O HERÓI DA GRANDE AVENTURA HUMANA, EM TODOS OS TEMPOS

O HERÓI DA GRANDE AVENTURA HUMANA, EM TODOS OS TEMPOS

(Mário Pzacheco*)

Trecho de O Teste do Ácido do Refresco Elétrico - Tom Wolfe

Na subida das montanhas da serra Azul todo mundo estava chapado de ácido, inclusive Cassady, e foi nesse momento que ele resolveu descer pelo caminho mais íngreme, tortuoso e assustador de toda a história das estradas das montanhas do mundo, sem usar os freios. O incrível ônibus começou a descer em alta velocidade as montanhas da serra Azul na Virgínia. Kesey estava no teto do ônibus para ver tudo melhor. Estava lá no alto e podia sentir a carroceria se inclinar profundamente em cada curva e a estrada serpenteando e ondulando à sua frente como alguém que agitasse um chicote muito comprido. Contudo, sentia-se em total sintonia com Cassady. Era como se, caso ele entrasse em pânico, Cassady também fosse entrar, e o pânico atravessaria o ônibus inteiro como uma corrente de energia. E na verdade nunca sentia pânico. Era uma ideia abstrata. Tinha confiança total em Cassady, mas era mais que confiança. Era como se Cassady, no volante, estivesse num estado de satori, totalmente integrado ao momento presente.

É sua culpa amigo, se você não conhece Dean Moriarty, ou nunca esteve próximo de On the Road/Pé na estrada de Jack Kerouac, a primeira obra de fôlego a abordar a Beat Generation, a vida errante, na estrada, onde você esteve? O personagem central do livro é o retrato literário da superfície de Neal Cassady, na qual Jack Kerouac mirou-se.

Neal Cassady foi o inspirador de On the Road e da Beat Generation, o andarilho, que levou Jack pelas estradas loucas da América naqueles anos 50, ingerindo grandes quantidades de metedrina, peiote, maconha e álcool, disparando incessantemente observações anedóticas e filosóficas. Somente, “Johnny Iniciador nas Drogas”, como era conhecido poderia dar pulso ao volante dessa embarcação que nos conduzirá a uma viagem mágica e misteriosa que abriu os trajetos para novas dimensões da sensibilidade rente à neblina púrpura nos abismos, rejuvenescendo na vertigem da aceleração para a insatisfação do sistema.

Neal Cassady foi encontrado morto, nu, junto aos trilhos de uma ferrovia do México, depois de misturar álcool e pílulas para dormir, em 4 de fevereiro de 1968, quatro dias antes de seu quadragésimo segundo aniversário. Para evitar anfetaminas, Neal andara tomando “calmantes”, mas misturara as pílulas com álcool em excesso, bebendo com amigos numa festa de casamento mexicana. Há anos que Jack Kerouac não era íntimo de Neal Cassady, não se sentira realmente à vontade com ele em Bixby Canyon e não teve a menor simpatia quando Neal Cassady, mais tarde, tornou-se o legendário chofer ao volante do psicodélico ônibus do ácido de Ken Kesey, juntos dos Merry Pranksters. Neal Cassady parara de escrever para Jack Kerouac após San Quentin - quando Neal foi preso numa armação -, aborrecido com Kerouac por este beber muito. De sua parte, Jack Kerouac disse que Ken Kesey e o LSD haviam arruinado Cassady, e os desentendimentos jamais foram resolvidos.

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Kerouac nunca se envolveu com Ken Kesey, e experimentou o LSD uma única vez. Foi com Timothy Leary, em Harvard, em janeiro de 1961. Não foi uma boa experiência para ele. Combatendo a constante paranóia voltou ao tempo de seu desligamento da marinha, ainda tentando entender e justificar seu fracasso com a disciplina naval. Depois de sua experiência com o LSD, Jack Kerouac teve certeza de que este fora introduzido na América pelos russos, como parte de uma trama para enfraquecer o país.

