WALY SALOMÃO: RESISTÊNCIA ANTROPOFÁGICA (2009)
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Waly Salomão: resistência antropofágica (Mário Pazcheco)
Nascimento: 1944
Local: Jequié - Bahia
Óbito: 5 mai. / 2003
Local: Rio de Janeiro - RJ
Se me der na veneta, eu vou./ Se me der na veneta, eu mato./ Se me der na veneta, eu morro./ E volto pra curtir./ Se chego num dia não/ E se pintar um bode,/ Eu vou, eu mato, eu morro e volto pra curtir (Jards Macalé/Wally Sailormoon)
Sou sírio. O que é que te assombra, estrangeiro, se o mundo é a pátria em que todos vivemos, paridos pelo caos?
QUEM COMPROU, COMPROU. QUEM NÃO COMPROU, DANÇOU
Com este chavão popularesco, o poeta, produtor, interventor, agitador, entrevistador, letrista, editor; Waly Salomão, respondia às investidas que cobravam-lhe a reedição do seu livro Me segura qu’eu vou dar um troço da extinta coleção corda-bamba. O livro resultado de uma quarentena forçada devido a um flagrante na Paulicéia Desvairada foi vivido e repassado nas paredes do Pavilhão Dois em Carandiru. Me segura qu’eu vou dar um troço, foi paginado e diagramado por Hélio Oiticica de quem Waly seria amigo por toda a vida...
Waly era a sombra do sol do meio-dia invadindo territórios cercados - sua voraz inteligência e a sua atuação frente às câmeras nos despertava a atenção - pois, à qualquer momento, Wally poderia escapar ao controle do tubo e conquistar novos territórios devolutos de audiência.
Amigo e cúmplice do universo de Hélio Oiticica, muitas vezes Waly o acompanhou em suas incursões ao Morro da Mangueira e aos antigos cabarés da Lapa. Certa vez no Mangue carioca, num quarto de um travesti, Wally e Hélio Oiticica estão escondidos no armário e veem: o travesti e o cliente na cama e uma mulher que bate na porta com estrondo e grita: “Isso é um absurdo! Pouca vergonha!”. Assustado, o cliente se arruma, sai correndo e deixa a carteira com o dinheiro.
A partir de 1971, o ainda Waly Sailormoon faz com Jards Macalé várias composições, "Mal Secreto", "Anjo exterminado", "Rua Real Grandeza", "Dona do castelo", "Revendo amigos" (enviada doze vezes para a censura), "78 rotações", "O senhor dos sábados", "Ponte de luz", e "Vapor Barato", que 'todo mundo' tocava ao violão. Parecia o hino de um pobre Woodstock caboclo. O primeiro registro é deste ano, na voz de Gal Costa.
— Começamos a trabalhar exatamente naquele período que marcava um vazio depois do AI-5, depois de tudo o que foi o tropicalismo em 1968 e que foi cortado violentamente no final daquele ano. 69 começava como um período de esmagamento total, vindo de cima, do poder. A gente conversava muito e eu ficava incitando Macalé a quebrar os vínculos como remanescentes da bossa nova ou então com a música de concerto, com aquele perfeccionismo. Insistia na necessidade dele criar um espaço próprio. Isso era fundamental naquele momento - uma voz que continuasse cantando e mantivesse acesa a chama. Nessa época escrevi e Macalé musicou Vapor Barato, de letra oposta à tendência liricista e nebulosa que predominava. Era direta, frontal, dizendo o que era possível naquele momento de desencanto.
Neste ano, no morro de São Carlos conheceu e incentivou as composições de Luiz Melodia e ainda por sua sugestão, Melodia trocou o título de "My black" para "Pérola negra", o nome de um homossexual do Estácio. Nesse mesmo ano, Wally apresentou a música de Melodia a Gal Costa, que a incluiu em seu show Fa-tal, Gal a todo vapor e, posteriormente no LP do mesmo nome. “Pérola negra” estourou nas paradas de sucesso: um acontecimento definitivo na vida artística de Luiz Melodia.
Em 1972, Waly e Torquato Neto referências constantes na produção literária do desbunde, criam a emblemática revista Navilouca, somente publicada depois do suicídio de Torquato Neto com financiamento de Caetano Veloso.
