MÁRIO FAUSTINO, O HOMEM E SUA HORA

Mário Faustino – o homem e sua hora no Sarau da Feira
(Texto: Ronaldo Quadros)



“...poesia e vida minhas deverão seguir paralelas,
até que a morte nos separe...”. (Mário Faustino)


A vida de Mário Faustino, poeta, crítico e tradutor que cantou a morte em versos, foi tema do Sarau da Feira, dentro da programação do último dia da VIII Feira Pan-Amazônica do Livro.

25 set. / 2004 - Após o Sarau, a Secult lançou, em seu estande, o livro Mário Faustino: poesia e experiência. A biografia foi escrita pela poetisa e Doutora em Estudos Literários, Lilia Silvestre Chaves.
Mário Faustino publicou apenas um livro de poemas, "O homem e a sua hora" (1956). O poeta nasceu em 1930, em Teresina, mas logo transferiu-se para Belém. Ingressou no jornalismo aos 16 anos, publicando crônicas e poemas no suplemento literário do Jornal 'A Folha do Norte'. Interrompeu o curso de Direito na Universidade Federal do Pará para estudar Língua e Literatura Inglesa no Pomona College da Califórnia (1951 e 1952).

Chefiou o setor de imprensa do Plano de Valorização Econômica da Amazônia até 1956. Já no Rio de Janeiro foi professor da Escola de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas, entre 1956 e 1958. Nesse período é que dirigiu a página de poesia do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Foi funcionário da ONU (1959-1960), retornando depois ao jornalismo.
A morte tão cantada em seus versos chegou quando Mário Faustino seguia para o exterior a fim de escrever reportagens especiais sobre Cuba, México e Estados Unidos para o JB. O avião em que viajava explodiu perto de Lima, caindo sobre os Andes (Cerro de los Cruces). Mário Faustino havia completado 32 anos de idade.
O livro tem um trabalho gráfico primoroso de Paulo Afonso Campos de Melo. A morte prematura do poeta o inscreveu, definitivamente, na tradição literária romântica do país.


'De Anchieta aos Concretos': obra compila textos publicados em jornal
(Fábio de Souza Andrade - Especial para a Folha*)


A face pública e militante do poeta-crítico piauiense Mário Faustino (1930-1962) cresceu no rastro do tumultuado casamento entre poesia e jornal, duas naturezas antípodas, em tese, que prosseguem juntas reconciliadas à força pelos amigos comuns.
Em meio à agitação promissora do fim dos anos 50, Faustino criou e sustentou uma página célebre no Suplemento Dominical do "Jornal do Brasil", exclusivamente dedicada à discussão de poesia.
O resultado pode ser avaliado em "De Anchieta aos Concretos", segundo volume de suas obras completas, organizadas por Maria Eugênia Boaventura, que mostra exemplarmente o que foi "Poesia-Experiência", publicada entre setembro de 1956 e janeiro de 1959.
Lá, o leitor vai encontrar a disposição onívora do jovem crítico, bem formado, atirando em todas as direções, apostando numa intervenção quase terrorista para alargar o horizonte do debate literário local. As armas eram emprestadas do método poundiano: a tradução como crítica e a citação como procedimento de base.
A ambição máxima, para o bem e para o mal, refletia-se no amplo espectro de autores abordados (cobrindo a totalidade da história literária brasileira, como indica o título do volume, e ocidental, com ênfase na modernidade) e na variedade de seções da página, voltadas simultaneamente para uma divulgação dos clássicos, locais ou não, para a discussão de poéticas das mais variadas e da produção contemporânea.
Na tranquilidade da releitura atual, longe do clima polêmico e repleto de promessas do país naqueles anos, o salto para o livro destaca virtudes e vícios que o calor da hora disfarçava. A pressa e a coragem críticas ficam ainda mais evidentes, vazadas em um estilo repleto de juízos taxativos, impossíveis de fundamentar melhor ou detalhar na concisão do jornal.
Essa pontificação traduzia uma necessária impaciência com o diletantismo desinformado ou a ação entre amigos, dominantes na recepção jornalística da poesia.
No entanto também levava a quadros estrategicamente caricatos, fazendo tábula rasa, por exemplo, da excelente crítica de rodapé contemporânea, no empenho legítimo de criar o próprio espaço, renovador (quando reconheceu de imediato a importância do grupo concretista), ou reclamando um Drummond mais atuante na vida literária propriamente dita.
Certamente os avanços da recepção crítica especializada, o deslocamento do debate para novos espaços (como a universidade e as várias revistas de poesia), levam-nos a rejeitar aspectos essenciais de sua versão interessada da história da poesia brasileira (como a equivocada valorização da originalidade na leitura da poesia colonial, por exemplo).
Hoje, sorrimos diante da grandiloquência messiânica, mais do que ocasional, do estilo e de algumas das apostas em nomes novos. Nada mais leviano. Faustino pagava o preço dessa exposição conscientemente, e o saldo foi uma conquista: assinalar publicamente, em território acolhedor, mas veladamente hostil, o jornal, a seriedade do assunto a que dedicou a breve vida, a poesia.
    