A última vez que viu Neal Cassady foi numa festa em Nova York, com os Merry Pranksters de Kesey, em 1964, quando Allen Ginsberg apareceu e enrolou uma bandeira americana em Jack. Jack Kerouac tirou-a dobrou-a cuidadosamente e coloco-a por trás de um sofá. Mas a morte de Cassady era inimaginável. Neal Cassady tinha sido mais íntimo de Jack do que qualquer outra pessoa e, depois que se afastaram, ninguém ocupara seu lugar. Kerouac tomou uma bebedeira em Lowell, foi preso e passou a noite na cadeia, antes de sua família pagar a fiança para soltá-lo. A vida parecia castigá-lo outra vez, e achou melhor tocar adiante.

Jack Kerouac não tinha ideia de que escrevera um livro que ia fazer a cabeça de uma geração inteira. Pensava no livro, o que era típico dele, em termos inteiramente pessoais, como uma busca de sua “alma literária, afinal”. Ser o “Homero Hippie” era a última coisa em que pensou, mesmo tendo sido batizado assim pela revista Time, que considerou “degenerescência” a busca de “divertimentos dionisíacos” que movia os personagens membros de um “segmento desconjuntado da sociedade, entregue a sua própria necessidade neurótica”.

Em The Dharma Bums (algo como “os vagabundos iluminados”) reportando ao período de 1955-56 na Califórnia. O protagonista, o sereno Japhy Rider, inspirado num amigo de Jack, Gary Snyder, que estudou japonês e chinês, traduziu velhos poetas (como Han Shan, a quem Kerouac dedicou Dharma) e passou mais de uma temporada num mosteiro Zen. A paixão pelo Oriente e pela vida ao ar livre é descrita por Japhy Rider nesta incrível antecipação dos hippies e da contracultura dos anos 60:

... uma visão de uma grande revolução de mochilas, milhares ou até milhões de jovens americanos pela estrada com mochilas nas costas, subindo as montanhas para rezar, fazendo rir as crianças e fazendo contentes os velhos, fazendo as jovens felizes e as menos jovens mais felizes ainda, todos eles lunáticos Zen que saem por aí escrevendo poemas que lhes vêem à cabeça sem motivo algum e também por serem bondosos e por gestos estranhos e inesperados propiciam o tempo todo visões da liberdade eterna a todo mundo e a todas as criaturas vivas. - The Dharma Bums

Vinte anos depois que Neal Cassady levou Kerouac para a estrada, uma geração de astros do rock simbolizou sua busca de um estilo de vida que deixasse de lado o conformismo da América da classe média. Como disse Michael McClure do cantor Jim Morrison, que morreu de um ataque cardíaco em consequência da vida agitada, ele estava “ligado para partir”, como Dean Moriarty. Nas palavras de Kerouac em "On the Road", citadas frequentemente em revistas de rock e repetidas notas das capas dos discos:

Para mim, as únicas pessoas que existem são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, desejosos de tudo ao mesmo tempo, aqueles que jamais bocejam ou dizem um lugar-comum, mas ardem, ardem, como fabulosas velas romanas, explodindo como aranhas através das estrelas e no centro a gente vê o holofote azul pop e todos exclamam: ‘Awwwwww!’.

Dear Mr. Mliggiati
I received the page from the paper and I sorrowed that I couldnt read Portugese as well as I can read Spanish but got 50% of your meaning----It is only regrettable that you quote what other writer wich other interests say about me or the Beat generation----I assure you that the Beat generation is an honest movement and if the criticism is “Where are you going?” the answer is “We will get there.” Naturally. Some/day I will visit Brasil and see you, my dear sir, and look forward to it. If I get nowhere else, I’Will get to Brasil. Meanwhile continue with your work anda have faith in your own joylor maybe in your own joylessness. (in the Latin tradition) ...Lawrence Ferlinghetti and Allen Ginberg are going to Santiago Chile in February and will visit Brasil too...
But I am staying home to write a new novel. Salud, hombre
Jack Kerouac