— Torquato Neto foi um pássaro de fogo, naquele sentido do Stravinsky, de iluminação e queima, ao mesmo tempo. Teve a visão mais radical da Tropicália, suas letras eram verdadeiros manifestos, um ideólogo com roteiros culturais amplos, capaz de misturar títulos de romance vulgar (cita Elzira, a Morta Virgem, de Mamãe Coragem) e repertório erudito, de Soussandrade (‘desafinar o coro dos contentes’, de Let’s play that) e Décio Pignatari (Geléia Geral). Ele tinha uma dose muito grande de antropofagia acompanhada de outra, de igual intensidade de autofagia. Waly Salomão.
Enquanto Waly voltou da América e aprendia a fabricar árvores anãs e jardinagem no interior da Bahia, ele organizou e editou o livro ‘Os últimos dias de paupéria’ com textos inéditos de Torquato Neto e de artigos já publicados na imprensa do país.
Ainda da inter-relação Macalé-Waly resulta em 74 o LP Aprender a nadar, lançado pela Philips: “Macalé apresenta Sailormoon’s, linha de morbeza romântica” (neologismo de Waly: soma de “morbidez” com “beleza”). Segundo Waly, a idEia de morbeza romântica era para definir, identificar uma linha de ação, como uma estratégia da qual depois se larga e se busca outra. Nela se incluem: "O faquir da dor", "Rua Real Grandeza", "Anjo exterminado" e "Dona do castelo". Com a morbeza romântica, Macalé e Waly retomaram sob outra dimensão a dor-de-cotovelo.
Seu trabalho mais famoso com Caetano Veloso, além da viagem de aiuasca, foi a coletânea de textos "Alegria, alegria", com capa feita por Dedé e organizada por Wally e editada pela sua editora Pedra Q Ronca.
Nos anos 80, Waly escreveu "Gigolo de bibelôs" que fez sucesso e retomou as parcerias musicais com Lulu Santos, Cazuza e Roberto Frejat. Dirigiu shows de Marina Lima, Zizi Possi, Cássia Eller e por último Adriana Calcanhotto para quem vendeu uma escultura de Lygia Clark.
Em 1988, morreu a artista plástica Lygia Clark, ela foi a primeira a dizer a Waly que seu livro, Me segura qu’eu vou dar um troço, era muito denso.
Em 1992, Waly e Gal brigam. No meio de 1993, Wally Salomão, lança Armarinho de miudezas, um livro sem gênero com páginas rememorativas sobre a Tropicália e Torquato Neto e Hélio Oiticica.
Dois anos depois Waly Salomão apresentou um texto de sua autoria no ciclo de debates dos 35 anos do Caderno B do Jornal do Brasil: ”...Se arrependimento matasse eu já estaria morto... equilibrando-me sempre à beira da inadimplência, labutando pelo leite dos meninos etc. e tal. (...) “Se bem que o mais das vezes, sinto-me mesmo é um homem sem profissão ao modo do antropófago Oswald de Andrade. Caí de pára-quedas no debate JB. Quando convidado, quis desistir, mas era tarde demais, e então enfrento a parada com o peito aberto sem estar estufado, mas minha memória conta os versos cívicos daquele hino: ‘verás que um filho teu não foge à luta’. Que Alah me perdoe e nos ilumine”. Rio de Janeiro, 14 de setembro de 1995.
Em 1996, no livro "Algaravias", Waly Salomão levou dois prêmios: o Jabuti de 1997, concedido pela Câmara Brasileira do Livro, e o Alphonsus Guimaraens, oferecido pela Biblioteca Nacional. Waly Salomão também participa da seleção de textos de Hélio Oiticica em ‘Aspiro ao grande labirinto’ e publica a biografia do artista plástico, Qual é o parangolé?
A 22 de abril de 1998, 66 dias depois de morrer do coração, Wally Salomão, lança um novo livro, Lábia pela Editora Rocco. Em fevereiro, aos 54 anos, Wally sofrera um infarto. A casa de Caetano Veloso e Paula Lavigne, na Bahia foi o estaleiro de Wally onde na rede o poeta ficava lendo Verdade tropical, o livro de Caetano, onde ele é personagem. Gal e Waly fazem as pazes.
Em Lábia, o autor dá continuidade ao trabalho poético do livro Algaravias, no qual afirmava que "a memória é uma ilha de edição". Seu trabalho de corte e colagem faz um cuidadoso reprocessamento poético de diversos elementos: da violência à tecnologia, da catarse à serenidade. "O título Lábia é uma provocação, uma isca para o leitor. Minha poesia está cada vez mais construída e elaborada - e menos montada sobre a verve verbal. Me considero quase antítese da escritura automática dos surrealistas", afirma o autor.
