Rock Brasília e suas falsas origens
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Aerobus, Metal Livre, Deuses Verdes, Crematório, Infame, Corpo de Delito, Tubo de Ensaio, Frutos do Meio, Karnak (Sobradinho), Cordeiros de Deus, Krisma, Abomination, Nefelibatas, Orion, Rebel, Diário Oficial, Estranhos Hábitos, Clínica Geral, Lisarb, Excalibur, Concorde, Desintegration, Cluelty, Baseado no Rock, Anima Verba, Torino, Arsenal, Futum, Entulho Cotidiano...
AS ALEGADAS FALSAS ORIGENS DO ROCK BRASÍLIA
Por Mário Pazcheco
No coração do Goiás, em 1957, um "Elvis" peculiar alçou voo rumo à capital. Um pássaro preto, a graúna canora, com seu repertório de uma hora, seria a improvável primeira manifestação do rock em Brasília.
Mas a melodia rebelde também sintonizava nas ondas do rádio, na voz de locutores como Neci, tecendo outra possível trama para o nascimento do rock na cidade.
A primeira geração do rock candango pulsava nas bandas de baile, nos palcos fumegantes da Boite Tendinha (Hotel Nacional) e nos obscuros "inferninhos" da W3 Sul. Dessas atmosferas noturnas emergiram os Matusquelas e o Placa Luminosa.
Os ídolos da Jovem Guarda ecoavam na TV Brasília, escoltados por esses músicos de bastidores. O "Tremendão" Erasmo Carlos dividia o microfone com Castello, um jornalista roqueiro, um Elvis e Chuck Berry do Planalto, que riscava o asfalto da capital em sua Harley Davidson, adornado apenas em couro.
E na vanguarda, o inconfundível Badu!
Em tempos de pesadas taxas de importação, as guitarras eram genuinamente made in Brazil. E para saciar a sede sonora da cidade, uma banda de baile se desdobrava em várias outras. Raulino foi o maestro silencioso, fundamental na orquestração do rock em Brasília.
Os rituais sonoros da juventude aconteciam nas matinês vibrantes do Clube Primavera, Clube dos 200 e nos palcos dos clubes do Setor de Clubes.
A Concha Acústica, em sua estreia em 1971, durante o transe sonoro dos Mutantes, presenciou a transgressão de Rita Lee, que libertou a erva, banida por uma década. Dez anos depois, em 1981, no Rock Cerrado, foi a vez de Raul Seixas incendiar a atmosfera e alugar a Península dos Ministérios.
Na crônica do rock, os sobreviventes da década de 70 que ainda ecoam são: Ligação Direta e Mel da Terra. No panorama da música popular brasiliense: Rênio Quintas, Renato Matos, Toninho Maia, Beirão, Tonicesa Badu e Liga Tripa. E muitos outros, claro.
Para que a melodia não se torne injusta, as bandas setentistas – A Brisa, A Margem, A Nata, Biscoito Celeste, Carênciafetiva, Grupo Saga (com o saudoso e glorioso ator Aloísio Batata), O Bueiro, O Portal e Sol Noturno – não atravessaram o portal da década de 80!
Em meio a essa tapeçaria sonora, Serginho Pinheiro, a voz do Mel da Terra, foi o farol que iluminou minhas lembranças do rock setentista na cidade.
Da década de 70, apenas o progressivo visceral do Tellah e o folk jovial do Mel da Terra ousaram lançar seusManifestos sonoros no início dos anos 80, com apresentações que ecoavam esporadicamente.
ANOS 70 / UnB: O Germe Progressivo
"O Portal foi uma banda de rock progressivo de Brasília, nos anos 70, que tecia suas próprias canções. A tripulação sonora era formada por Luiz Carlos Maranhão (Kuenca) nos teclados e vocal, Reginaldo Maranhão na bateria, Zé Ângelo Amado no contrabaixo e Tetê Catalão nos efeitos e vocal. Uma de suas odisséias musicais, "Os Campos Hoje Tornam-se Verdes", era um hino à ecologia, ao naturalismo e um chamado à espiritualidade, em tempos onde a Terra ainda não clamava por socorro. Kuenca trilhou os caminhos da biomedicina na UnB e hoje cuida do saneamento básico do DF. Zé Ângelo desvendou os mistérios da engenharia elétrica e trabalhou na Embratel, Ministério das Comunicações, Anatel e Telebrás. Tetê Catalão hoje narra histórias como jornalista e escritor. Todos permanecem em Brasília, testemunhas do tempo. O paradeiro de Reginaldo permanece um eco distante. Outra banda contemporânea navegava sob o nome de A Margem." (José Ângelo Amado)
CRONOLOGIA SONORA: MARCOS E RUIDOS
1975: Biscoito Celeste ecoa no Festival Banana Progressiva em São Paulo.
1976: O som cósmico do Tellah irradia de CeuB.