O leitor jovem ainda encontrará nele um propiciador de encontros, um rascunhador de possibilidades entrevistas, um semeador, enfim.


*Fábio de Souza Andrade é professor de teoria literária na USP, autor de "Samuel Beckett - O Silêncio Possível" (Ateliê) e "O Engenheiro Noturno - A Lírica Final de Jorge de Lima" (Edusp).


De Anchieta aos Concretos: Poesia Brasileira no Jornal
Autor: Mário Faustino
Organizadora: Maria Eugênia Boaventura Editora: Companhia das Letras (542 págs.)
(© Folha de S. Paulo)




A obra de Mário Faustino, maior do que a vida
Reedição de seus poemas foi organizada pela prof. Maria Eugenia Boaventura
( Régis Bonvicino - Especial para o Estado)


Mário Faustino – um dos mitos “secretos” da poesia brasileira – nasceu em 1930, em Teresina, e morreu, num desastre aéreo, em 1962. Residiu em Belém do Pará, onde se formou intelectualmente, e mudou-se, nos anos 50, para o Rio de Janeiro, onde faria história, como poeta, crítico e jornalista – na condição de editor da lendária página Poesia-Experiência do Jornal do Brasil (1956/1959).

Publicou um único livro em vida, intitulado O Homem e Sua Hora, em 1955, pela editora Livros de Portugal (RJ), que, agora, se reedita, com organização de Maria Eugenia Boaventura, com o acréscimo dos mesmos poemas dispersos, como nas edições anteriores, mas com outra ordenação, e alguns inéditos, num dos lançamentos recentes mais importantes.

A organizadora optou por deixar para outro volume, ao contrário do que fez Benedito Nunes (Poesia Completa/Poesia Traduzida, Max Limonad, 1985), textos que Mário traduziu, o que, a meu ver, embora empreste maior nitidez à sua produção estrito senso, retira-lhe fontes e diálogos e lhe confere, digamos, certa parcialidade uma vez que o tradutor excedia-se e transformava as traduções em verdadeiros originais. Há outros pequenos reparos que se podem fazer à organização, como o de titular peças que Faustino deixou sem título, como Soneto Marginal (“ressuscitado pelo embate da ressaca”). Estampa-se, neste novo volume, um texto inédito de Nunes, A Poesia de Meu Amigo Mário, onde o excepcional ensaísta paraense, entre outros pontos, compara a versão publicada em 1955 do poema Vida Toda Linguagem com o seu rascunho, dado, pela primeira vez, a público em livro – num jogo fascinante de interpretação e fixação da poética faustiniana: “... Trata-se de uma metáfora expansiva tanto do poema quanto do poeta: aquele é um todo vivo, orgânico, produzindo-se por transfusão da vida em linguagem”, ou “... a poesia como linguagem menos discursiva possível, que apresenta em vez de representar o objeto, e a esse título constituísse uma forma de experiência e de conhecimento da realidade...”.

Vida breve, arte longa. Relendo os poemas e refletindo sobre fatos trazidos à tona por Boaventura em sua nota introdutória (“...a constante disponibilidade para recomeçar, sem levar em conta as dificuldades circunstanciais, e a vontade de ampliar o horizonte intelectual são a marca do percurso faustiniano...”), ocorre-me dizer que Faustino foi quase uma espécie de Rimbaud, não só pela coincidência homossexual como pela precocidade de suas qualidades e inovações e pela precocidade com que se desencantou da própria poesia e da atividade crítica (muito contundente para o País, o que talvez lhe tenha retirado espaços por aqui), buscando novas searas, como a de funcionário da ONU, por ocasião de sua morte, na queda de um avião nos Andes peruanos.