O livro conta com um capítulo intitulado Post-mortem, realizado depois que o poeta foi submetido a uma angioplastia. Nela, Waly Salomão rompe com o que ele denomina de "vidinha literária": Que durante o resto de tempo que me é concedido viver / e na hora H da minha morte / estampada na minha face esteja a legenda: / O que amas de verdade permanece, o resto é escória.
Em 2.000, Wally Salomão lança o livro Tarifa de Embarque.
Cinco anos depois, da biografia de Hélio Oiticica - "Qual é o parangolé?", a 27 de maio de 2001, Wally juntamente com Adriana Calcanhotto fazem um ‘happening’ no Espaço de Instalações Permanentes do Museu do Açude, no Alto da Boa Vista, onde se inaugurava a obra de arte de Hélio Oiticica batizada de Penetrável Magic Square n°5.
No cinema, em 2002, Waly interpretou o poeta Gregório de Mattos num filme de Ana Carolina sobre o poeta barroco baiano.
A convite do produtor cultural Ivan "Presença", Waly Salomão, lançaria em Brasília seu último Mel do melhor. Do filho de pai sírio, mãe sertaneja, marido de Marta, pai de Khalid e Omar, diretor social do grupo ‘Afro-Reggae’ e secretário do livro e da leitura do Ministério de Gilberto Gil fica o alerta para que não se transformem suas litigantes experiências em obras póstumas que a exemplo de Torquato Neto, Ana Cristina César e Paulo Leminski obstruam o surgimento dos novos;
Vapor barato
(Jards Macalé - Waly Salomão)
Oh, sim, eu estou tão cansado
Mas não pra dizer que não acredito mais em você
Com minhas calças vermelhas
Meu casaco de general
Cheio de anéis
Vou descendo por todas as ruas
E vou tomar aquele velho navio
Eu não preciso de muito dinheiro
(graças a Deus!)
E não me importa Honey
Oh me away baby baby honey baby
Oh, sim, eu estou tão cansado
Mas não pra dizer que eu estou indo embora
Talvez eu volte um dia
Eu volto
Mas eu quero esquecê-la
Eu preciso
Oh, minha grande, oh minha pequena
Oh, minha grande obsessão
Oh me away baby baby honey baby
POEMA:
Exterior
(Wally Salomão)
Por que a poesia tem que se confinar?
às paredes de dentro da vulva do poema?
Por que proibir à poesia
estourar os limites do grelo
da greta
da gruta
e se espraiar além da grade
do sol nascido quadrado?
Por que a poesia tem que se sustentar
de pé, cartesiana milícia enfileirada,
obediente filha da pauta?
Por que a poesia não pode ficar de quatro
e se agachar e se esgueirar
para gozar
- carpe diem! -
fora da zona da página?
Por que a poesia de rabo preso
sem poder se operar
e, operada,
polimórfica e perversa,
não pode travestir-se
com os clitóris e balangandãs da lira?
Me segura q’eu vou dar um troço
(Waly Sailormoon*)
CINEMEX: FINALE: 3 Killings arrastando 3 caixões (squifes) – caixão e vestimentas dos 3 k marcados com uma ASA DE MORCEGO – descem vagarosamente a rua paralela à av. Consolação. Um cachorro passa com um coração sangrando na boca. Panos pretos nos postes das casas com marca da Asa de morcego. Coroas de defuntos espalhadas pelo chão. Flores. Tapetes de flores e coroas de defunto. Alguém rezando de cabeça meio baixa, um Killing com uma espada na mão já para decepá-la. Tua face é como um rio com luzes. Um Killing recolhe as caveiras e tíbias espalhadas pelo chão e vai colocando numa tina já cheia. Um sino amarrado à uma árvore e dois k balançando (som: sirene rp). Tua face é como um rio com luzes diz o amante à mulher amada e se suicidam antes de serem mortos. Os dois corpos são arrastados pelo K para junto da tina de ossos. Um estranho ritual. Um Killing com uma espada na mão. Um Killing com uma caveira na mão. Um Killing com uma bandeja na mão.
*TEXTO TRANSCRITO DO LIVRO ‘OS MORCEGOS ESTÃO COMENDO OS MAMÃOS MADUROS” DE GRAMIRO DE MATOS OU ramirão ão ão. 1973, Livraria Eldorado Tijuca