ALIENBALADA: JOVENS TARDES

0 selo

TARDES DE SÁBADO

Depois dos anos de ouro da infância do rock’n’roll, preconizados por Bo Diddley, Little Richard, Fats Domino, Buddy Holly, Gene Vincent, Elvis Presley e outros, a cena entrou em decadência, e o rock parecia fadado ao esquecimento na América. No entanto, do outro lado do Atlântico, nas boates esfumaçadas de Hamburgo, na Alemanha, e em Liverpool, na Inglaterra, o espírito primitivo e essencial do rock’n’roll era preservado e mantinha-se vivo. Foi nesse cenário que os Beatles ainda se apresentavam, às vésperas de sua explosão pela Europa.

O lançamento dos Beatles no Brasil ocorreu em janeiro de 1964, com o compacto Please Please Me / From Me to You, mas foi com o segundo compacto, lançado em março, contendo I Want to Hold Your Hand / She Loves You, que a febre beatlemaníaca se instalou. Os adolescentes absorviam o novo padrão comportamental imposto pela sofisticada máquina publicitária do Império Britânico, por trás das aparentemente inocentes canções de Lennon & McCartney.

“Mas foi com os Beatles que aprendi a cantar. Quando eu ouvi, nem acreditei. Era She Loves You, I Want to Hold Your Hand. Cortei a franjinha igual a eles no mesmo dia. Os Beatles foram meu desbunde musical. Eles me mostraram as harmonizações da música e suas cores” — relembra Sérgio Dias.

"Eu já me vestia como americano e queria ser americano e, nesse dia, toquei gaita. Ela ouviu e disse para o Raphael Vilardi que tinha gostado" — recorda Arnaldo Baptista sobre a primeira vez que viu Rita Lee, no Hospital Samaritano.

Foi no Teatro João Caetano, na Vila Mariana, durante uma festa de formatura, que Arnaldo Baptista, então contrabaixista dos Wooden Faces (Os Caras-de-Pau), ao lado de Raphael Vilardi, e Rita Lee, crooner das Teenager Singers, se encontraram novamente.

O show teatral, no qual Arnaldo Baptista assistiu a Rita Lee, era comandado por Miguel Vaccaro Neto, que apresentava o programa Crush em Hi-Fi na rádio.

As Teenager Singers, que até então cantavam apenas música folclórica americana, foram descobertas por Tony Campello — irmão de Celly Campello —, que as convidou para fazer vocais de apoio nos discos de 78 rpm dos Jet Blacks, Demétrius e Prini Lorez (José Gagliari Jr.).

Eram todas muito loiras, como Rita Lee, e, por isso, os amigos apelidaram o grupo de “rataria branquela”. Duas delas, uma inglesa e outra suíça, voltaram a seus países um ano depois. Rita Lee ficou sem o grupo, restando apenas sua colega paulista Suely Chagas.

Rita Lee, então baterista das Teenager Singers, era dona de uma bateria Caramuru, composta apenas por caixa, bumbo e prato — um presente de formatura que, apesar da qualidade, ela não valorizava muito. Mantinha-se despreocupada, marcando suavemente o ritmo das vocalizações do grupo.

Segundo Rita Lee, os sofisticados instrumentos vinham do trabalho do pai de Arnaldo Baptista, então secretário do governador de São Paulo. Na realidade, muitos dos instrumentos eram emprestados, assim como o amplificador que Arnaldo Baptista conseguia com os colegas do Made in Brazil em troca das letras de músicas em inglês que ele transcrevia para o grupo.

Naquele encontro no João Caetano, as meninas cantaram Do You Want to Know a Secret, e Rita Lee interpretou Twist and Shout ao lado dos Wooden Faces.

Os Wooden Faces apenas tocavam, mais preocupados com o embalo instrumental, daí a necessidade de uma boa aparelhagem. Já as meninas do colégio feminino apenas cantavam — e muito bem, por sinal.

Os Wooden Faces eram um grupo formado por Raphael Vilardi durante a transição do rock’n’roll para o twist. A banda contava com ele na guitarra solo, Arnaldo Baptista no contrabaixo e mais dois amigos: Tobé, na guitarra base, e Robertinho, na bateria. Havia ainda um pianista, Sérgio Orlando, que tocava eventualmente, com forte inclinação para a bossa nova e o jazz. Os outros músicos não gostavam muito disso: transformavam qualquer Garota de Ipanema ou O Barquinho em twist, às vezes em pleno baile, depois de rigorosos ensaios. Nessas apresentações, recebiam NCr$ 30, mas o difícil era cobrar. Eles não se importavam com o pagamento: queriam mesmo era treinar e aparecer.

