O Poeta e a Imitação de Estrelas (2025)
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O Poeta e a Imitação de Estrelas
Não tinha versos que vendessem, só repolho murcho no fundo do balde e uma cantora de calçadão que imitava Amy até o último suspiro rouco.
(Se fechasse os olhos, quase acreditava naquela voz rasgada de uísque barato, nos cabelos desgrenhados que o vento confundia com os de um fantasma de 27 anos.)
A rua virou palco.
Montaram o espetáculo entre latinhas vazias
e o asfalto quente, que engolia nossos passos.
Ela cantava Back to Black para turistas bêbados;
ele declamava haicais sobre fome, o preço do gás e do repolho...
Ninguém jogava moedas.
Só restou apelar aos amigos:
"Um trocado pra sopa?"
— e a panela sempre mais leve, o caldo ralo como nesses versos.
Então (disse ele), inventamos mantras:
"Om Mani Padme Hum no Pix",
"Liberte-nos da inflação, Buda!"
Mas o Banco Central ignorou os sutras, e o repolho murchou de vez.
Na última noite, entre migalhas e silêncio, ele disse:
"Volte, minha querida, para sua cidade fantasma,
onde, lá ao sul, ao menos o desemprego tem sotaque conhecido.
Deixe-me aqui com meus poemas sem eco
e a sopa que nunca engrossa o caldo."
Ela partiu num ônibus interestadual, levando na bolsa um adesivo de Amy
e seu último verso — "Nem toda fome é metáfora."
Agora, sob o viaduto, o poeta marginal recita para os ratos,
com ar de quem aprendeu:
até a ruína precisa de um final cult pra fazer sentido.
(Poema: Anísio Vieira)
Paquetá, 03/2025