6 DE DEZEMBRO: ROCK DIPLOMÁTICO DO TELASIS
"Naquele 6 de dezembro de 1976, Brasília testemunhou o nascimento profissional de um conjunto de rock com laços que balançariam até as estruturas do Itamaraty. Filhos de diplomatas teciam suas melodias rebeldes... O nome do supergrupo permanece um mistério, mas o registro inédito do rock Brasília resiste ao apogeu da 'picada', digo, ditadura." (Jornal de Ibrahim Suede/O Globo)
GARAGEM: O BERÇO DA CONTRACULTURA (1977 - 1982)
Não podemos silenciar os brados de Ratos de Brasília, Cogumelo Atômico e Espaçonave Guerrilha, que incendiaram o punk em Taguatinga-DF!
Mas a memória popular reverbera apenas os acordes de Capital Inicial, Legião Urbana e o peso do heavy metal. O restante... escorre pelos ralos da história.
A esperança reside nos fantasmas sonoros de nossa geração perdida, para que esta história seja finalmente impressa. Recorro até aos sussurros do além...
1977: Liga Tripa, Sepultura, Ligação Direta (e o transgressor Marciano Sodomita do Guará). Ninguém possuía instrumentos...
"Quanto à canção do Marciano Sodomita, “Você é minha paranoia”, um hino sexual e transgressor... Quem, em meio à volúpia, não pensou em 'cagar em cima de você'? Um verso caótico, à la Caetano..."
1978: ALGO PODRE NO AR
Feto Podre (Sobradinho), apesar do nome visceral, exalava o Rhythm and Blues de Janis Joplin. E a energia crua do Aborto Elétrico ecoava na cidade.
1979: A sonorização cinematográfica de Som Pardal 2000 watts.
“Som Pardal... A primeira firma de som profissional de Brasília. Pardal, um dos meus primeiros mestres. O eco nascia das fitas de rolo.” (Sérgio Pinheiro)
O palco alternativo do Galpãozinho.
BANDAS MÍTICAS: Loddo (entorno), o visceral Feto Podre (Sobradinho desde o fim dos anos 70) e a lendária Aborto Elétrico. Do Gama ecoavam Fungos and Bacterias e o Buraco Negro (com o vocal de Lucky).
ANOS 80: A EXPLOSÃO E A CONSOLIDAÇÃO
1980: Cabeças, Mel da Terra, Ciclovia, Pôr do Sol, Banda Grande Circular, Grupo Chackra, Nossa Amizade.
1981: Udyiana Bandha, XXX, Blitx 64, Plebe Rude.
1982: Capacetes do Céu, Erva Maldita, Ratos de Brasília, Espaçonave Guerrilha, Cogumelo Atômico, Extremo, Fusão, Nirvana, Legião Urbana, Capital Inicial, Bambino e os Marginais, Diamante Cor-de-rosa, Peter Perfeito.
"No Fusão, um guitarrista magistral, Renato, com a alma de Jimmy Page! E Marco Canto, que nome!, um cantor fenomenal. O Extremo ostentava a criatividade 'phodda' do guitarrista Cécé! O Nirvana reverenciava Randy Rhoads nos palcos! Fejão, o guitarrista com a velocidade do Oeste! O Fusão rumava para Los Angeles... mas essa é outra sinfonia."
1983: Detrito Federal.
1984: Akneton, Lado A, Escola de Escândalo, Guilherme Lassance, Miltinho Guedes, Malas & Bagagens.
NOTA FALSA: O SILÊNCIO PUNK (JANEIRO DE 1985)
"Se o punk do planalto emudeceu em 1979, em 1984 o palco estava vazio. Os precursores tombaram antes do Rock in Rio. A urgência de um rock em português encontrou em Legião Urbana seu arauto."
Elite Sofisticada, Arte no Escuro, Finnis Africae, Obina Shock, Escola de Escândalo, 5 Generais Nervos de Seda, Clones de Ludwig, Heróis do Dia, Anima Verba: o barulho continuava...
1986: O underground de Marciano Sodomita e a sonoridade única do Akneton. O Rock Brasília já pulsava com Sepultura (Cruzeiro), Aborto Elétrico, Mel da Terra, Extremo, Pôr do Sol, Fusão, Nirvana. A criação acima de tudo!
A vanguarda encontrou o rock brasiliense em Liberdade Condicional com Adriano Faquini.
1987: A voz inesquecível de Cássia Eller (Malas & Bagagens), Vagabundo Sagrado, Os Wallaces, Mata Hari.
1988: O universo dos zines e o som soturno do black metal.
1989: Os Alices e o heavy metal made in Núcleo Bandeirante do Puro Sangue.
1990: Os ecos de Rumores de Garagem, Dungeon, Low Dream, Animais dos Espelhos e OZ.
1993: A força de Cachorros das Cachorras, a singularidade do Little Quail e a aura do Nata Violeta.
HARD ROCK: Deja Vu, Concorde, Nervos de Seda, Kábula.
AS BANDAS DO GUARÁ: Matusquelas (1974), Rocha do Planalto, Psicose Crônica, Durangos da América, Nefelibatas, Alto QI, Cabelo Duro, Makacongs 2099 (Phú/Djalma).
"Aos poucos... este rascunho de cabeça... sem tempo..."
"Acima, uma puta aula de cultura brasiliense. Que os saberes sobre o rock, a canção e a cultura em geral na cidade não pare no tom do discurso do filme do -- com todo respeito ao mestre -- Vladimir Carvalho." (Alves Silveira Sandro)