Rogério Duarte e Rogério Caos são a mesma pessoa

A contribuição milionária dos próprios erros
(Mário Pazcheco)

 

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• A Contribuição Milionária dos Próprios Erros
Parafraseando Oswald de Andrade, o sucesso pessoal depende da perceptível contribuição milionária dos erros praticados.

 

“Inventaria-te antes que os outros te transformem num mal-entendido.” (Rogério Duarte)
“Rogério tem arte até no nome!” (Edvar Ribeiro)
“Acompanho com reverência a sucessão de tempestades que tem sido sua vida literária oculta, de romantismo incrivelmente profundo.”
(Caetano Veloso, no prefácio de A Divina Canção do Mestre)

 

por: Mário Pazcheco
Desde 1991, ano da edição do meu Balada do Louco, por desinformação, não citei Lanny Gordin e Rogério Duarte, mas a minha redenção ocorreu quando conheci este último!
Em maio de 1999, lendo uma matéria de capa do segundo caderno do Jornal Correio Brazili­ense, telefonei ao jornalista Rogério Menezes e pedi o número do telefone de Rogé­rio Duarte.
De julho a outubro de 1999, rodamos o documentário Tropicaos, um vídeo-depoimento-apresentação com Rogério Duarte que aguarda a verba Do Próprio Bol$o.
Em 2000 fizemos a gravação ao vivoda apresentação para a trilha do documentário – Rogério Duarte vestia um terno italiano, e suportou o calor do meio-dia impecavelmente, tocando oseu violão espanhol, com as janelas e portas fechadas – para que o som brega exte­rior não se sobrepusesse.
Como em inúmeras oportunidades, João Alves, o Pedreiro, foi recrutado para ser o auxiliar e segurança – neste sábado, eu vivia o ápice da crise de grilagem da minha terrinha... e enquanto o mestre dedilhava... João dormiu...
Paulinho conduziu o carro, testemunhou e documentou anossa ida a sua chácara em Águas Lindas.
Na minha ânsia por informações, Rogério Duarte (a exemplo de Paulo Iolovitch) também perdia a paciência e me passava pitos homéricos... Essa era a minha maneira de pedir a “saideira” na estrada íngreme, movimentada e perigosa, nas encostas do Reservatório de Água Natural da Barragem que ligava a sua chácara.
Durante anos, um bloqueio ou uma promessa não me permitiram escrever a mínima linha sobre Rogério Duarte. Seus óculos de grau foram esquecidos no soalho do meu carro, e nunca devolvidos: – Fiquem como recordação!
Com a ponta do dedo umedecida de saliva, Rogério Duarte recuperava cartazes e quadros quando diretor do MAB. Na visita presidencial, um empecilho, ou a colaboração dos mil erros, o transformou em amigo de Violeta Chamorro. Com a expressão de pulga atrás da orelha, Roriz olhou para Rogério Duarte e perguntou quem foi a colunável que assinou o Livro de Personalidades na primeira linha, antes de Violeta Chamorro. Rogério Duarte, que habla o espanhol, explicou a gafe a Violeta Chamorro, que o convidou a acompanhá-la nos dias restantes de sua estadia.

 

– Vamos subir, man!
– Agora não, Mick.        

 

No saguão do hotel, o inglês Mick o chamava para uma célebre fumarada. E Rogério Du­arte se despediu do líder dos Rolling Stones, declinando do convite.
O Itamarati através de seu Departamento Cultural e de Informações (Divisão de Difusão Cultural) concedia bolsas de viagem, e Rogério Duarte renunciou à bolsa que o levaria em companhia de Hélio Oiticica para a Inglaterra.
Como Torquato Neto, Hélio Oiticica foi um grande amigo de Rogério Duarte. Quando da morte de Hélio Oiticica,Rogério Duarte perdeu asua coleção de livros de artes que lheemprestara, pois eles foram tombados como pertencendo ao espólio de Hélio Oiticica. Rogérioabdicou dos livros.
Quando falávamos de Zé do Caixão, Tom Zé e Agrippino de Paula, Rogério Duarte se mos­trava preocupado e saudoso e feliz por alguns desses amigos estarem trabalhando e ‘fa­zendo sucesso’.
Do plano de montar o museu na sua fazenda no interior da Bahia, Rogério já contatou os familiares e eles concordaram em devolver/doar os trabalhos de sua autoria que estavam com eles. Rogério Duarte tem o nome do grande comprador de seus quadros e pretende entrar em con­tato com ele para um possível comodato das suas obras.
A lição mais importante: a sua rebeldia extinguiu-se com a morte do pai.
Falando sobre Glauber Rocha com Rogério Duarte, ele captouque eu nunca havia conver­sado anteriormente com alguémque conhecera pessoalmente Glauber Rocha, e me encorajou a seguir colhendo depoimentos importantes.
No ano de 1978, Rogério Duarte se tornara rajneshiano, adepto do Visva Dharma. Glauber Rocha logo ao saber convocou os amigos dizendo que Rogério é muito importante e que não podemos perdê-lo para este truste, e traçaram o plano de um sequestro... que nunca aconteceu.
Em 1980, a cena final, Glauber Rocha e Rogério Duarte chegam juntos, no mesmo carro, enquanto dona Lúcia vem em outro. Despedem-se no Aeroporto de Salvador, Glauber tira um tufo de dinheiro do bolso e entrega a Rogério,que recusa, e Glauber o vence/convence: – É pra edição do seu livro Musicor.
Vinte anos depois, eu organizava os arquivos de Rogério Duarte em Águas Lindas e vi os originais do ainda inédito Musicorr, ao lado de slides, fotos, capas de livros, cartas, partitu­ras. Esse material está em preparação para ser editado.
Rogério de saco cheio da UnB e com uma nova atração feminina se mandou pra Bahia, e ficou de ligar...
Fui vítima de um dos inúmeros lapsos de Rogério Duarte; lapsos que eu presenciei quando algumas pessoas o procuravam pelo nome – Rogério! E ele perguntava: – Quem é você mesmo?
Quando da dedicatória no livro, ele me perguntou– Qual o seu nome?

