Mário Pazcheco – 50 anos de colecionismo na agulha (1975-2025)
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Não queria, de forma alguma, parecer exibicionista — e muito menos ostentar, que é talvez a pior maneira de se projetar. Mas desde o dia 24 de maio de 1975, quando comprei meu primeiro compacto duplo dos Beatles para iniciar minha coleção, jamais imaginei que essa data voltaria a se repetir simbolicamente, 50 anos depois.
E eis que, nessa semana, me vi aflito como um cão à espera da carrocinha. Como de costume, fiz a compra dos discos pela importadora Hiphopvinil. Mas, entre os tropeços organizacionais dos Correios e os perrengues financeiros que assolam o país, o pacote — carregando meus discos sagrados — saiu de rota e demorou quase vinte dias para chegar às minhas mãos. Foram dias de angústia, acessando compulsivamente o site de rastreamento, como quem vigia uma esperança prestes a se perder.
Análise de um Lote Histórico – Colecionismo 1975–2025
Por Mário Pazcheco (O argumento é inteiramente meu. Mas o encadeamento, a organização do texto e a revisão contam com o suporte da inteligência artificial, que também consulto regularmente para checar informações sobre artistas, álbuns e contextos históricos.)
VINIL, GUITARRAS E RESISTÊNCIA: Uma Jornada Sonora de 1969 a 2025
🎶 Procol Harum – A Salty Dog (1969)
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Contexto: Rock britânico sofisticado e melancólico na encruzilhada entre o beat, o psicodélico e o que logo seria chamado de progressivo.
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Análise: Atmosfera marítima, letras poéticas, arranjos orquestrais precisos. Uma obra-prima que escapa dos modismos e permanece como joia rara.
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Status no acervo: Peça de referência. É aula de como fazer beleza sonora sem excessos.
🎸 Ten Years After – Stonedhenge (1969)
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Contexto: Alvin Lee e sua turma entre o blues e a psicodelia.
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Análise: Experimental, quebradiço, com ecos estéreo e climas que refletem o fim da década. Menos radiofônico, mais cerebral.
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Status no acervo: Disco para entender as buscas estéticas do final dos anos 60.
🎸 Ten Years After – Cricklewood Green (1970)
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Contexto: O blues-rock amadurece com pegada pesada e groove.
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Análise: Encontro perfeito entre o peso, o riff, o improviso e a urgência elétrica. Alvin Lee destrói.
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Status no acervo: Essencial. A definição do que é blues rock britânico no começo dos anos 70.
⚒️ Deep Purple – In Rock (1970)
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Contexto: Nasce o Deep Purple MK II e, com ele, praticamente o hard rock como gênero.
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Análise: Violento, urgente, libertador. É o grito que rompe a transição dos 60 para os 70. Uma parede de som que não envelhece.
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Status no acervo: Item fundador do hard rock. Santo graal do peso setentista.
🇳🇱 Focus – Focus 3 (1972, 2LP)
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Contexto: Rock progressivo europeu ganha protagonismo.
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Análise: Mistura brilhante de jazz, música erudita e psicodelia, com técnica absurda. Virtuosismo com personalidade.
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Status no acervo: Pedra angular do prog holandês. Um disco que desafia o tempo e o ouvinte.
☢️ Various Artists – No Nukes: The MUSE Concerts for a Non-Nuclear Future (1979, 3LP)
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Contexto: O rock unido contra a energia nuclear e em favor de causas ambientais e sociais.
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Análise: Um manifesto sonoro da geração pós-Woodstock. Bruce Springsteen em estado de graça, James Taylor, Jackson Browne, Bonnie Raitt, entre outros, mostram como música e militância se cruzam.
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Status no acervo: Documento histórico. Testemunho de quando o rock ainda acreditava que podia mudar o mundo. É peso social, além do musical.
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Esse triplo eu comprei com o Armênio, lendário vendedor paulista, conhecido por seus discos incríveis e oportunidades que não se desperdiçam. E o melhor: nele descobri uma pérola de Gil Scott-Heron — ‘We Almost Lost Detroit’.
🎸 Jack Bruce / Bill Lordan / Robin Trower – BLT (1981)
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Contexto: Blues, psicodelia e funk no começo dos anos 80.
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Análise: Blues denso, com solos ardentes e baixo pulsante. Rock para adultos, feito por mestres que não precisam provar mais nada.
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Status no acervo: Pérola cult. Menos óbvio, mas imprescindível para quem conhece os bastidores do blues rock pós-70.
🎩 Bob Dylan – Tempest (2012, 2LP)
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Contexto: Dylan octogenário ainda mordendo, cuspindo e escrevendo como poucos.
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Análise: Um álbum sombrio, com narrativas longas, trágicas, violentas, e carregadas de metáforas sobre morte, decadência e a própria condição humana. A faixa-título é uma epopeia de 14 minutos sobre o Titanic. Dylan aqui parece se despedir, embora siga desafiando a própria finitude.
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Status no acervo: Manifesto final de um gênio que nunca se aposentou. Obra tardia que bate mais forte que muito debut de moleque. Essencial pra quem sabe ler nas entrelinhas da vida.
