ANDY WARHOL E A POP ART POR GUSTAVO BASTOS

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Andy Warhol e a Pop Art (parte - 1)

http://seculodiario.com.br/32678/17/andy-warhol-e-a-pop-art-parte-1

por Gustavo Bastos
filósofo e escritor
Blog: http://poesiaeconhecimento.blogspot.com

(Baseado no livro Andy Warhol de Klaus Honnef, editora Taschen)


ANDY WARHOL: A PRIMEIRA ESTRELA DA ARTE

5 fev. / 2017 - Warhol é um dos artistas que tiveram o status de lenda ainda em vida. Raras vezes se escreveu e bisbilhotou tanto sobre alguém, como sobre ele. Se reuníssemos as páginas dos manuscritos dedicados à sua vida e obra, seria algo de uma extensão grandiosa. E quando Warhol aparecia em público, poderia dar a impressão de não ser deste mundo. É difícil estabelecer a verdade sobre a vida de Andy Warhol, como ele se chamou a si próprio, a partir do momento em que foi morar em Nova Iorque. Sua vida se tornara divulgada e obscura ao mesmo tempo, pois existia a contradição entre verdade e mentira, tudo isso numa dissimulação de fatos biográficos, como um tipo de método do que vem à luz e do que fica na sombra.

Warhol se formou como desenhista publicitário, mas desde o princípio se via como um artista, e seguindo tal mística criou uma persona e um método de arte inteiramente novos que irritou, abalou e transformou o mundo da Arte. No entanto, de certo modo, o seu método de fazer arte poderia ser comparado, guardadas as proporções e as características de época, como um tipo de gestão muito bem associada ao que se fazia no Renascimento e no Barroco. Por outro lado, Warhol era tido como uma pessoa muito reservada e mostrava-se particularmente lacônico para com os jornalistas. No entanto, nenhum artista da sua época deixou tantos testemunhos como ele: além de um grande número de entrevistas e aforismos, deixou dois livros autobiográficos. Porém ninguém sabe exatamente quem de fato escreveu os livros: se o próprio Warhol ou um dos seus inúmeros “ghostwriters”.

Apesar de não ter faltado praticamente a nenhum acontecimento público ao seu alcance, e raramente deixar passar uma “party”, gostava de se fazer representar por sósias. Um dia, precisamente quando Warhol festejava com “The Chelsea Girls” os seus primeiros êxitos comerciais de cineasta, a fraude veio à luz do dia: depois de ter feito algumas conferências em diversos “colleges” americanos, Warhol, cansado deste trabalho, confiou-o a Allen Midgette, que se fez passar por ele. Warhol, então, escondia-se muitas vezes por detrás de óculos escuros e peruca branca, e mal tinha acabado de se instalar em Nova Iorque, pintara-a já os cabelos em tons de loiro-palha.

Andy Warhol tinha uma admiração forte pelas estrelas do cinema e dos meios literários americanos mais em voga. Porém, em sua época, esta era a qual as próprias “superstars”, agora ameaçadas pelas “megastars”, viriam para superar e eliminar as vedetes da época heroica do cinema americano, que gozavam de uma fama sem limites. “Ser célebre durante um quarto de hora”, eis o lema de Warhol, que concretiza bem a mentalidade de uma época, que privilegia o efêmero.

Andy Warhol encarnava, na perfeição, o novo tipo de estrela. Ele era criador e ao mesmo tempo realizador e ator, e legou ao mundo o artista-vedete que, no universo artístico, sucedeu ao gênio. Hábil nos negócios e patrão de uma oficina de 18 empregados (“the boys and the girls”), soube comercializar sua criatividade e sua própria pessoa. “Para Andy Warhol, que se intitulava a si próprio ‘business-artist’, com dinheiro é que a arte é bela!” (Eva Windmöller). E um amigo de longa data e também mecenas convicto, Henry Geldzahler, elogiava o fascinante “amálgama de negócios e de arte” por parte do artista.

Sem a estilização consciente da sua personalidade como estrela desligada da realidade, teria tido muito mais dificuldades nos negócios. Em todas as estrelas, de todos os estilos e proveniências, e como se brilhasse algo de divino, que é nada mais que o efeito da projeção dos admiradores. “No ser superior, mítico (a estrela), projeta-se toda uma série de necessidades e desejos que na vida não podem ser realizados”, escreve o sociólogo e cineasta Edgar Morin, que deste modo enuncia o pressuposto sociopsicológico mais importante para o culto das estrelas no século XX.

Ninguém melhor do que Andy Warhol, o artista, percebem este mecanismo do culto das estrelas, como bem o demonstra o comportamento característico que adotava em público. Simultaneamente presente e ausente, dava a impressão de uma aparição encarnada. Henry Geldzahler vê nesta forma de comportamento a razão determinante do êxito fabuloso de Warhol. “Graças ao seu aspecto de “dumb blond”, a opinião pública associou-o rapidamente ao movimento pop. Neste país e no nosso século, só muito raramente os artistas são reconhecidos pelo homem da rua: Pablo Picasso, Dalí, Jackson Pollock – a lista é pequena.” Também Marilyn Monroe, o modelo mais popular de Andy Warhol foi considerada “dumb blond”.

No entanto, e contrariamente ao seu retratista, Marilyn Monroe estava sempre mais presente, apesar de, na realidade, só muito poucas pessoas terem chegado a vê-la. A sua temporalidade materializava-se no écran e foi apenas através deste que a atriz Marilyn Monroe se tornou a deusa do sexo. Em contrapartida, a estrela Andy Warhol não precisava do écran de cinema; ela servia-se dos media “documentários”. O que o filme de ficção tinha sido para os deuses de Hollywood – a começar por Mary Pickford, a primeira estrela a merecer, de fato, este nome, até James Stewart, Ingrid Bergman, Elizabeth Taylor e Marilyn Monroe, passando por Charles Chaplin, Greta Garbo, Marlene Dietrich, Mae West, Bette Davis, Clark Gable e Humphrey Bogart – era para Andy Warhol a imprensa popular, que trabalhava a partir da verdade aparente.