Contrastes – A peça Prefácio, que inaugura O Homem e Sua Hora, já traz, em seu verso final, a sina de vida breve: “... Quem fez esta manhã fê-la por ser / Um raio a fecundá-la, não por lívida / Ausência sem pecado e fê-la ter / Em si princípio e fim: ter entre aurora / E meio-dia um homem e sua hora.” Faustino não passou do meio-dia da existência e assim mesmo deixou, não em extensão, um dos melhores conjuntos de poemas escrito na segunda metade do século 20.
Peças antidiscursivas mas carregadas de maestria verbal e pensamento. Poética de contrastes, de amor e morte: “... Dize a eles que tombam / como chuvas de sêmen sobre campos de sal / sem mancha, mas terríveis / que desçam sobre a urna deste olvido / e engendrem rosas rubras...”. O paradoxo de sêmen e sal.

É a técnica da concórdia discor de que fala Nunes, ou seja, não representar a vida por meio de palavras mas apresentá-la, explicitá-la em sua ambigüidade e fugacidade e, simultaneamente, em sua concretude possível. Leia-se: “... O saltimbanco, / Mirando-se nas poças, rejubila. / E ressoa na flauta de anteontem / O repouso de um pântano...”. Ou ainda como no poema Mito: “... O Fazedor anula / o inferno que o refina...”. Há diálogos evidentes de Faustino com Fernando Pessoa e, no caso, também pela coincidência homossexual, como Mário de Sá-Carneiro: “... E ninguém fere a lira e as palavras que acordo / Marcham turvas, sem som, rumo à cova do olvido”. Dodecassílabos ambos os versos, imageticamente vinculados ao futurismo-simbolismo dos portugueses.

No presente volume, organizado por Boaventura, as peças coletadas em Fragmentos de uma obra em progresso (1958/1962) – que são as partes do longo poema que Faustino queria escrever à base do Orfeu, de Jorge Lima, e de Os Cantos, de Ezra Pound – seu principal modelo de atuação poética – já revelam, em relação a O Homem e Sua Hora, maior despojamento e concisão e um apuro no jogo entre arcaico e coetâneo, evidentemente sob o impacto do movimento da poesia concreta, com o qual embora não tenha expressamente aderido dialogou com franqueza, numa troca, que enriqueceu os dois lados. Sem abandonar o caráter barroco de sua poesia, concordância discordante, e sua exuberância léxica, Faustino torna-se mais seco e mais desencantado, ainda. Num fragmento que se inicia “Trabalha: / Bela cabeça...” medita sobre as possibilidades e necessidade da poesia, num Brasil que se vai industrializando, sob o pretexto de retratar uma baía e seus movimentos de navio: “... a vela no cabo ao longe / (...) / evidente na terra longe / promontório apontado para / o futuro de todos os homens...”. Na estrofe seguinte, aprofunda o contraste entre o presente e o passado: “Sobre filões de ouro as proas / sepultando o passado ...”, para se apresentar ele mesmo poeta – numa metáfora – como um pavão e afirmar: “algures num jardim nalguma noite existem / pavões ainda / solitários passeiam / altivos param / diante do resto: um só espelho, o resto / do mundo/ refletindo um pavão e seu absurdo”. Aí está feita a denúncia, num tom existencialista, do desencontro entre a poesia, narcísica, e a “prosa do mundo”. Desencontro que, em Mário Faustino, torna-se grande, tal como em Rimbaud.

     *Régis Bonvicino é poeta, autor, entre outros, de “Hilo de Piedra” (2002) e ‘Lindero Nuevo Vedado’ (2002)
     (© O Estado de S. Paulo, 02.02.2003).

 

Mario Faustino00
Foto: http://www.elfikurten.com.br/2013/08/mario-faustino-o-lapidador-de-palavras.html


Faustino deixa assinalada na imprensa seriedade da poesia*


SONETO II

Necessito de um ser, um ser humano
Que me envolva de ser
Contra o não ser universal, arcano
Impossível de ler

À luz da lua que ressarce o dano
Cruel de adormecer
A sós, à noite, ao pé do desumano
Desejo de morrer.

Necessito de um ser, de seu abraço
Escuro e palpitante
Necessito de um dormente e lasso

Contra meu ser arfante:
necessito de um ser sendo a meu lado
Um ser profundo e aberto, um ser amado.


      *A morte na poesia de Faustino (Ramsés Ramos - Correio Braziliense, 22 out. / 1994).

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