CARNAVAL NA GRANDE PLANÍCIE (EPÍLOGO)

uirapuru

TEXTO DE GINO DELMARE
(texto ainda inédito nos palcos)

EPÍLOGO

O ônibus segue.

ODOACRO

Professor, estamos chegando. O que será que aconteceu com o talzinho? Nós esvaziamos os pneus do carro dele...

MENECEU

Sei não, Odoacro. Você que é artista, escuta essa estorinha, pra vê se te inspira alguma música.

Chove na Amazônia, na minha Amazônia, minha amada planície sedimentar; pátria ondulada, flor de florestas oceânicas, verdoceânicas... hidrófilas, pejadas pelo piscar de pirilampos; esconderijo das aranhas de ventre prateado e morada dos doces tambaquis, dos rudes pirarucus. A nova velha fronteira do latifúndio não recua, arrosta lagartos vesgos distraídos, e desconhece a valsa das borboletas, e contrabandeia papagaios que não falam palavrão. Então o jacaré-de-papo-amarelo encolhe-se em sua água, o bicho-preguiça corre, pois já’evém os tratores, as motosserras, já’evém o inferno verde-cinza das queimadas, invernadas inventadas para o gado taciturno, queimadas para as pastagens da escravidão e do silêncio cru, silenciosamente rompido à bala num piscar de capivara. E quando a clorofila salgar as folhas do pé-de-taperebá e a casca das castanhas se arrepiarem, a serpente de língua bífida da opressão ameaçará a vida. A ambição incontida fará derrubar homens como se derrubam ramos de açaizeiro no açaizal, deixando de seus frutos os caroços espalhados no chão. Mas seus filhos se erguerão num exército altaneiro e audaz neste solo sagrado e o defenderá, aqui, onde regurgita bauxita, manganês e urânio e o sangrento minério de ferro – ferro-gusa, pesado e tartamudo, que cruza oceanos para erguer feéricas torres de aço em remotas metrópoles continentais. Seu ouro e sua madeira retirados à luz do dia e suas ervas medicinais surrupiam-se ao clarão da lua, em nome da beleza da madame, em nome da cosmética e da eterna juventude. A farmacologia te mira, te admira e te seqüestra seus óleos essenciais.

Meneceu faz uma longa pausa, toma um longo gole de cerveja na lata.

Há de chegar o dia em que esta gente se insurgirá com bordunas de fogo, como velhos cabanos olvidados pelo tempo, e a natureza se vingará acudida por formosas Iaras iradas, e as matintas-pereras anunciarão os triunfos no alto de samaumeiras milenares, e o esplendor retornará com os tubérculos da macaxeira em flor; e os pequenos muiraquitãs, com seu verdume assustador, festejarão a vitória contra a infâmia, a violência, a desonra e o medo... E as saúvas reorganizarão suas alegres filas para inventar novos caminhos, depois que o deus-Tupã dissipar os mil ventos deletérios da malária em fúria e assoprar para longe os pardos rolos de fumaça de CO² - que nada mais são do que cadáveres gasosos de árvores assassinadas sepultas em céu soturno e sem sol. O uirapuru, ah, o uirapuru saltará de seu galho dourado e convocará, com o encanto de seu canto, as harpias, as panteras-pintadas e o Boitatá – outros outrora feridos de morte –, para celebrarem o novo amanhecer no mato, quando então demarcarão seu território, com bosta e mijo perfumados. Por fim, os seres da floresta, neste dia – chuvoso como hoje – recuperarão para si, mais uma vez e pra sempre, a liberdade de sua atmosfera luminosa e de suas águas eternas descendo pelos rios mansos e silenciosos como a paz de curumins adormecidos.

Toca a música “Chorando se foi”.

CAI O PANO

uirapuru 2

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