Warhol se aproveitava de um fenômeno de sua época e ainda vigente hoje da passagem do real ao fictício, facilitada e até mesmo organizada, nos anos 1960, pelo triunfo da televisão. Pois com a televisão se batiam as fronteiras entre o real e o imaginário. A “máquina de ficção” que era a televisão, aparentemente um instrumento para documentar, demonstrava, pela primeira vez, o seu poder, o de criar uma nova realidade, embora ficcional, paradoxal.

Andy Warhol elegeu Marilyn Monroe para modelo da sua arte, já depois de ela já ter morrido, e a morte tinha selado a sua existência supraterrestre. Juntamente com Humphrey Bogart, Marilyn Monroe era sem dúvida a única estrela de cinema, cuja fama póstuma havia ultrapassado, de longe, a popularidade que tivera em vida. E Andy Warhol contribuiu, sem dúvida, para este fenômeno. É difícil dizer o que é que lhe despertou a atenção para a atriz mais “sexy” do cinema – naquela época, o trono da deusa do sexo estava ainda reservado a Rita Hayworth e só foi atribuído a Marilyn Monroe muito depois de sua morte.

AS ESCOLHAS ARTÍSTICAS DE ANDY WARHOL

Vista à luz dos nossos dias, a escolha a favor de Marilyn ilustra a perspicácia infalível de Warhol para os caprichos da moda do seu tempo. Certamente que o “sex appeal” excitante da atriz não foi fator determinante. Terá sido, porventura, a lenda que ela teceu à sua volta? O historiador de cinema, Enno Patalas, escreveu a propósito de Marilyn Monroe: “Ela talhou, por medida, uma lenda sobre a sua juventude, segunda a qual os pais lhe batiam com correias de couro, foi violada aos seis anos por um ‘amigo’ da família e, mais tarde, maltratada por pais adotivos sem coração – uma história que foi logo desmentida pela jornalista Ezra Goodman, mas que se ajustava tão bem à personagem, que, apesar de tudo, se gostava de acreditar nela.”

Elvis Presley e Elizabeth Taylor foram os outros ídolos a quem Andy Warhol dedicou inúmeras telas e séries de quadros, embora em menores proporções do que a Marilyn Monroe. Não obstante as diferenças, estas estrelas têm um ponto comum: personificam perfeitamente a história do sucesso à americana. Norma Jean Baker, aliás Marilyn Monroe, de criança explorada – a acreditar na sua lenda – a “sex symbol” adulado; Elvis Presley de camionista, que cantava por amadorismo, ao ídolo histericamente idolatrado por toda uma geração, e Elizabeth Taylor de boneca do cinema a uma das estrelas mundiais mais bem pagas de Hollywood.

Depois, todas estas vedetas estão rodeadas de uma aura de tragédia – Marilyn tentou desesperadamente, mas em vão, escapar ao clichê de “sex symbol”; Presley entrava com frequência em depressões e Liz Taylor tinha constantemente problemas de saúde. Não seria de admirar que Andy Warhol se tivesse identificado, pelo menos em parte, com estas estrelas. O culto do sucesso é o laço que une o povo dos Estados Unidos da América. Andy Warhol pretendia ser um dos seus pontífices.

De início, trabalha como desenhador profissional de publicidade, cria anúncios para revistas de moda, tais como “Glamour”, “Vogue” e “Harper`s Bazaar” e abrevia o nome para Andy Warhol. Muda várias vezes de apartamento e de atelier e procura arranjar amigos. O sucesso veio relativamente depressa. O sonho americano de uma ascensão irresistível concretizou-se mais rapidamente do que esperava.

Evidentemente que a maneira como concretizou esta ascensão, deu lugar a imensas anedotas. O crítico de arte, Calvin Tomkins, conta que Tina Fredericks, então “art-director” da “Glamour”, contribuiu grandemente para isso. Ela teria ficado entusiasmada com os desenhos de Warhol, mas não fez qualquer utilização deles. “Ela disse-lhe que os desenhos eram bons, mas que, naquele momento, a “Glamour” só precisava de desenhos de sapatos. No dia seguinte, Andy voltou com cinquenta desenhos de sapatos no seu saco de papel castanho (...) Jamais alguém tinha desenhado sapatos como Andy.”

Muitos veem nos desenhos dos sapatos um motivo que se repete nos seus trabalhos até o início dos anos 1960, o capítulo mais importante da fase comercial da sua obra, em certa medida, a época Warhol antes de Warhol. Tomkins elogia a sua sutileza, estilo Henri de Toulose-Lautrec, e admira o seu rigor empírico. “Cada fivela estava no lugar certo.” A série dos Golden Shoes, criações livres, dedicadas a estrelas do cinema, como, por exemplo, Mae West, Judy Garland, Zsa Zsa Gabor, Julie Andrews, James Dean e Elvis Presley, ou a escritores, como Truman Capote e ao travesti Christine Jorgensen, e que, em certa medida, personificavam estas celebridades, teve grande êxito. Em 1956, uma exposição na Madison Avenue apresentava o álbum dos Golden Shoes, e que era um terreno fértil para os magos da psicologia.

O rastro do artista Andy Warhol, queixava-se Rainer Croner, perde-se num emaranhado de anedotas e de histórias. Conscientemente, os críticos de Arte tinham rodeado a vida e a obra de Warhol de uma ligeira mistificação, burilado a sua personalidade de artista ao jeito da sociedade de consumo, a fim de banalizar aquilo que a sua arte tem de único. Mas, em muitos casos, é o próprio Andy Warhol a origem das anedotas e histórias que gravitam em torno da sua pessoa. Havia boas razões para isto, pois só a bisbilhotice, versão profana dos mitos antigos, cria uma estrela. “Ele nunca perdeu de vista o seu verdadeiro objetivo: ser um artista e, embora nunca o tenha dito, uma estrela” – este, o resumo de Henry Geldzahler, o amigo de longa data.