 

– Mário. – Mário Pazcheco!
Ele, – Como pude me esquecer! Você ainda está vivo? Os grileiros não te mataram?

 

A Editora Papagaio teve a coragem de publicar o penúltimo livro de Rogério Duarte, dubia­mente batizado de Tropicaos. Nele ajudado pelo pesquisador Narlan Matos, Rogério Duarte organizou o que restou de sua produção nos anos 60 e 70 – a maior parte dela, incluindo uma peça de teatro e um romance inéditos, foi destruída na época por ele próprio, com medo de retaliações da ditadura.
Uma das grandes felicidades de Rogério Duarte foi encontrar grande parte de sua obra preservada e guardada na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, que disponibilizou esses arquivos em CD-ROM para o artista.
Integram o livro Tropicaos o prefácio de Wally Salomão – um ensaio de 1965 acerca do desenho industrial no Brasil – e a crônica A Grande Porta do Medo, sobre os tempos de pri­são e tortura. “Esse relato foi a única coisa sobre meus problemas com a censura e a dita­dura que escapou na época.”  Rogério Duarte recorreu ao psicanalista Hélio Pellegrino (falecido em 1988) para esconder o texto por mais de dez anos. “No mais, são páginas de gemidos, aforismos e reflexões.” .

 

Na Era do Desbunde, o último poeta visionário do Tropicalismo falou de sua barba: “Depois que eu deixei crescer a barba, as coisas continuaram igualmente confusas, exceto pelo acrés­cimo dela, que se associa ao antigo caos e revela nova fúria”.
Quando vi na Folha de S. Paulo uma foto recente sua com a barba alva, imediatamente pen­sei em seus planos de longevidade, dedilhando o seu Ramirez.
A Contribuição Milionária dos Próprios Erros estava “perdido”, e precedeu ao Rogério Duarte por ele mesmo. Neste último texto, eu documentava meu recente encontro com o mestre. Houve outras oportunidades, como no show Tropicália Transcendental, e recente­mente alguns alunos da UnB me procuraram para angariar material e informações sobre Rogério Duarte, então objeto da pesquisa deles... De tudo que rolou, e da minha constante  prosa com Rogério Duarte, aprendi a ser forte e a dosar o gênio, em determinação, sem meescravi­zar, e a não dispensar os ensinamentos dos 1.000 erros diários.

 
(depoimento a Mário Pazcheco)

Amigos arcaicos: Rogério Duarte & Glauber Rocha

Mestres das adversidades. Rogério Duarte e Rogério Caos são a mesma pessoa, sendo o último um epíteto criado por Glauber Rocha. Um memorialista de primeira desordem insisten­temente acossado e incompreendido pela mídia, que sem pudores revela dados, nomes e situações auspiciosas conduzidas por Shiva.

Depoimento de Rogério Duarte
Não quero que a necrofilia atinja muito o Glauber como fizeram com o Raul. Já se falou demais sobre o Glauber, para mim ele é um tema de reflexão muito profundo. Eu gostaria de escrever sobre o Glauber. Depois que eu li o livro do João Carlos Teixeira Gomes, que é tão bonzinho, mas tão medíocre, porque ele não acompanhou o pique, foi um cara que sempre ficou na província, sempre teve cargos públicos, jornalista, professor, da Academia Bahiana de Letras, então ele não compreende, ele vê com os olhos do amigo, mas do amigo-parente, aquele primo querido, muito afeto, mas nenhuma comunhão, ou seja, ele não comungava da loucura do Glauber, do tempero, ou seja, ele via aquilo como os meus primos, por exemplo, aquele primo que diz: – Puxa, você tá louco! Aqueles caras bem-intencionados diante de um artista alucinado. (...)

