JARDS MACALÉ: ‘A BURRICE TORNA O PAÍS INVIÁVEL’

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JARDS MACALÉ: ‘A BURRICE TORNA O PAÍS INVIÁVEL’ 
(SEVERINO FRANCISCO)

CPC, desbunde, Cinema Novo, Tropicália, música negra, vanguarda das artes plásticas, rock, performance, viagens... Jards Macalé é um dos raríssimos artistas brasileiros que sintetizam os mais importantes momentos da criação no País dos últimos 20 anos. E ainda mais rara é a maneira como ele conseguiu misturar isto tudo, sem diluir, sem se confundir helicóptero com rei Nero. Porque, na curva perigosa do 68, muito carro capotou e não conseguiu se refazer até hoje. Gravou um disco antológico (Jards Macalé, 1972), comeu flores em um festival internacional da canção careta (entremeando a música inscrita com a canção “Orora Analfabeta”, canção de Jorge Veiga), berrou “cuidado há um morcego na porta principal!” em outro festival quando a barra política ficou pesada na virada dos 70s. Quase foi linchado. Naquela altura do campeonato, já se iniciava no País o processo de estupidificação coletiva que reduziu as ambições ao nível do Xou da Xuxa.

Macalé jamais deixou de avançar os sinais. E, o mais importante, permanece um artista perigosamente vivo em tempos de terrível sofisticação da mediocridade. Ele esteve de passagem por Brasília para participar no encontro 68 onde foi, 88 onde vai? Para Macalé é o xis da questão cultural brasileira na encruzilhada dos 80s, é a questão econômica. Ela está inviabilizando até mesmo a sobrevivência física dos brasileiros quanto mais o ataque cultural de uma arte de ponta-de-lança: O País está estafado. E, é claro, a arte é uma fotografia do País, Então, ela só pode estar estafada também. Sem liberdade econômica não haverá liberdade nenhuma no País. A criatividade brasileira já está demarcada. Todos os criadores têm projetos fortes. Só falta liberdade econômica”. E, neste depoimento, Macalé fala do caos dos 60s, do fechamento dos meios de produção nos 70s, das saídas para a arte nos 80s. Macalé desafinou o coro dos contentes nos 70s.

68: A ARTE NOVA NO MEIO DO CAOS

“68 foi o destroçamento de tudo o que ainda vinha resistindo desde 64. Na época de Juscelino tinha toda uma coisa de desenvolvimento com suas mazelas – mas, também tinha uma liberdade absoluta e total era a Bossa nova, as ideias do Cinema novo, o teatro novo. Hélio Oiticica, Lígia Clark, nas artes plásticas. Estávamos demarcando uma arte nova para o Brasil. E era uma arte alternativa também no sentido de que estava se viabilizando economicamente. Isto é muito importante. A Bossa nova saiu daqui com as mãos vazias e influenciou a música americana. E, nós aqui, acabamos importando a Bossa nova, nós importamos música brasileira. Para mim, cada vez que você compra um disco de músico ou intérprete brasileiro está importando música. Não existe este negócio de disco brasileiro no Brasil. Mas o AI-5 destroça esta possibilidade. Qualquer projeto coletivo se tornou viável, tanto economicamente quanto politicamente. E quando a coisa caiu no nível individual a resistência se pulverizou”.

SAÍDA DE EMERGÊNCIA

“Houve uma destruição ao nível existencial, ao nível das relações afetivas, os conflitos eram muito grandes. Cada um teve de escolher um caminho, uma saída de emergência no meio do conflito. A maioria saiu pela porta do aeroporto. Muitos dos que ficaram tentaram resistir. Eu fiz “Gotham City”, música em parceria com Capinam, em 1969. Quase fui massacrado, não só politicamente, mas também pelo público, que, naquela altura, estava totalmente fascistizado. Fiz a direção musical de shows da Gal Costa. Tentamos organizar a coisa em termos de produção com a Tripicarte, uma empresa de produção, juntamente com Gal, Capinam e Paulinho da Viola. Mas não deu certo. Nossa linguagem era totalmente relegada a nada naquela época”.