Andy Warhol atingia grande estima nos meios da publicidade e do luxo, no entanto, ele aspirava a ser reconhecido como artista, como “verdadeiro” artista. Portanto, Warhol escondia os seus trabalhos comerciais, quando esperava a visita de colecionadores de arte no seu estúdio, pois, mesmo na Nova Iorque dos anos 50, a arte comercial era ainda tomada como algo de mau gosto. O artista Warhol já conhecia tais visões dominantes, mas teve, mesmo depois de seu reconhecimento artístico, além do atelier para a arte propriamente dita, um outro para o trabalho publicitário comercial. E se este estúdio comercial se ocupava apenas da comercialização dos seus próprios produtos, isto é uma prova da inteligência superior de Warhol, o que demonstrava também a sua sensibilidade para os critérios de valor do meio artístico.

Warhol era um artista empírico e das coisas visíveis, o que seria fonte de sua batalha para ter êxito nos Estados Unidos dos anos 1950, que ainda eram marcados pelo domínio ainda inquestionável do Expressionismo Abstrato. Tal que era o culto da interioridade e do idealismo desenfreado, e que eram expressos nos quadros de pintores expressionistas abstratos como Jackson Pollock, Franz Kline, Clyfford Still, Mark Rothko e Barnett Newman, como uma refutação artística definitiva, até então, de qualquer fonte empírica e material como expressão ade arte.

Portanto, a luta de Warhol era a de que as influências artísticas, transmitidas pelos seus professores no College de Pittsburgo, e as que ele teve durante seus anos em Nova Iorque, a da arte dos Rubens e Courbets até à arte popular americana, passando pela caricatura, não tinham ainda dado a Warhol a sua concepção de arte. Por outro lado, os seus projetos para anúncios nas revistas em papel glacé do luxo e da moda alcançavam cada vez mais atenção e aceitação. Pois qualquer que fosse o objeto a ilustrar, seja shampoo, joias, baton ou perfume, Warhol tinha uma originalidade decorativa nos seus trabalhos.

Para os seus desenhos publicitários, por exemplo, Warhol tinha adotado uma técnica de reprodução direta: desenhava os projetos a lápis em papel hidrófugo, retocava os contornos a tinta-da-china e imprimia o conjunto, ainda úmido, sobre folhas de papel absorvente. Este processo, em princípio, baseado no processo do papel mata-borrão, era de fato tecnicamente primitivo, mas surtia efeito. As linhas que na imagem impressa não apareciam como traço contínuo, sendo por vezes interrompidas de forma mais esbatida, ou mais acentuada, tinham qualquer coisa de esboçado, de ligeiro, de flutuante. Graças a uma preparação minuciosa do modelo, a imagem obtida condensava-se num conjunto – embora ligeiramente deformado – de linhas e formas familiares, como que ligadas por pontos.

A seguir à impressão, Warhol, ou um dos assistentes que, bem cedo, se aglomeraram à sua volta, coloriam as superfícies interiores nas cores pastel, rosa pálido ou vivo, azul-claro, verde como gelado de pistácio, ou laranja, como a cor de um “parfait” de laranja. Warhol utilizou igualmente a técnica da “blotted line”, a linha manchada, para a produção de trabalhos “independentes”, como ilustrações de livros. E são tais folhas que o colocariam dentro dos círculos artísticos. James Fitzsimmons então escrevia na revista “Art Digest” que as impressões frágeis de Warhol lhe faziam lembrar Aubrey Beardsley, Henri de Toulouse-Lautrec, Charles Demuth, Balthus e Jean Cocteau; pois desprendia-se delas uma preciosidade e uma perversidade habilmente estudada que tinha uma espécie de expressão de arte que provocava sentimentos confusos e ambíguos.

A técnica da “blotted line” pode ser considerada como uma das fases essenciais da evolução artística de Andy Warhol. Pois, ao imprimir as linhas desenhadas a tinta-da-china, reproduzia o desenho original e desvalorizava a noção inconteste das vacas sagradas da História da Arte. Por outro lado, esta técnica invulgar e inusitada não está assim tão afastada dos processos de reprodução, geralmente aplicados na Arte, tais como temos na xilogravura, na gravura a talha-doce, e nas águas-fortes e litografia. No entanto, no contexto de arte no qual Andy Warhol ainda vivia, o postulado segundo o qual a unicidade é uma das condições necessárias (mas não a única) para que um trabalho seja considerado uma obra de arte, não foi abalado pelo processo do papel mata-borrão.

Warhol desferiu, por sua vez, um golpe mais subversivo no dogma do original, quando, apenas esporadicamente, interveio na elaboração das folhas referidas que, graças ao colorido e textos de acompanhamento, poderiam ser consideradas apenas quase-originais. Os desenhos, meio gravuras, meio originais, eram, afinal de contas, o produto de uma manufatura. E quando Andy Warhol tinha alguma reunião no “New York Times” ou em qualquer revista de moda, ele ia muitas vezes para casa carregado de sapatos, joias, frascos de perfume, roupas de malha e outras tralhas para fazer as respectivas ilustrações. Os desenhos eram depois decalcados noutro papel e, a seguir, passava-se à fase do “blotting”; obtinha-se então o desenho final de traço desigual, a característica linha interrompida (blotted line). Na Lexington Avenue, então, Warhol experimentou aquilo que mais tarde iria realizar, em grande estilo, na lendária “Factory”.

No entanto, nem o modo nem a técnica de trabalho eram extraordinários para um desenhador publicitário de sucesso. Os concorrentes que, como ele, lutavam por um lugar ao sol, procediam de igual modo. A transposição para a arte da divisão do trabalho da sociedade industrial e/ou pós-industrial, só poderia assustar mesmo os gurus de uma concepção idealista da Arte. O artista, promotor e adversário da indústria e da burocracia, que assume todas as fases da criação da sua obra, era produto de uma concepção esotérica originada do espírito idealista alemão que, por muito tempo, animou a arte americana, desde as paisagens monumentais do emigrante alemão Albert Bierstadt às erupções cósmicas de Jackson Pollock.

No Renascimento, para que um contrato fosse executado com originalidade, os mestres tinham apenas que criar pelas suas próprias mãos as partes essenciais, o mestre concebia os esboços, definia os pormenores da obra pretendida e, quanto ao resto, dedicava-se aos seus negócios, tais como obtenção de encomendas lucrativas, ou viajava em missões políticas. O gênio pensativo que, na mais profunda solidão, luta com a sua arte, só séculos mais tarde marcou a imagem do artista.