A Cruz na Praça foi um documentário engraçado, eu vi uma cópia, uma única cópia. Saiu meio escura, passou no Cine Capri. Eu me lembro, estavam Dorival Caymmi, Jorge Amado, foi o único filme que eu trabalhei como assistente do Glauber. Era experimental, as coisas que Glauber fazia nos intermédios entre as grandes produções. Ele fazia ensaios, digamos, radicais, e esse seria um. O Luís Carlos Maciel, como ator; o Sólon Barreto, o Anató­lio Oliveira, é um filme interessante sobre o problema da repressão do homossexualismo. Tem umas coisas muito engraçadas. Engraçado, a gente trabalhava com dois quadronizadores, eu com um e ele com outro.

Essa teoria dele da montagem dialética, eu não era propriamente um assistente, Glauber dizia o seguinte: – Vou me ater à minha história.
– Você já leu. O que você achar que possa enriquecer pra gente incluir na montagem, a gente filma também. Então eu desenhava o que queria que filmasse também pra incorporar, e era filmado. Eu me lembro por exemplo de um cara passando com a bandeja cheia de carangue­jos, achei que aquilo tinha a ver com a história, então pedi pra fazer um plano daqueles caranguejos, e outros planos, que eram incorporados depois na montagem. Era um trabalho que Glauber era muito na coisa da espontaneidade. Ele dizia: – Vamos dialogar. Vamos brincar, como em outros trabalhos que a gente fez. Você filma o que quiser; eu filmo a minha história e depois na montagem a gente tenta juntar tudo... (...)

– Havia uma relação muito amorosa, ele era muito adulto, Glauber era muito complexo. Ele juntava, digamos, valores tradicionais. Ele não tinha muito do adolescente, inclusive era uma pessoa que ficou adulta muito cedo. Glauber casou muito jovem e se revelou como gênio muito jo­vem, e como jornalista, escritor, como uma pessoa responsável, como um empresário, inclu­sive, então ele não tinha conflito. O pai dele era uma pessoa que teve um acidente, inclusive não exercia mais aquela autoridade brutal como pai, então ele não tinha nada do conflito adolescente. A coisa dele era mais num plano social, no universal. Não tinha muito a coisa do pessoal, do lírico. O lirismo do Glauber era das massas, ele se interessava pelas questões do mundo e não pelos pequenos problemas individuais. Ele não tinha muito essa coisa pequeno-burguesa. A coisa dele era num salto mais universal, não era confessional, não era biográfico. A obra dele não tem muito de biografia, a não ser em Riverão Sussuarana. Glauber era daque­las pessoas que se identificavam com os arquétipos históricos. Não havia a preocupa­ção intimista nele, era uma pessoa fundida com o social. Nele o individual e o social se sintetizavam. A vida dele pessoal já era história, ele era uma figura pública desde o início. Ele não tinha o negócio do pequeno mundo, da vida privada.

– Glauber já era amigo de Ronaldo, meu irmão mais velho; o João Carlos Teixeira narra isso no livro. Glauber e eu temos uma diferença de um mês, porque, embora eu tenha nascido em 10 de abril, todos os meus documentos estão como se fosse 15, então Glauber é de 15 de março e eu sou de 15 de abril. Ele era um mês mais velho do que eu, mas era amigo do meu irmão mais velho, tanto assim que o Joca me atribui ter uma coisa de ser muito mais jovem, mas ele morava na rua ao lado da minha. Eu já era apaixonado pela irmã dele desde criança, ela era minha paixão infantil já, e eu já olhava ele na rua. A gente já se dialogava, mas era na época das Jogralescas em 1956/57. A gente se encontrou de forma definitiva e selamos uma amizade eterna, muito afetuosa. Eu era namorado da irmã dele, a pedido inclusive dele inicial­mente. Ele queria que eu namorasse a irmã dele.

– Não quero que a minha irmã namore playboy ou cafajeste. Quero que ela namore com intelec­tual.

– E a gente sempre foi muito camarada, muito amigo. Tem muitas passagens biográficas e brigas de rua. Na Bahia, uma vez, vinha com Glauber numa de suas viagens, ele de barba, e uma turma na rua começou a xingar de "Fidel Castro". Ele estava de barba, aquela coisa provinci­ana... e eu resolvi encarar os caras na mão. Levei tapas como o diabo. Teve muitos lances desse tipo, então a gente é amigo arcaico. A terra dele, Conquista, é perto da minha terra. É uma coisa muito radical, não tem início meu relacionamento com Glauber, como também não tem fim. Glauber, eu sonho às vezes dialogando com ele. Ele é tão vivo que a morte não teve a força suficiente para apagar em mim a memória de um Glauber vivo, assim como eu tenho a memória do meu pai.

São pessoas que estão além do tempo, além dessa dimensão linear do passado, presente, fu­turo. Ele é, e esse ser do Glauber pra mim de certa maneira transcende a sua existência física. A imagem do Glauber, eu olho uma foto do Glauber, eu vejo. Ele entende, ele existe como éthos, como imagem, a ideia Glauber é mais viva do que o corpo. 

 

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