Crônica da cidade: Lei do silêncio

 

Na década de 1980, eu morava na 406 Norte e, em determinado momento, passei a ouvir um som elétrico pesado brotando dos porões de algum bar da quadra, acompanhado de gritos primais ininteligíveis, abafados pela origem subterrânea e pela precariedade do equipamento. Eu achava aquela música estranha e só muito tempo depois fui informado de que quem fazia aquele estrondo era o Aborto Elétrico, grupo liderado por Renato Russo, e vinha dos porões do bar Cafofo, de propriedade do músico Rênio Quintas.

Eu não sabia, mas estava assistindo à irrupção do movimento de rock dos anos 1980, com a Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude, entre outros, que mudaria a imagem de Brasília para os brasilienses e para o restante do país. Brasília mostrava que tinha uma alma jovem.

Crônica da cidade: Lei do silêncio

por Severino Francisco/Correio Braziliense

No mesmo período, assisti a vários shows de Cássia Eller, no Bom Demais, um restaurante natural, instalado entre oficinas na 704 Norte, que virou casa de música por causa do talento das atrações no cardápio. Certa noite, incomodados com o som, alguns moradores chamaram a polícia e ocorreu uma cena tragicômica. Os policiais chegaram até a porta da lanchonete, mas não fizeram nada porque ficaram simplesmente hipnotizados pela performance de Cássia. Além de Cássia Eller, pela noite de Brasília passaram Rosa Passos, Lula Galvão, Hamilton de Holanda, os irmãos Ferreira (Clodo, Climério e Clésio), Jorge Hélder e tantos outros músicos.

Evoco essas histórias em razão de o Balaio Café, um dos locais de maior movimento na noite brasiliense, ter sido fechado e multado com severidade por infringir a lei do silêncio. Claro que o direito ao sossego tem de ser assegurado. Mas me parece que em Brasília o direito ao silêncio chega às raias da intransigência e da paranoia, e esta intolerância está ferindo de morte a alma musical e boêmia da cidade.

O Açougue Cultural T-Bone, de Luis Amorim, fecha uma quadra para oferecer um show de Milton Nascimento ou de Zé Ramalho embaixo do bloco. É um presente e um privilégio para qualquer cidade e esta iniciativa se torna logo uma afronta e um caso de polícia.

Não vejo a mesma presteza do poder público quando se trata de garantir a segurança nas ruas, reduzir as filas intermináveis nos hospitais, fiscalizar os horários dos ônibus ou prender os bandidos. São dois pesos e duas medidas. Multar quem tem endereço fixo, cria postos de trabalho, paga impostos e movimenta a cultura da cidade é fácil.

Não sou movido a álcool; sou do time do Vladimir Carvalho, sou o chamado boêmio Lindoia (de Águas de Lindoia), não bebo, mas gosto de frequentar os bares para conversar. Quando viajo pelo Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador ou Recife, sempre passo pelos bares e não constato o mesmo clima de paranoia do silêncio apoiado pelo poder público como ocorre em Brasília.

Ao visitar o Rio, sempre me hospedo na casa de um amigo em Copacabana. O barulho dos carros, do mar e da algaravia nos bares compõe a música urbana. Não consta que nenhum morador tenha entrado com uma ação e reclamado da paisagem sonora. Acho que é perfeitamente possível chegar a um acordo que contemple o direito ao sossego e o direito à cultura e à vida noturna. A lei do silêncio não pode se entendida como a lei da mordaça."

Vamos mudar essa Lei. VIVA A MÚSICA DE BRASILIA!

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