Warhol era procurado pelos seus desenhos publicitários, mas não era ainda reconhecido como artista. O ano de 1956 iria ter uma importância decisiva para ele. Deu uma volta ao mundo que, entre outros países, o levou a Itália, a Florença, onde as obras de arte do Renascimento o impressionaram e lhe animaram as ambições artísticas. Neste mesmo ano, foi também distinguido com o “Thirty Fifth Annual Art Directors` Club Award” pela publicidade aos sapatos da elegante loja da conhecida firma Miller, tendo o Museum of Modern Art, centro de consagração da Arte Contemporânea, convidado Warhol a participar numa exposição dos “Desenhos mais recentes dos EUA”. Era-lhe, assim, facultado o acesso à arte “séria” e a “Life Magazine” publicou uma série das suas ilustrações. Foi também então que Warhol começou a interessar-se pelo cinema e suas estrelas.

Já nesta época pré-pop, Andy era uma espécie de celebridade, que conquistava prêmios, admirado por todos, e com um estilo próprio. E o texto de David Bourdon evoca um conceito: o de pop. Mas apenas na perspectiva dos contemporâneos que acreditavam no progresso e tinham tendência para considerar o passado como mero prelúdio do presente, é que os anos 1950 podiam ser considerados como o decênio da pré-pop. A realidade, na verdade, era muito diferente, pois a abstração dominava a Arte, com exceção de alguns “dissidentes” franceses e italianos. A cultura ocidental encontrava-se dominada por um valor de liberdade que se refletia numa abstração como para rivalizar com o realismo de inspiração socialista e comunista.

Com efeito, grupos de marginais da literatura, do teatro, do cinema e das artes plásticas declararam guerra a uma concepção tão unilateral de arte, e também Dada e a anti-arte de Marcel-Duchamp, mas ainda nãos e podia falar de pré-pop. A Pop Art, por sua vez, atingiria como um raio os meios artísticos estabelecidos, que reagiram assustados. No entanto, ainda alguns continuaram a depreciar o fenômeno indesejável, considerando-o simplesmente como um episódio da história das modas. Era preciso ser-se um espírito muito aberto, para se atribuir o mínimo valor artístico às pesadas “pinturas” de Robert Rauschenberg e aos quadros singulares de Jasper Johns. Ainda assim, eles não traíam inteiramente as convicções sagradas do Expressionismo Abstrato e, apesar da estranha integração de objetos cotidianos, de forma material ou pictórica, ainda se tratava de uma concepção subjetiva e individual de arte, a arte que continuava a prevalecer sobre a vulgar realidade. No entanto, a Pop Art propriamente dita surgiu como uma expressão nova e apenas uma pessoa, talvez inconscientemente, estava preparada para isso: Andy Warhol. Neste aspecto, ele é de fato o único representante da fase que antecede a Pop Art.

São muitos os que se vangloriam de ter inventado o termo “pop”. Ele aparece, pela primeira vez, numa colagem, que se perdeu, do artista britânico Richard Hamilton. Muitos consideraram-no abreviatura de “popular”, à semelhança da famosa palavra “Merz” inventada por Kurt Schwitters que, tendo fugido da Alemanha nazi, encontrou um refúgio na Inglaterra. O crítico inglês, Lawrence Alloway, introduziu o termo na literatura sobre arte. Ele tentava descrever experiências artísticas que se debruçavam, de forma crítica, sobre os artigos do consumo de massas, as marcas de fabrico e as imagens-símbolos da indústria dos bens de consumo, os apelos formalistas da publicidade, as histórias esquemáticas da banda desenhada, os ídolos estereotipados do cinema e da música, os anúncios luminosos dos grandes centros urbanos que representavam um vocabulário trivial feito de símbolos e de imagens, destinados, como os produtos e as ideologias que eles representam, a um consumo imediato.

Andy Warhol trabalhava, de fato, na arte da publicidade comercial; fazia para artigos de prestígio e criava anúncios para revistas de qualidade, mas, na verdade, isto não era, de modo algum, o seu mundo. No início dos anos 60, mudou abrupta e radicalmente a sua temática. De repente, eles aí estavam; primeiro, os desenhos e, logo a seguir, os quadros das notas de dólares, das estrelas de cinema, das latas de sopa, das garrafas de Coca-Cola e dos frascos de ketchup, das bandas desenhadas de Dick Tracy, Popeye e Superman.

A consagração artística de Warhol era fatal, quando descobriu que os seus temas não tinham sido bem escolhidos. Eram adequados aos desenhos chiques, mas demasiado elaborados para impressionar os esnobes da cena cultural nova-iorquina. Apenas os sapatos transformados em fetiches exalavam um mau gosto ligeiramente trivial. Os motivos comercializados da arte tinham degenerado em elementos decorativos baratos; faltava-lhes força e poder de provocação. A partir do início dos anos 60, Warhol deixou de enriquecer a concepção publicitária através de formas a fórmulas da arte superior, para, ao contrário, trazer à arte os símbolos oticamente gritantes da publicidade de massas. Deixou as lojas elegantes da Fifth Avenue voltando-se para os supermercados de Queens, Bronx e Brooklyn e de outros subúrbios americanos. Andy Warhol escolhia os motivos pura e simplesmente noutros domínios “mais baixos”. Deste modo, lançava-se formalmente na esfera artística com bandas desenhadas, rótulos de garrafas e de latas de conservas, fotografias da imprensa popular e, mais tarde, as fotografias instantâneas, que fez de si próprio, e que se tornariam a base da sua atividade artística.

Warhol modificou também a sua “assinatura”: substituiu as linhas finas do grafismo comercial por traços coloridos pesados e alargados e guarneceu os objetos com sombras muito projetadas, como se pode ver nas fotografias de amadores ambiciosos. “Warhol”, escreve Werner Spies, “procura temas vulgares e uma maneira de pintar que, nos primeiros quadros que ele ainda pinta à mão, renuncia a tudo que caracteriza o seu traço. Para realizar as latas de sopas e as garrafas de Coca-Cola, escolheu um estilo de pintura que lhe era estranho. Não podemos dizer que se verifica nele uma “continuação” de temas populares e de uma pintura eficaz de cartazes. Trata-se, antes, de uma ruptura radical”. Se, até ali, tinha rodeado os produtos de luxo com o brilho do privilégio, a partir de agora Warhol se dedicava aos artigos de massas do consumo americano que, sem dúvida, simbolizaram o “American Way of Life’ de uma maneira mais persuasiva e mais surpreendente do que os sapatos de personalidades ricas e célebres.

