Fragmentos de um Cotidiano: Um Momento com Jorge de Almeida Maurício (2025)

0 cafeh

“O Brasil nasce no Bradesco, não no Banco do Brasil.”

(Jorge de Almeida Maurício)

Tenho andado pela altura da 711 Sul, visitando uma clínica. Chego cedo, antes mesmo dos lavadores e dos “tomadores de conta” de carro aparecerem. Estaciono tranquilamente. Horas depois, ao voltar, meu carro está cercado por um mar de outros — parecendo uma boia vermelha no meio do asfalto.

Enquanto caminho pelo conjunto residencial ali perto, observo três homens reformando um sobrado quase na esquina. O portão está aberto. Vejo-os manuseando máquinas e aplicando camadas de algum impermeabilizante nas paredes.

Ontem à tarde, voltei meio transtornado — mais um dia difícil, problemas de grana como sempre. Um dos “tomadores de conta” me abordou:
— Posso tomar conta do carro?
Respondi que: — Hoje não.
— E lavar? — insistiu.
Respondi seco, com dor:
— Porra, qual parte você não entendeu? Tô doente. Tô com dor.
O cara ficou meio abobado, virou as costas. Mais tarde, já na maca, fazendo um eletrocardiograma, contei o episódio para a técnica, que riu:
— E ele?
Com orgulho afirmei: — Minha expressão corporal é convincente!
Ela riu mais ainda:
— De doido?
Caímos na risada.

Ao sair, dei uma volta no carro, com receio de algum atentado. Já era por volta das 16h30 e ninguém mais tomava conta dos carros ali. Foi quando vi um rapaz saindo de um beco — devia ser uns 20 anos mais novo do que eu. Como eu examinava o carro, ele comentou:
— Não daria uma porrada num Volkswagen, mas num BYD eu não perdoava.
E começou a discursar com desenvoltura sobre a indústria automobilística. Percebi logo que ele tinha alguma condição psiquiátrica. Não estava muito sujo, mas claramente era uma pessoa em situação de rua. Muito inteligente.

Mudou de assunto para o sistema financeiro; ele disse que o Banco do Brasil não era a raiz do Brasil e sim o Bradesco. Não entendi nada.

Enquanto eu tentava encerrar a conversa e me encaminhava para o carro, ele pediu mais um momento. Cometi a imprudência de perguntar:
— Você vota em quem?
Ele respondeu curto:
— Em ninguém!
Começou então a contar as desventuras de tentar regularizar sua situação: esperava vir do Rio sua certidão de nascimento, ia de ponto em ponto do governo, tirou digitais dos dez dedos. Quando finalmente tentou abrir uma conta no Banco do Brasil com R$ 418,00, o gerente se recusou a lhe dar o cartão porque ele estava em situação de rua. Por isso não tinha título de eleitor. Em protesto, contou sua história de 2018, mencionando o nome completo do presidente da época — sem atacá-lo, apenas como registro.

Perto do fim da conversa, perguntei seu nome:
— Jorge de Almeida Maurício.
Mais um entre tantos espalhados por aí, com suas histórias confusas, sem documentos, sem passado oficial, sem perspectiva. Procurando alguém que o escute, que lhe dedique um momento de atenção.

Discretamente, meti a mão no bolso, puxei uma nota e disse:
— Jorge, vá tomar um café.
Era o que eu podia fazer.

Ao voltar e seguir meu caminho, vi Jorge parado em frente à obra, tentando puxar conversa com os peões, que pareciam não estar muito dispostos a entendê-lo.

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