PERSONAGENS DA VIDA DE 68

“Glauber Rocha é o artista mais radical do Brasil. O político que fizer um projeto para o Brasil tem de ver os filmes de Glauber Rocha e não só os filmes de Glauber Rocha, mas os trabalhos de todos os artistas progressistas, inventivos, íntegros. Sem respeitar estes artistas expressivos não se fará nenhum Brasil. Glauber pensou um Brasil livre, criativo, independente. Torquato Neto resistiu o quanto pode. Era a cabeça poética e de resistência estético/ética do tropicalismo. Estuporou logo, não só pela questão pessoal dele, mas pela questão mais geral do País. A tragédia brasileira leva as pessoas a se introjetarem de tal forma que acabam alimentando as suas próprias doenças. Então, um dia tudo explode. Isto é um dado histórico. Glauber não se matou, Torquato não se matou porque quis. Esta situação nacional trágica leva alguns brasileiros ao desespero”.

E OS ANOS 80 ONDE É QUE FICAM?

“O resultado destes anos todos é tragicamente positivo para a arte brasileira. O Brasil está demarcado em sua criatividade. Todas as contradições, todos os desastres e 68, foram incorporados criativamente. Tudo foi colocado para fora. Agora eu sinto o 88 como uma estafa muito grande. Mas não é uma estafa dos criadores. Todos têm projetos fortes a serem feitos. É preciso uma nova estética. Mas para que isto seja possível é preciso uma trégua econômica. E isto não é só para os criadores. Todos os brasileiros precisam de uma trégua. Esta estrutura de poder que está aí não dá mais para uma nação tão grande como a nossa. Este País é totalmente viável. A felicidade deste País é algo totalmente viável. É uma burrice o que estão fazendo. A tragédia do Brasil é sua classe política e sua classe empresarial. Por que não um pouco de generosidade e fraternidade. Por que não abrir mão de um pouco para um povo pobre, miserável, em andrajos? E a arte, ora, a arte é a fotografia da alma da nação. Claro que só pode ser uma arte estafada”.

SOFISTICAÇÃO DA MEDIOCRIDADE

“A relação ética não existe, na verdade, nunca existiu no Brasil. E como pode existir ética em um país que não tem nem capitalismo? Temos um subcapitalismo e uma estrutura burocrática subsoviética. O dinheiro existe, mas não existe. É um dinheiro-fantasma. A corrupção corre desenfreada. Os meios de produção da arte ficam nas mãos de uns poucos, estes só investem no modelo vigente no Brasil, que é o modelo colonizador. A mídia está com um poder insuportável. É a mídia que comanda a gravadora. É o programador que diz à gravadora, que diz ao artista, que arranjo fazer. É um círculo vicioso que só se quebra se houver um posicionamento ético por parte do artista. Falta ética e estética. Mas este pessoal tem medo de perder a boquinha, de gravar um disquinho para tocar na radiozinha, para aparecer na televisãozinha. É fundamental respeitar-se. Se o artista é um agente estético da nação, então tem de respeitar-se. Eu tenho a mesma posição ética/estética cantando para 30 pessoas como para 30 mil pessoas”.

ARTE, ARTISTAS E MEIOS DE PRODUÇÃO

“Nem na ditadura se viu isto. Havia resistência contra a própria ditadura. Ela fazia as pessoas olharem em volta e para dentro de si mesmas. Agora neste momento não há nada. Há esta lavagem cerebral em termos culturais. E chamam isto formação da opinião pública. Isto é precisamente o contrário: é a destruição da opinião pública. E, na verdade, todos nós estamos desarmados contra isto. Os 40 que assistem aos meus shows têm informação sobre o meu trabalho. O Millôr Fernandes fez uma charge ótima, mostrando uam televisão e dizendo: “Desligue este aparelho, ele pode levar à destruição, apagar o cérebro”. Agora isto parece indestrutível, mas não é. Eu estou vendo por aí o pessoal se reorganizando nas universidades, nas escolas. As pessoas também estão estafadas deste massacre audiovisual. No Museu de Arte Moderna e aqui mesmo no 68/88 da Universidade as pessoas querem ouvir”.

LIBERDADE ECONÔMICA: EIS A QUESTÃO

“O Brasil vai mudar. A necessidade de avançar está mudando as coisas. E acho que esta virada de mudanças será marcada pela fusão dos elementos conquistados dos 60s (comportamentais, existenciais, estéticos etc) e dos novos elementos dos 80s. E agora acho que a grande conquista tem de se dar no terreno político. Liberdade econômica: isto é a chave de tudo daqui para frente. Sem liberdade econômica não existirá nenhuma liberdade no Brasil”. (CORREIO BRAZILIENSE, 7 DE MAIO DE 1988)

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