Datam de 1962 os desenhos que apresentam o inventário quase completo do “universo artístico” de Andy Warhol: latas de sopa Campbell, frascos de ketchup Heinz, notas e maços de dólares, cápsulas de garrafas de Coca-Cola, retratos de vedetas populares do cinema, como Joan Crawford, Ginger Rogers e Hedy Lamarr. O contorno dos objetos é formado por largos traços fluidos, o texto dos rótulos e dos letreiros cuidadosamente trabalhado, os fundos muitas vezes sombreados e os contrastes acentuados a preto e branco. Em relação aos trabalhos dos anos 50, é visível nestas folhas uma tendência nitidamente antiestética. Isto é ainda mais notório, quando o desenho feito a lápis grosso é parcialmente colorido a aquarela. A linha tênue e elegante dos desenhos em “blotted line” do período anterior desaparecem, Warhol não estava mais interessado em prosseguir a tradição da linha elegante e decorativa, para a qual o teriam predestinado as suas aptidões de desenhador, nem em seguir uma via uniforme estilística no sentido acadêmico convencional.

Mas Andy Warhol não era o único artista à procura de uma resposta na Nova Iorque do início dos anos 60, pois quase ao mesmo tempo, Roy Lichtenstein descobria o que havia de intacto na linguagem das imagens das bandas desenhadas populares. Abaixo do limiar para a cultura da elite social, tinha-se desenvolvido esta cultura das imagens, específica, direta e fácil de assimilar. Os leitores de jornais diários não devoravam as notícias e comentários políticos, mas sim as páginas das bandas desenhadas. As personagens mais populares transformaram-se em heróis dos numerosos filmes de Hollywood e as histórias contadas em imagens eram muitas vezes superiores aos filmes pela sua expressividade e maior vivacidade visual.

Quando criança, naqueles sombrios dias em que esteve doente, as bandas desenhadas foram um lenitivo para Warhol. Muito naturalmente, elas faziam parte da vida cotidiana de qualquer adolescente americano, como depois aconteceu com a televisão. Quaisquer que fossem as histórias que contavam, as bandas desenhadas nunca perdiam o contato com o mundo cotidiano e, como explica Jürgen Trabant, elas recorriam a certas técnicas de comunicação: “A ilusão do real é obtida no desenho pelos meios convencionais existentes desde o Renascimento, da representação em perspectiva, da exatidão anatômica, do movimento e da imitação realista. Na sua forma, a concepção retoma os processos de representação cinematográfica: plano geral, grande plano, corte das imagens. Isto acontece também no interesse da verossimilhança, porque o filme e a fotografia são sobretudo entendidos como sinônimos de fidelidade empírica e a representação, padrão das bandas desenhadas, e reforçam assim seu realismo”.

Ao transformar recortes de bandas desenhadas com grande divulgação em motivos dos quadros, Andy Warhol aproximava-se do seu tema artístico central, se é que ele teve algum. Mas, logo que soube que tinha um concorrente na utilização inovadora da iconografia trivial, terminou abruptamente com tais experiências, embora estas estivessem orientadas numa direção inteiramente diferente da pintura estetizante de Lichtenstein. Os mecanismos do mercado tinham-se estendido com mais intensidade ao campo da Arte e todo o artista que não se distinguisse por um estilo original estava sujeito a que o suspeitassem de falta de consequência artística.

A SERIGRAFIA COMO MEIO ARTÍSTICO

Uma pintura que tem o tema da morte inaugura uma notável produção de quadros que marca um novo momento na História da Arte, tal trabalho que é inspirado numa catástrofe aérea em Nova Iorque, que era até então a mais grave na história da aviação. Contudo, para Andy Warhol o evento da queda do avião pura e simplesmente não foi o motivo do trabalho artístico, e sim o modo que tal evento apareceu na imprensa, mais exatamente a fotografia da carcaça, publicada, no dia 4 de Junho de 1962, no jornal de grande tiragem “New York Mirror”.

Warhol então projeta na tela a fotografia do jornal, onde, dominando todo o cenário, se ergue a empenagem do avião a jato que está caído, e a copia através de pintura. Neste trabalho Warhol retoma não somente a fotografia como também a manchete do jornal popular que, de forma sensacionalista, começa em maiúsculas com as palavras “129 DIE” e continua, por baixo da fotografia, com “IN JET!”, e o nome do jornal, “New York Mirror”, que aparece no bordo superior do quadro, juntamente com a data de publicação e com o número da edição.

Warhol tem um de seus momentos chave quando se volta para a fotografia como matéria de seu trabalho, quando se fala de sua evolução artística, tal que é um meio de expressão que, mais do que o trabalho com as bandas desenhadas, as marcas dos artigos de consumo ou ainda as pinturas da arte “superior”, determina com muito mais precisão a realidade da percepção. A fotografia reproduz o que os olhos veem com mais veracidade do que todas as pinturas antes dela, e eterniza, em certa medida, a realidade visível. E o bom observador distante que era Warhol, deve ter notado logo muito cedo, por sua vez, a influência que tomava no mundo tanto a fotografia como também o cinema.

Warhol teve esta percepção pela fotografia, embora nos meios artísticos dos anos 50, a fotografia era ainda vista como algo menor e com mais desdém até mesmo em relação à linguagem em imagens da banda desenhada e da publicidade. A fotografia, portanto, tinha uma importância muito reduzida no mundo da Arte, mas, por isso mesmo, era o meio ideal para servir aos objetivos de Warhol. No quadro “129 DIE”, Andy Warhol não reproduz a realidade de forma direta, mas se utiliza de uma fotografia de jornal de um desastre, que de fato tinha acontecido, como um tipo de veículo de expressão que ligava a realidade ao espectador.

