ouvi uma banda tocando choro na rua. Eu queria ter passado a noite toda ouvindo aquela música, mas me levaram para outro lugar.

O que mais o senhor se recorda da sua participação na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), em 2010?

Fiquei impressionado como havia muitos jovens agradáveis lá. Isso foi bom. Mas, ao mesmo tempo, eles colocaram uns caras imensos com ternos pretos em todo o lugar, para fazer segurança. Houve algumas vezes em que eu estava no meio da multidão, e aqueles guarda-costas empurravam as pessoas de forma violenta. Isso foi estranho.

O senhor viveu na Califórnia nos anos 1960, uma época em que as pessoas iam às ruas para protestar. Isso, porém, acabou se perdendo nas décadas seguintes. Só que, há dois meses, vemos um movimento como o Occupy Wall Street, um protesto contra as corporações financeiras dos EUA. Como o senhor avalia o que tem ocorrido em Nova York?

É fabuloso. As pessoas têm poder, quase nada pode tocá-las, elas governam o mundo. São mais poderosas do que jamais foram. Espero que o Occupy Wall Street tenha algum efeito e faça com que os políticos se movimentem para evitar que uma elite capitalista acumule tanta riqueza. É uma riqueza mantida por meio de seus relações públicas e da máquina gigante de propaganda que eles têm. Centenas de milhares de pessoas trabalham para a máquina publicitária dessa elite. Elas trabalham noite e dia para evitar que qualquer crítica atinja essa gente. É muito difícil se rebelar contra eles.

Esse tipo de movimento pode inspirar o senhor de alguma forma em seus trabalhos? O senhor está preparando algum novo livro?

Na verdade, no momento estou fazendo uma tira de quadrinhos com minha mulher, Aline (Kominsky-Crumb, autora de livros como "Essa bunch é um amor", recém-lançado no Brasil pela editora Conrad). Nós fazemos tiras de uma página inteira para uma revista francesa. Aliás, minha agente está negociando com uma revista brasileira a publicação da tira. É uma revista que começa com a letra "p", como é mesmo o nome?

"Piauí"?

Isso, exatamente. Eles já publicaram umas coisas minhas antes, e sua reprodução foi bastante boa.

Como é criar em parceria com sua mulher? A vida de casado pode atrapalhar ou influenciar de alguma maneira a criação em dupla?

É uma situação engraçada. Eu não sei como conseguimos fazer isso. É um milagre que funcione (risos).

Há quanto tempo o senhor é casado com Aline?

Desde 1978. É um longo tempo. É claro que tivemos altos e baixos. Mas tem uma coisa que ajuda. Nós dois fomos infiéis nesse tempo, com alguns relacionamentos fora do casamento. Eu ainda tenho um relacionamento com outra mulher que vejo algumas vezes por ano. Aline não gosta, mas ela aceita.

Isso é sério?

É, sim. Ela também tem um relacionamento de 15 anos com um cara francês que mora na nossa cidade.

Vocês são amigos?

Não, mas o vejo algumas vezes na rua. Não sou ciumento. Nós dois somos humanos, e não acreditamos na fidelidade absoluta. E também não queremos mentir um para o outro sobre isso. As pessoas mentem umas para as outras, elas perdem tempo e energia traindo e mentindo. Eu falei para a Aline logo que nós começamos a nos envolver que gostaria de viver com ela, mas não daria para ser fiel. Eu não consigo. Ela aceitou. Então, hoje eu tenho um relacionamento longo com uma outra mulher que vive nos EUA. Uma vez por ano, nós passamos umas semanas juntos.

Mas e o amor? O amor não pode levar à fidelidade?

Eu nem sei mais o que amor significa. Eu amo minha filha, amo meu neto. Mas você deve definir o amor como um tipo de sentimento egoísta por outra pessoa? Há egoísmo no amor. Só que não quero que minhas relações com mulheres sejam baseadas em egoísmo.

 

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