Conteúdo do cartão datilografado e postado por Jack Kerouac em dezembro de 1959, em resposta a um artigo de Roberto Muggiati: “Eu tinha publicado um artigo fluvial no SDJB (o suplemento dominical - que saía aos sábados - do Jornal do Brasil), intitulado Jack Kerouac e as Crianças do Bop. Resolvi mandá-lo para Kerouac, no endereço da sua editora, sem esperar nenhuma resposta. Para minha surpresa, poucas semanas depois recebi um cartão, que acabou esquecido durante anos dentro de um exemplar de "Mexico City Blues". (...) O que me tocou no cartão de Kerouac é que ele foi postado às seis e meia da tarde, véspera do Natal. Será que o velho Jack não tinha coisa melhor para fazer naquele dia - logo ele, tão católico - do que mandar um cartão para um obscuro correspondente do outro lado do continente? Tudo, talvez, para garantir que ‘a Beat generation é um movimento honesto e, se a crítica é ‘para onde vocês estão indo?’, a resposta é: ‘Nós chegaremos lá’.”


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O herói de Kerouac
(José Thomaz Brum*)

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Foto: Neal Cassady & Ann Murphy: Larry Keenan

Para quem se deu ao trabalho de ler (ou experimentar) as trilhas abertas pela Beat Generation, a imagem banalizante rapidamente se dilui. O que surge é uma profusão de saídas e cruzamentos problemáticos espelhando as diferenças que enriqueciam o movimento. Saídas ecológicas e místicas (Gary Snyder) convivem com experimentos formais e devassidão (William Burroughs), poetas épicos e visionários (Allen Ginsberg) com dadaístas episódicos e eletrocutados (Carl Solomon).

São múltiplas as facetas desta geração que tinha como principal característica o desconforto em relação às formas de vida estabelecidas na América de sua época. Não é a geração do rock’n’roll, mas preparou-a e seduziu-a com seu programa de “mudar o ritmo da vida como o motorista muda as marchas do carro”. Grupo de escritores que sufocava com perspectivas menores que a imensidão das estradas, a Beat generation é uma singular mistura de literatura e intensidade vivida. Seu objeto, aquele que - para D. H. Lawrence - era o mais elevado: “Partir, partir, evadir-se... atravessar o horizonte, penetrar numa outra vida”. Seu nome principal, o autor da saga mitológica desta busca: Jack Kerouac. Seu mito antiliterário, Dean Moriarty ou, na vida real, Neal Cassady (1926-1968).

Neal representou para os beats um exemplo vivo de estilo de vida e pensamento arejado. Filho de um bêbado inveterado, foi criado entre vagabundos, pulando de reformatório em reformatório. Aos 21 anos, havia roubado 5.000 carros pelo simples prazer de joyride (passear de automóvel em alta velocidade ou sem a permissão do dono do carro). Este andarilho que fazia do corpo-a-corpo com a vida uma fonte de energia chegou, através de um amigo comum - Hal Chase - até Jack Kerouac que viu nele “o idealismo inconsciente e a alegria que venerava no coração da América”. Apresentado ao círculo beat (Ginsberg, Burroughs) nunca deixou de ser o que era: um D. Quixote insatisfeito. As cartas de Cassady a Kerouac, cheias de grafias incorretas, palavrões e frases contínuas, estão na origem da prosa espontânea do autor de On the Road. Uma, de 1947, apelidada de The Great Sex Letter, maravilhou Kerouac. Cassady dizia que a carta era para ser lida como “uma cadeia contínua de pensamento indisciplinado”. Foram os rabiscos, as garatujas de Cassady, que deram a fórmula para Kerouac “capturar a experiência moderna em palavras”.

Com a publicação de "Howl" de Ginsberg (1956) e de "On the Road" de Kerouac (1957), Cassady passou de lenda underground a figura de culto nacional. O herói de On the Road, Dean Moriarty (também aparece em The Dharma Bums, Desolation Angels, Big Sur e Book of Dreams todos de Kerouac, como Cody Pomeray) era a personificação do vagabundo Neal, “que seguia toda estrada que aparecia”.