Imitavam os americanos The Ventures. Arnaldo Baptista queria ser um Elvis Presley: passava brilhantina no cabelo e ajeitava o topete. Só que não podia cantar — na época, no mundo inteiro, as bandas apenas tocavam.

Quando os Beatles lançaram a nova moda, tocando e cantando, Arnaldo Baptista quis interpretar If I Fell, de Lennon & McCartney, mas isso gerou uma crise no grupo, já que uma parte queria continuar apenas instrumental. Após três anos de existência, os Wooden Faces chegaram ao fim.

Arnaldo Baptista, Raphael Vilardi e Sérgio Dias — que aprendera a tocar guitarra observando os outros — formaram um trio de twist, Os Flashs, poucos meses depois da dissolução dos Wooden Faces. Era um grupo provisório, que pretendiam expandir.

"Também toquei bateria com os Wooden Faces. Uma vez, em um baile, estando o conjunto a merendar, comecei a bater um ritmo apenas com o pedal do bumbo — e fiz isso com tanta precisão e consistência que o público começou a dançar e exigiu a volta dos outros músicos aos seus instrumentos. Outra vez, toquei bateria com esse grupo no Teatro João Caetano, em São Paulo, e já havia instalado dentro da caixa um captador de guitarra, ajustado de modo a captar a esteira através da pele inferior. Havia controles de volume e tonalidade, bem como saída de áudio, ligada a uma câmara de eco e um amplificador. Essa câmara, ajustada ao ritmo da música, me ajudava a ampliar a precisão das batidas. Bateria eletrônica! Naquele tempo."

(ccdblogo).

"Participei das discussões sobre se o conjunto deveria apenas tocar ou também cantar. Achei que devíamos cantar e até comecei a fazê-lo, mas o resto do pessoal ria da minha voz, dizendo que era muito impostada, própria para óperas. Mais tarde, todos descobriram que essa impostação era essencial para não terem de operar as cordas vocais."

(ccdblogo).

Há um profundo interesse em discutir a atual crise brasileira e sua perspectiva histórica. O movimento militar de 1964 chegou ao fim após completar seu longo ciclo, iniciado antes do golpe. João Goulart era inaceitável para os golpistas desde 1954, quando dezenas de coronéis assinaram um manifesto exigindo de Getúlio Vargas seu afastamento do Ministério do Trabalho, acusando-o de conluio com sindicatos e de ligação com Perón, além de tentar criar bases para uma República Socialista.

A direita mais conservadora estava prestes a sofrer uma nova derrota nas eleições presidenciais de 1965 e nas eleições legislativas do ano seguinte. O golpe instituiu a escolha dos presidentes por meio de um Colégio Eleitoral controlado pelos militares, desmantelando a sucessão democrática.

No dia 1º de maio de 1964, para desviar o foco da política para o futebol, o governo organizou clássicos regionais. A ditadura também criou uma agenda de amistosos "biônicos" pelo país.

Em agosto de 1965, as transmissões de futebol aos domingos foram proibidas para aumentar as rendas do campeonato. Para não perder a audiência, a TV Record planejou um programa musical jovem.

Ricardo Amaral, colunista da Última Hora, batizou a nova cena de Jovem Guarda. Anos depois, Marcelo Leopoldo e Silva pediu-lhe permissão para usar o nome no programa de Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa — e assim nasceu um fenômeno da música brasileira.

— Olha! — disse ele. — Tem um grupo de garotos cariocas que está querendo fazer uma música nova e um programa de televisão. Você se incomodaria em ceder o nome Jovem Guarda?

Lógico que Ricardo Amaral cedeu, pois era uma promoção para sua coluna. Os “garotos cariocas” eram Roberto e Erasmo Carlos, mais a bela Wanderléa e outros.

São Paulo, Canal 7. O reinado da Jovem Guarda estreia em 22 de agosto de 1965, tendo como apresentador um jovem cantor de 22 anos que, até aquele momento, tinha colocado algumas músicas nas paradas. O programa era gravado ao vivo aos domingos à tarde em vídeo-fita, e as outras capitais do país podiam assisti-lo na semana seguinte. O quadro de maior sucesso era o de perguntas feitas por uma telespectadora escondida, dona de uma belíssima voz, à qual Roberto Carlos respondia com inteligência e simpatia. Acho que, até hoje, esse padrão vigora nos programas do Rei.