Então, na análise sobre a intenção de Warhol com este trabalho, temos que não é a realidade por si mesma o sentido de sua expressão, mas sim tal realidade no seu contexto de reprodução, representando, por fim, um fragmento desta realidade. Por fim, temos também que esta nova onda de reprodução gerava um tipo de realidade em segunda mão, tal que era a realidade na sua versão dos “mass media”, das revistas ilustradas e dos painéis publicitários, como também do cinema e da televisão, que, ao fim, triunfa sobre a realidade empírica.

O fato de Warhol explorar uma gama variada de temas, e isto antes de realizar as suas pinturas, era fruto de um artista extremamente atento, que tanto juntava sugestões de terceiros, assim como também colecionava revistas e jornais, para, no momento certo, os utilizar como modelos para seus trabalhos artísticos. Quando chegava esse momento, Warhol achava que uma imagem reproduzida em massa ou um artigo de uso cotidiano possuía traços pertinentes e que poderia servir como uma espécie de representação eficiente do que se chama de consciência coletiva, como modelos de relações, no qual se fundiam numerosas convicções comuns, reunindo isto numa imagem de fácil assimilação e de efeito duradouro.

Tal trabalho de Warhol com esta consciência coletiva pode ser verificada, por exemplo, nas marcas e embalagens da indústria alimentar, que eram as sopas e os legumes em latas, os molhos e bebidas em garrafas, que eram então a narrativa cotidiana dos nossos hábitos, muito mais presentes que quaisquer outros elementos em nossa civilização. E tal relação que Warhol estabelecia com tais produtos também era potencializada pelo fato deles estarem associados a determinados nomes de firmas e marcas, tais como as sopas Campbell, a limonada Pepsi, a Coca-Cola, os detergentes Brillo e o ketchup da Heinz, que representavam a tradução perfeita de um modo de vida cotidiano e comum. Por sua vez, quando Warhol escolhe para motivos de arte as latas de sopas Campbell, as garrafas de Coca-Cola e de ketchup Heinz e os pacotes de Brillo, Warhol os coloca num patamar novo como ícones da civilização contemporânea.

Foi então, com este ato estético de Warhol, que era a decisão de elevar tais produtos à categoria de obras de arte, que transformou, por sua vez, estes rótulos e marcas rigorosamente idênticos em ícones secularizados. Tal ato estético que era quando Warhol transferia tais produtos para uma tela, os elevando artisticamente, representava concretamente o transporte de tais entes dos supermercados para as galerias de arte. E, ao contrário de Marcel Duchamp, que transplantou os objetos do mundo cotidiano, onde desempenhavam uma função bem concreta, para um espaço estético, para que, desprovidos de toda a funcionalidade se tornassem perceptíveis em si mesmos, Warhol submeteu os “ready mades” da produção industrial em massa a um processo de transformação estética e artística.

Como um ilusionista hábil da Arte Contemporânea, Warhol era objeto de uma certa confusão no que se relaciona a sua técnica, pois ele operou uma substituição da técnica artística tradicional, da qual se utilizara até então, por uma técnica que correspondia mais aos seus novos motivos, tal que era também mais familiar com o designer publicitário de sucesso que Warhol também era. Tal mudança fez com que Warhol tivesse agora as fotografias de imprensa e os rótulos e marcas como seus motivos artísticos preferidos. Warhol, então, neste processo criativo renovado, logo se volta para a impressão serigráfica de fotografias, passando a aproveitar as possibilidades desta para as suas “pinturas”.

A serigrafia, por sua vez, era a técnica fundamental de Warhol que o permitiu apagar dos quadros as características de cunho pessoal, eliminando definitivamente todos os momentos subjetivos e, assim, deixando Warhol completamente livre dos cânones dominantes do Expressionismo Abstrato. Esta técnica de produzir anonimamente uma imagem, isenta de subjetividade, que era o extremo oposto do Expressionismo Abstrato, e com a precisão de uma máquina, desde que alguém tivesse determinado a composição e as cores, estava em conformidade com o temperamento frio e observador de Andy Warhol. E nesta sua escolha, Warhol deve ter sido igualmente estimulado pelo fato da impressão serigráfica permitir a ele a criação de uma imagem estereotipada e propagar, assim, um reflexo da consciência coletiva.

Esta técnica inédita na esfera da Arte tornou supérfluos os complicados e dispendiosos desenhos de preparação das pinturas. Além disso, com a transferência fotoquímica imediata de um modelo fotográfico para um peneiro, Warhol conseguia quadros que interpelavam diretamente o espectador, como acontece com as imagens dos mass media, sem, todavia, expor os seus quadros ao esquecimento imediato, tal como ocorre com as imagens da imprensa de massas. Portanto, para evitar o aspecto efêmero de tais imagens, Warhol fez uma aplicação especial da técnica da serigrafia.

Modelo para Pintores Amadores (Flores), por exemplo, que é o título de um quadro que simboliza justamente a mudança de técnica na carreira do artista, representa os contornos de um desenho em formato mural, incompletamente colorido, que o artista amador pode pintar segundo indicações precisas, transformando-o numa verdadeira composição a cores. Por sua vez, o desenho preparatório do quadro floral é esquemático e as cores preconizadas correspondem às cores estandardizadas da civilização industrial. No entanto, o modelo, que dá a impressão de um trabalho que requer uma grande capacidade manual, não passa de um exemplar entre milhares de exemplares idênticos, em que era necessário somente seguir as instruções do modelo.

Recorrendo às técnicas da fabricação em massa, Warhol aplica a seu modo uma técnica que cria séries de quadros que se distinguem uns dos outros, mesmo que apenas através de pequenas nuances, não deixando dúvidas quanto a um certo fenômeno de depreciação do conceito de original, atributo muito caro à Arte Contemporânea, sobretudo na sua faceta do Expressionismo Abstrato, mas que, contudo, não representa a negação do conceito. A estratégia de Warhol, no entanto, tem aspectos de subversão, pois destrói a ideia de prestígio do original. Sob tal perspectiva nova, a ideia de arte em Warhol tinha o caráter de simples produtos industriais, como artigos fabricados em série.