(...) O menos literato dos beats escreveu um único livro, relato autobiográfico que ficou anos esquecido em gavetas. Encontrado em 1969 e publicado em 1971 pela City Lights Books de Lawrence Ferlinghetti, teve sua versão definitiva dez anos depois, com a inclusão de um Prólogo onde Cassady conta a história de sua família. É esta edição que agora é apresentada ao leitor brasileiro pela L & PM editores. Ela contém, além da narrativa da vida errante de Neal até os 8 anos de idade (O Primeiro Terço propriamente dito), aquilo que, na verdade, é o material mais interessante: cartas de Neal Cassady a Jack Kerouac. Nesses textos, pode-se ter uma ideia do fio tênue que Kerouac construiria entre a literatura e a dicção rabiscada, escrevinhada. Leiam uma dessas frases nervosas e misturadas. Talvez em algumas delas se possa entender o que o filósofo Gilles Deleuze quis dizer a respeito de Kerouac: “Suas frases são tão sóbrias quanto um desenho japonês... era preciso um verdadeiro alcoólatra para chegar a esta sobriedade”.
“Vendo fotos de Cassady, vejo que ele nunca parou de correr, nunca diminuiu a marcha. Ele deve ter percorrido aquela estrada de ferro em San Miguel de Allende quando ele descarrilhou. E agora, nunca envelhecerá, sempre se parecerá com Paul Newman em The Hustler. O caubói perdido, na última fazenda, que se tornou uma freeway. Seus cavalos sãos os carros. Ele nunca parou nos semáforos e só deu passagem para os amantes. Falando sem parar a noite inteira. Eu ouço o seu monólogo gesticuloso. Vejo ele chicoteando morro acima, um lampejo sobre o crânio. Ele será sempre jovem e barulhento em nossos corações”. (Lawrence Ferlinghetti)

*Ideias/Jornal do Brasil, 8 nov. / 1986.
*PUBLICADO NA REVISTA PSICODÉLICA ‘DE QUANDO O ROCK ERA CONTRACULTURA’ VOLUME I


Jan Kerouack contesta testamento do pai

Em maio de 1994, Jan Kerouac, a filha do escritor Jack Kerouac entrou na Justiça americana para provar que foi trapaceada ao não ser incluída em um testamento como herdeira do pai.

Jan Kerouac afirmou que o testamento de sua avó e herdeira da maior parte do patrimônio do escritor beat, Gabrielle Kerouac, foi forjado por Stella Sampas, a terceira mulher de seu pai.

O advogado de Jan, Thomas Brill, sustentou que exames grafotécnicos comprovam que o testamento de Gabrielle deixando sua herança para Stella é uma fraude.

Quando a mãe de Kerouac morreu, em 1973, a herança era avaliada em US$ 53 mil, mas os bens pessoais e manuscritos do autor têm valor inestimável hoje.

Jack Kerouac morreu aos 47 anos em 1969, de uma hemorragia intestinal causada pela bebida, deixando US$ 91,00 para seus herdeiros.

Jan Kerouac não havia contestado o testamento até tomar conhecimento, no início de 1994, que a família de Stella Sampas, morta em 1990, estava “dilapidando o patrimônio” do pai, segundo afirmou em entrevista.

A família Sampas estaria ignorando ofertas milionárias de universidades americanas para comprar manuscritos do escritor porque poderá obter mais dinheiro vendendo os volumes em separado.

Segundo Gerald Nicosia, biógrafo de Kerouac, o ator Johnny Depp (de "Eduardo Mãos de Tesoura"), teria pago US$ 50 mil à família Sampas por uma capa de chuva que pertenceu ao escritor. O manuscrito de On the Road estaria sendo vendido por US$ 1,1 milhão.

Jan Kerouac não contesta o testamento pelo dinheiro, mas para honrar o desejo do pai de deixar seus trabalhos para escolas e universidades.

*PUBLICADO NA REVISTA PSICODÉLICA ‘DE QUANDO O ROCK ERA CONTRACULTURA’ VOLUME I

 

 

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