1982: UMA VISITA A ARNALDO BAPTISTA PÓS-HOSPITAL (PARTE 6)

1982

 

UMA VISITA A ARNALDO BAPTISTA PÓS-HOSPITAL

“Finalmente, quando Arnaldo saiu do hospital, Júnior teve a ideia de visitá-lo. A Patrulha, que já estava sem Arnaldo há algum tempo, havia se transformado em um power trio formado por Júnior, Dudu e Sérgio Santana (que substituiu Kokinho). Júnior decidiu levar uma cópia do novo álbum da Patrulha, recém-lançado pela Baratos Afins, como presente para Arnaldo.

(...) “Na visita, estavam Júnior, Luiz Carlos Calanca da Baratos Afins e eu (Antônio Celso Barbieri). Arnaldo morava em um apartamento em um edifício de classe média na Avenida Angélica. Quando tocamos a campainha, quem nos atendeu foi uma criança. Dissemos que queríamos visitar Arnaldo e, com toda a inocência, ela nos convidou a entrar. Assim, nós três, ilustres desconhecidos, adentramos a casa, seguindo a criança e anunciando nossa presença em voz alta para não assustar ninguém.

(...) “Logo ouvimos uma voz feminina chamando. Era Suzana Braga, vinda do quarto de Arnaldo. Ao entrarmos, encontramos Arnaldo tentando esconder algumas bolachas debaixo dos lençóis. Suzana, com paciência e um sorriso, explicou que, devido ao tempo em que Arnaldo ficou em coma, ele estava um pouco inchado e que seu médico havia recomendado uma dieta. Arnaldo estava tentando esconder as bolachas porque pensou que o médico estava chegando. Quando nos viu, Arnaldo ficou feliz e quis logo ir para a sala. Ele estava com o rosto inchado, o cabelo muito curto, quase careca, e sua expressão estranha me fez lembrar do filme Um Estranho no Ninho.

 (...) “Sua mãe, Dona Clarisse, apareceu, e parecia não muito contente com nossa presença. Eu senti uma sensação desconfortável, como se fôssemos, de algum modo, culpados pela situação de Arnaldo. Quando ele saiu da cama, andava com muita dificuldade, quase na ponta dos pés, e uma de suas mãos parecia ter perdido parte da mobilidade. Ele também sofria de amnésia parcial e não se lembrava claramente de certos eventos.

(...) “Fomos para a sala, onde um grande piano de cauda ocupava quase todo o espaço. Dona Clarisse se sentou com os braços cruzados, com uma expressão severa, como uma mãe que vigia a filha quando o namorado chega. Arnaldo, por sua vez, repetia constantemente: — Vocês são lindos!’. Quando recebeu o novo LP da Patrulha, olhou a capa e apontou para a foto do contrabaixista Sérgio Santana, perguntando: — Puxa, o Kokinho saiu bem nesta foto? Não foi?’ e continuou: ‘— Vocês são lindos!’. Depois de várias repetições, confundindo Sérgio com Kokinho, Arnaldo, de repente, parou, olhou fixamente para Júnior e, para surpresa e constrangimento de todos, perguntou: ‘— Júnior, você ainda fuma muito?’”

(...) “Enquanto Júnior, sem graça, tentava se explicar, Arnaldo, com um olhar discreto para a mãe, inclinou-se para Júnior e disse baixinho: ‘— Me tira daqui! Eu quero dar uma volta de carro!’ Dona Clarisse, preocupada, relutou, mas acabamos convencendo-a de que seria bom para Arnaldo sair um pouco.

 

(...) “Enquanto o carro percorria a cidade, Arnaldo, no banco de trás, olhava pela janela com uma expressão radiante, como uma criança em seu primeiro passeio.”

(Antônio Celso Barbieri).

“Ao ler o texto, não lembrava e ainda não me lembro dessa visita à casa do Arnaldo após sua queda, mas provavelmente aconteceu. O que me chamou a atenção foi a pergunta dele sobre se ‘eu ainda continuava fumando muito’. Essa é a segunda vez que esse assunto aparece na história; a primeira foi quando ele saiu da banda. Então, acredito que, na verdade, ele tenha perguntado: ‘Você ainda continua fumando muita maconha?, porque foi isso que ele disse quando deixou o grupo — que iria sair por causa disso. Ahahahahahaha, só posso rir.” (Rolando Castello Júnior)

 

Foto: Grace Lagôa

Os sobreviventes... 1983

Backstage de um show no Tuca: o querido Dudu Chermont, Arnaldo, após a queda, e eu, após os tiros. Arnaldo fez uma participação especial, cantando. Essas imagens podem ser vistas no DVD Lóki. Fomos lá realmente para prestigiar e prestar homenagem ao capitão. (Rolando Castello Júnior)

 

Singin' Alone é um álbum criativo e ousado, onde Arnaldo Baptista mistura a técnica de um pianista clássico com a energia de Jerry Lee Lewis. Ele compôs todas as faixas, tocando todos os instrumentos e executando os vocais, criando uma obra que remete ao individualismo técnico de Paul McCartney em McCartney II e à melancolia existencial de The Wall, do Pink Floyd.

 

DISCOGRAFIA

Como as coisas devem ser:

SINGIN’ ALONE — DISPOSIÇÃO DAS FAIXAS MUSICAIS (LP)

 

LADO A:

1. I Fell in Love One Day

2. O Sol 

3. Bomba H sobre São Paulo 

4. Hoje de Manhã Eu Acordei 

5. Jesus Come Back to Earth  

6. The Cowboy

LADO B:


1. Young blood

2. Sitting on the Road Side

3. Ciborg

4. Corta jaca

5. Coming through the waves of Science

6.Train

 

“Arnaldo gravou esse LP completamente sozinho, sem que ninguém soubesse.”
(Plinio Hessel Jr.)