Warhol também travou conhecimento com Gerard Malanga, um jovem poeta que depois foi seu assistente. Malanga descreve o início do seu trabalho prático nas artes plásticas com estas palavras: “Começamos logo a fazer a serigrafia de um retrato de Liz Taylor sobre uma tela, que tínhamos preparado, pulverizando um fundo com tinta prateada. Este trabalho não era muito difícil, mas acabou por se tornar muito sujo, quando tínhamos que limpar o peneiro.” O que em Elizabeth Taylor e Marilyn Monroe, em Elvis Presley e Marlon Brando pode ter encantado Warhol foi o fato de eles simbolizarem determinadas correntes que percorriam a consciência coletiva americana, pois personificavam concepções de beleza e de êxito.

Tal como anteriormente os retratos de Marilyn Monroe, os retratos dos homens com mandado de captura ligam a série sobre a morte à série imponente dos seus outros retratos. Mais do que qualquer outro gênero, Warhol cultivou o do retrato. Inúmeros retratos são devidos a encomendas particulares que o artista não se deu ao luxo de recusar. A maior parte dos retratos, que “pintou” sem serem encomendados, foram inspirados em acontecimentos particulares ou conjunturas específicas do momento. No entanto, é comum a todos eles o fato de representarem personalidades importantes: artistas, colecionadores, vedetas de cinema, políticos e criminosos. Numa sociedade mediatizada, a celebridade é quase um barômetro “natural” do êxito social.

DO CINEASTA “UNDERGROUND” AO ARTISTA MUNDANO

Em 1963, ainda antes de as suas caixas Brillo ser criticadas, e também antes de o seu painel mural Thirteen Most Wanted Men do New York State Pavillon ter provocado escândalo, Andy Warhol comprou uma máquina de filmar e um gravador e foi viver na 47ª Rua e, em Novembro de 1964, Leo Castelli, juntamente com Robert Rauschenberg, organizava então, a primeira grande exposição da sua obra, na qual Warhol tinha escolhido uma série de flores que já tinha apresentado em Paris em janeiro, no que Warhol disse: “Eu pensei que os franceses talvez gostassem de flores, por causa de Renoir e de outros.” “Warhol tinha descoberto a imagem num catálogo de Botânica”, refere Gerard Malanga. “Ele disse-me: Aqui tens, faz disto uma serigrafia.”

Warhol era um artista gregário, em torno dele se juntou um grupo de pessoas que, aos poucos, foi povoando o seu apartamento, e ali ele vivia temporariamente e se ocupava dos mais variados trabalhos, e na então Factory, se trabalhava muito, a produtividade era intensa. A “Factory” não se configurava como uma fábrica e nem como uma empresa industrial, mesmo com este nome, ela poderia sim ser comparada a um atelier de artistas como Verrochio, Leonardo da Vinci, Cranach, Ticiano, Rubens ou Rembrandt, e não saía nada dali que não tivesse a aprovação de Warhol, e seus trabalhadores lhe serviam como instrumentos do que ele veio a chamar de codificação de um conceito imperfeito de “espírito do tempo”, o que incluía, por exemplo, o grupo musical Velvet Underground, que começava a ensaiar numa parte do apartamento.

Por sua vez, os filmes de Warhol concentraram-se, de imediato, em desenvolvimentos e dados elementares: “Sleep” (1963), o seu primeiro filme de seis horas, apresenta um homem adormecido e a câmara passa pelas várias partes do corpo. Na realidade, o filme tem apenas uma duração de 20 minutos, porque, tal como acontece em muitas das suas serigrafias, a primeira sequência repete-se. “Empire”, cujo “cameraman” foi Jonas Mekas, apresenta durante oito horas o orgulho de Manhattan, o Empire State Building, visto do 44º andar do Time-Life-Building. Por fim, o retrato filmado de Henry Geldzahler apresenta durante 100 minutos o conhecedor de arte a fumar um charuto.

Tais filmes de Warhol colocavam ao avesso convenções do cinema hollywoodiano, pois quebrava o paradigma narrativo de tal cinema, no que se via, agora, sequências longas e maçantes, sem cortes, com planos e enquadramentos que pouco variavam, rodado com a câmera Auricon, a qual proporcionava o registro simultâneo da imagem e do som, resultando em diálogos sem nexo, frases anódinas retratando a vida cotidiana, com um trabalho de câmera precário, com um toque de amadorismo.

Mas, a aparente inépcia destes filmes era um estilo, e que era calcado numa falta proposital de profissionalismo, numa subversão absoluta de cânones narrativos, resultando num produto espontâneo e vivo. No entanto, sem o cinema de Hollywood, não é possível conceber os filmes de Warhol que, aproveitando os mitos daquele, se singularizam pela sua oposição consciente à fatura especial hollywoodiana, e ao contrário deste cinema, cujo profissionalismo visava produzir uma realidade ainda mais real que a própria, o cinema underground americano queria documentar a realidade tangível com as suas contradições e imperfeições, e à medida que Warhol aprendia a dominar o ofício, os seus laços com o cinema de Hollywood estreitavam-se de forma paradoxal. Nos filmes, Andy Warhol retomava os princípios estéticos das suas serigrafias, com a repetição de imagens idênticas, cujo princípio norteador era a “imagem em movimento”.

Mais tarde, no dia 3 de Junho de 1968, Valerie Solanis, único membro da S.C.U.M. (Society for Cutting Up Men) perpetrava o funesto atentado à pistola contra o artista. Depois de se ter submetido a uma grave operação, teve que passar dois meses no hospital; as duas balas que o tinham atingido atravessaram os pulmões, o ventre, o fígado, a vesícula e ferido na coxa. “Sinto-me constantemente atormentado com a ideia de que, quando os loucos fazem qualquer coisa, eles irão fazê-la novamente alguns anos mais tarde, sem se lembrarem de já terem cometido esse ato, e julgarão, então, estar a fazer algo inteiramente novo. Em 1968, fui atingido a tiro; é um fato de 1968. Mas aflige-se a ideia: “Será que nos anos 70, alguém desejará repetir estes tiros? Eis uma outra maneira de ser fã” (Warhol).

Uma visão verdadeiramente confrangedora das estruturas do vedetismo, que revela os riscos a que está exposta uma estrela num mundo que tem necessidade dela para assumir a sua existência. As palavras de Marlene Dietrich ecoam ainda: “Fiquei para morrer com tantas fotografias.” Mais frequente do que a morte física, como no caso de John Lennon, a morte psíquica é uma consequência do vedetismo: não é a vedeta aquela aparição não material, feita de sombras e de luz, sem direito a uma existência própria, uma estrela no firmamento dos anseios humanos?