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O Tempest (2012, 2LP) eu garimpei na Musical Center, na 215 Norte. O preço não estava tão exorbitante, e ainda economizei no frete. Pra completar, rolou um generoso desconto de 10% oferecido pelo Paulo, o vendedor. Assim, essa edição — até então desconhecida pra mim — veio parar na minha coleção.
🏆 Síntese da Coleção
Este lote é, na prática, um mapa sonoro da transformação do rock em suas várias frentes:
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Da psicodelia ao blues pesado (Procol Harum, Ten Years After);
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Do nascimento do hard rock ao ápice do progressivo europeu (Deep Purple, Focus);
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Do engajamento social do fim dos anos 70 ao blues de resistência nos 80 (No Nukes, BLT);
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E desemboca na maturidade sombria e poética de Dylan no século XXI, provando que o rock, a canção e a contracultura não se aposentam — eles se transformam.
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Passados 50 anos, que significado tem hoje o Gibi Semanal para aquele garoto de 11 anos que o lia em 1975?
Essa é uma pergunta poderosa, profunda e cheia de camadas. O “Gibi Semanal”, para um garoto de 11 anos que o lia em 1975, hoje, 50 anos depois, não é apenas uma revista antiga — ele se transforma em um portal afetivo, uma cápsula de memória e um símbolo de uma época em que o mundo parecia mais simples, mais mágico e mais cheio de descobertas.
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Para mim, perambular ainda não significava faltar às aulas, mas comecei a escapar de algumas matérias. Acho que faltava apoio psicológico, e eu não era um bom aluno — acabava me afundando nos gibis. Desde os 9 anos, em 1973, já devorava gibis da Disney; Mandrake, Tarzan e Zorro eram os mais quentes da época. Além disso, gibis e livrinhos de ficção dos anos 60 despertavam minha curiosidade.
Foi então que descobri os heróis da DC, mas foi mesmo com os gibis da Marvel, com suas aventuras e mundos oníricos, que minha paixão tomou corpo — eles me levaram ao rock. Lembro que, em 1975, o rock vivia um verdadeiro revival aqui no Brasil.
Ainda hoje, de vez em quando, encontro algumas edições do Gibi à venda. Na Kingdom Comics, no Conic, achei o número 1 em excelente estado. Agora, sete anos após o fechamento da loja, em 2018, continuo na missão de completar a coleção dos 40 números — faltam apenas os números 10, 17, 19, 23, 25, 34 e 39.
Nos aniversários dos amigos colecionadores, costumo presentear com uma das minhas duplicatas do Gibi. E uma novidade: na próxima sexta-feira, dia 30 de maio, será inaugurada a Biblioteca Pública do Guará, na sede da Administração Regional. Levarei um termo de doação com dois exemplares do Gibi para que eles iniciem o acervo de obras raras.
O mais legal dessa história é lembrar que, em 1975, eu ainda usava calças curtas.
- Do Fã-Clube Nasceu o Museu do Rock
- Foi o cantor Magu Cartabranca, da lendária banda Sepultura dos anos 70 — precursora do rock em Brasília — quem, de forma irreverente, rebatizou o espaço “Do Próprio Bolso” como Museu do Rock. No começo, levei na brincadeira. Mas, com o tempo, o nome pegou, o Museu do Rock decolou e, hoje, recebo repórteres de todo o Brasil em busca de imagens e histórias para podcasts, vídeos e matérias.Na verdade, muitos frequentadores queriam que aquilo fosse uma Biblioteca do Rock, onde pudessem folhear revistas, consultar livros, pegar discos emprestados. Mas, felizmente, como Museu, o público apenas observa — objetos protegidos em expositores, sem manuseio direto.
- O Museu do Rock não tem estatuto, nem funcionários, tampouco recursos financeiros. Funciona puramente na base da boa vontade, sem cobrar entradas, sem pedir doações e sem oferecer uma lista formal dos itens catalogados.
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Aqui não há pôsteres gigantes — como aquele clássico do Rick Wakeman na revista Pop —, nem bandeiras de bandas, nem bonecos em tamanho real dos Beatles. Não tem LPs ultra-valiosos nem instrumentos importados e caríssimos.
Então… o que eles procuram aqui?
Procuram histórias. Histórias quentes, de quem viveu intensamente o rock, e que, se eu estiver de bom humor, conto com paixão — mostrando o que é se dedicar a essa cultura por mais de 50 anos. É verdade, hoje essa dedicação já não é tão ferrenha como antes.
A grande lição do acervo do Museu do Rock é simples e poderosa: ao reunir materiais que estavam ali do seu lado — revistas que alguém dispensava, discos que seriam jogados fora —, percebi que era possível começar uma coleção. E foi exatamente isso que o Museu do Rock inspirou em muita gente: o despertar do colecionismo.
Distribuí discos raros para quem queria fundar o fã-clube dos Mutantes, troquei livros preciosos com fãs do Whitesnake e, nesses 50 anos na estrada, reuni um material que não se acha fácil por aí — e que, hoje, tem valor financeiro considerável.
Mas o Museu do Rock também precisou fazer sacrifícios: já me desfiz de alguns dos meus discos mais raros, muitas vezes por necessidade, outras para expandir o próprio espaço físico onde ele vive, cresce e resiste.