83,33% das faixas pertencem ao repertório de Arnaldo e a Patrulha do Espaço. Com doze músicas, sendo sete em inglês e cinco em português, o disco estabelece uma conexão entre o passado e o futuro, com Arnaldo cantando em inglês para transmitir uma sensação de universalidade. Sua voz, agora mais áspera e madura, adapta-se perfeitamente a cada tema, conferindo autenticidade às suas histórias excêntricas. O álbum é dedicado aos "malucos" e deve ser apreciado tanto pelos fãs de Arnaldo Baptista quanto pelos exploradores do krautrock, como o amigo Fernando Gaia, que foi quem me apresentou o disco.

Singin' Alone é um trabalho visionário, com uma capa que antecipa a imagem de Arnaldo ao vivo com a Patrulha do Espaço. Algumas canções, como "Corta Jaca" e "Sanguinho Novo", eram populares quando Arnaldo esteve no Rio de Janeiro, tocando em bandas efêmeras. Ao ouvir o álbum pela primeira vez, Rolando Castello Jr. expressou decepção com o trabalho de bateria de Arnaldo, o que pode ter levado à sua futura exploração das fitas de Arnaldo e a Patrulha do Espaço.

 “I Fell in Love One Day”, a faixa de abertura, já causava reações da minha mãe, que normalmente não demonstrava interesse por rock, mas essa canção a fazia reconhecer o grande talento de Arnaldo. Ela provocava nela uma aura de reconhecimento artístico.

Essa música também chamou a atenção de Renato Russo, que a considerava uma faixa dedicada a Rita Lee. “Aquele disco com todas as canções feitas para Rita Lee” foi o comentário do próprio poeta Renato Russo.

Para mim, "I Fell in Love One Day" se tornou uma canção intrínseca às minhas relações emocionais e amorosas. Não é uma música clássica de muitos casais? O que mais me surpreendia era o verso: "She had all the magic serpents, oh" ("ela tinha todas as serpentes mágicas"). Cara, de onde ele tirou isso, de algum baú de circo? Para mim, aquilo representava o lado mais oculto e pessoal que alguém poderia ter, e Arnaldo conseguiu transformar isso em música para exibir todo o seu sentimentalismo.

Não foi Luiz Ricardo Muniz, ao ouvir a faixa de abertura “O Sol”, que comentou: 'Ele estava muito doido aqui'? Ficamos pirados com o comentário sarcástico, mas vindo de uma cabeça que transava com a realidade, ali o compositor, mais uma vez, sinalizava sua 'piração', como já havia sido anunciado em uma resenha de Lóki? anos antes.

O álbum mantém a qualidade, construindo um painel rico que, ao mesmo tempo, reflete a preocupação com o futuro da humanidade, como em "Onda da Morte", que no rótulo do disco recebeu o nome de “Bomba H Sobre São Paulo”.

“’Bomba H Sobre São Paulo’ reflete o processo único que vivi para alcançar a profundidade dessa letra. Subia a pé até a Serra da Cantareira, um percurso longo, mas repleto de inspirações: flores, pessoas, automóveis que passavam, e minha mente vagando por entidades, planetas e galáxias distantes. Naquele dia, senti como se estivesse caminhando pela Cantareira, contemplando a cidade de uma perspectiva distinta, como se fosse uma entidade separada. A imagem de uma bomba H surgiu, acompanhada da sensação de que algo inevitável estava para acontecer. Foi assim que transformei esse sentimento em música, como uma forma de extravasar.” (Arnaldo Baptista)

 

O álbum é marcante pela sinceridade de seus versos e pela intensidade emocional dos personagens, autorretratados em histórias vividas pelo próprio Arnaldo, como em "Cowboy" e "Ciborg" — "em vão, em vão ciborg". Nos rocks "Sitting on the Road Side" e "Youngblood", ele recria o som da Patrulha do Espaço, ironizando a voz de Lou Reed e abordando temas como solidão, dores e incertezas, sempre na primeira pessoa (EU), acompanhados de sexo, drogas e, claro, muito rock'n'roll. Em uma volta ao passado, "Corta Jaca" remete aos tempos dos Mutantes, com excelente trabalho vocal e exploração de diferentes timbres, incluindo os vocais de fundo de Suzana Braga. Nessa faixa, Arnaldo mistura música caipira ao rock, questionando: "Cê tá pensando que isso aqui é rock'n'roll?".

Os dois lados do Singin' Alone exploram o lado mais introspectivo e desiludido do rock, ecoando figuras como Lou Reed. Hoje, percebo não apenas as influências de autores distópicos da ficção especulativa, mas também a presença de sonoridades pós-punk e eletrônicas, como as de Kraftwerk e Talking Heads.

Singin' Alone não foi um best-seller, com apenas 2.500 cópias prensadas em vinil, além de edições em CD que foram lançadas e relançadas. Contudo, o disco alcançou um impacto que transcende os números. Ele inspirou a tese Singin’ Alone (1982) nas trilhas da música gravada brasileira de Marcia Tosta Dias e um texto marcante do crítico Jotabê Medeiros. Sua grande façanha não está nas vendas, mas na força de suas canções singulares, que permanecem vivas na memória de quem compartilhou aqueles anos de loucura sofrida e também na boca de quem sequer havia nascido na época. Nada será capaz de apagar o brilho desse disco.

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