Enquanto Paul Morrissey se ocupava da produção cinematográfica da “Factory”, Warhol colaborava ativamente com o grupo de rock “Velvet Underground”, com o qual, em Abril de 1966, montou, na discoteca de Nova Iorque “DOM”, um espetáculo multimídia de música, dança, iluminação, projeção de dispositivos e filmes, em que participou a alemã Nico, cantora, atriz e boneca moderna. No mesmo ano, organizou na Leo Castelli a sua última exposição de obras “tradicionais”. Forrou as paredes a papel pintado, cujo único motivo, ilimitadamente repetido, era uma cabeça e, como esculturas flutuantes, apresentou almofadas de balão prateadas – as Silver Pillows. Em 1967, prestou homenagem a Marilyn Monroe com uma série de serigrafias que reuniu em grupos de dez e, em Paris, na casa de Ileana Sonnabend, expôs a série completa dos Thirteen Most Wanted Men. Neste mesmo ano, foi viver para Union Square West, onde instalou também a “Factory”. Finalmente, na Expo`67 de Montreal, apresentou seis auto-retratos: mesmo no plano óptico, a pessoa do artista triunfava sobre a sua obra.

No ano seguinte, publicou um diário com Gerard Malanga, “The Andy Warhol-Gerard Malanga Monster Issue”, assim como o romance “A”, a reprodução exata de uma gravação de 24 horas dos barulhos e conversas na “Factory”. Em 1970, um cenário intitulado “Clouds” e destinado ao ballet “Rainforest” do coreógrafo Merce Cunningham veio completar o seu inacreditável espectro artístico. John Wilcock convenceu-o a editar uma nova revista e a “Inter/View” tornou-se o porta-voz mais popular do universo Warhol.

Mesmo após uma entrevista no fim dos anos 60 em que Warhol dizia que tinha abandonado o desenho, na realidade, ele interrompeu a sua atividade como pintor apenas durante algum tempo. Com retratos do comunista chinês Mao Tsé-Tung, iniciou no começo dos anos 70 um novo capítulo da sua criação pictórica, quer sob o ponto de vista de conteúdo, quer da forma. Warhol intensificou o aspecto manual do seu trabalho, acentuou o traço de pincel em detrimento da parte impressa, introduzindo parcialmente pintura a óleo nas suas serigrafias, e fez desaparecer a impressão de produção mecânica.

Mao tornou-se um símbolo, assim como Mick Jagger, o cantor do grupo de rock Rolling Stones, que entrou também na galeria de cabeças célebres de Warhol, ou Willy Brandt, e também Leo Castelli e Joseph Beuys e também os heróis “falecidos” Franz Kafka, Sigmund Freud, Golda Meir e George Gershwin que, com outros, foram reunidos, em 1980, na série Ten Portraits of Jews of the Twentieth Century. O mesmo acontecendo com Goethe, Alexandre, o Grande e Lenin, e com vista a eventuais retratos serigráficos, o artista fotografava com a Polaroid a maior parte das personalidades que encontrava.

Naturalmente, há muito tempo que também Warhol se tinha transformado numa superestrela dos media. Tendo em consideração este aspecto, executou nada mais nada menos que seis séries diferentes de autorretratos e, em 1981 alistou-se mesmo entre os mitos americanos como Mickey Mouse, Uncle Sam e Superman. Em contrapartida, Warhol, num trabalho em série, transformou o Martelo e a Foice, emblema do comunismo, numa marca de fábrica – muito antes de ser impresso em T-shirts.

E durante os trabalhos de restauração do quadro de Leonardo da Vinci A Última Ceia, Warhol propôs ao público reproduções de substituição, serigrafias em tela de formato grande e em versões diferentes. Com a série Carros, celebrou a prestigiosa marca alemã Daimler-Benz. A catedral de Colônia, os palácios do construtor real Luís II da Baviera, os espetáculos organizados pelo arquiteto favorito de Hitler, Albert Speer, por ocasião do congresso do Partido Nacional-Socialista em Nuremberg, faziam com que os motivos dos seus últimos quadros estivessem constantemente a mudar, não se manifestando aqui critérios claros de seleção.

A “Factory”, que ainda mudou de instalações várias vezes, produzia incessantemente; a revista “Inter/View”, cujas quotas Warhol tinha vendido, divulgava o seu universo semana após semana. A multiplicação pela repetição era uma parte de sua filosofia. E no começo dos anos 70, passava 24 horas por dia, como um possesso, a registrar tudo no gravador; e na maior parte das vezes, eram só ruídos. Guardava tudo o que lhe vinha parar às mãos. Queria esticar o tempo até ao infinito. A morte surpreendeu-o, quando era já um mito.

FINAL E PRESENTE

Andy Warhol era um artista do seu tempo; porém não era um revolucionário, mas conseguiu realizar importantes mudanças no mundo da Arte, e se tornou o único artista autenticamente pop, acompanhando os ventos de uma nova Arte Contemporânea, com iniciativas nem sempre dele, pois muitas vezes era levado de roldão por impulsos vários. Warhol era uma espécie de antena que captava como ninguém as aspirações da sociedade em que vivia, explorando a consciência coletiva e gravando nela suas criações, com uma arte familiar e não como algo desconhecido. Exceto a sua celebridade, Warhol de fato não inventou nada, recriando e traduzindo o espírito de sua época.

Warhol não era um visionário ou um gênio ou uma pessoa sofrida com a vida, mas sim um tipo de artista profissional, com tino de manager, se utilizando da mídia, e que não recuava diante de nenhuma adversidade, com aspectos pop e midiáticos que não deixava para trás o caráter de subversão de sua arte, e graças a sua contribuição no mundo da Arte, Warhol renovou o cenário, evitando os impasses e dilemas das vanguardas, e que terminou com o tempo da Arte burguesa, fazendo implodir este conceito dominante da Arte.

(Baseado no livro Andy Warhol de Klaus Honnef, editora Taschen)

 

 

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