Roberto Carlos, com ar de bom moço e com a parceria do “tremendão” Erasmo Carlos, além da adesão de Wanderléa, Rosemary, Eduardo Araújo, Wanderley Cardoso, Os Incríveis, Tony Campello, Martinha, Ronnie Cord, The Jet Blacks, e Prini Lorez, transformaram-se em ídolos da noite para o dia, mudando o comportamento jovem de norte a sul do Brasil. O quente eram as gírias da época, como: “legal, barra limpa, é uma brasa, mora?, bidu”.

Com a palavra, o Rei: “Bicho, não tínhamos a intenção de influenciar. E é besteira dizer que fomos forjados, porque participávamos da bolação do programa, nossas opiniões eram respeitadas e a gente gostava da nossa imagem. Eu era igual, dentro e fora da tevê". (Roberto Carlos)

O maestro Rogério Duprat acha que a maior contribuição da Jovem Guarda não foi musical. “Em termos musicais, aquilo me dizia pouco, porque era uma retomada de experiências já vividas. Mas o mais importante é que, hoje em dia, todos nós podemos andar cabeludos pelas ruas”.

"A opinião do maestro Rogério Duprat corresponde à não adição de nada musical como contribuição, correspondente à verdade na pauta musical escrita. Porém, está distante da realidade quanto ao som, que passou a ser eletrônico através dos amplificadores e seus alto-falantes". (Arnaldo Baptista)

"Veja como é significativa minha afirmação sobre a tecnologia condicionar a música e meu papel na criação desta por meio daquela. A frase do Arnaldo no parágrafo acima confirma isso".

(ccdblogo)

0 jaguar azul

"Sérgio, Arnaldo e Rita, com os instrumentos que lhes criei. Pintei a Fender Jaguar de azul metálico. A Guitarra de Ouro e a Guitarra-baixo de Ouro não precisam de tintas, porque se douram e até soam por si."

(ccdblogo)

"O porão era habitável, e a casa da Pompéia tinha, com ele, três pavimentos. Não só o fundo do quintal, mas o porão inteiro eu ocupei com minhas oficinas. Nesse porão, Gilberto Gil me visitava para observar a fabricação das guitarras e ali leu uma frase que inscrevi no teto: 'Se Stradivarius fosse vivo, trabalharia aqui, comigo.' Em 1965, eu já estava há dois anos projetando e construindo amplificadores e guitarras — e não apenas telescópios e aeromodelos."

(ccdblogo)

 Em 1965, surgem as primeiras guitarras de qualidade feitas no Brasil

Quando o rock chegou ao Brasil, não era fácil para um jovem brasileiro tocar esse estilo, especialmente pela falta de instrumentos adequados. As guitarras nacionais deixavam a desejar, e o baixo elétrico simplesmente não existia. Nesse contexto, o radialista e produtor de discos Carlos Alberto Lopes, conhecido como Sossego, que trabalhava na Rádio América, desempenhou um papel crucial. Ele também foi responsável por construir artesanalmente as primeiras guitarras de qualidade razoável no Brasil, copiando o modelo Stratocaster da Fender americana. Em 1985, durante a febre do Rock in Rio, Sossego, aos 47 anos, relembrou:

— As guitarras brasileiras desafinavam demais! Por isso, decidi fazer uma para o Gato, que era o solista dos Jet Blacks, grupo que eu produzia na época. Mais tarde, comecei também a fazer baixos elétricos.

Os protótipos que Sossego criou acabaram nas mãos da fábrica Gianinni, que os produziria, a partir de 1965, em escala industrial. Foi a infraestrutura mínima que o rock precisava para, enfim, explodir no Brasil.

Atirando em micróbio com canhão
(Clavdivs Caesar)

Quanto a este artigo publicado pela revista Contigo, não posso mexer nele! E, inclusive, não gosto de polêmica. Não quero desdizer ninguém. Isso só leva a dificuldades e nada traz de bom para qualquer das partes. Conheci o Sossego, que me visitou em casa (em Venâncio) para ver os falantes JBL D-140 F (os melhores da época) que instalei numa caixa-corneta, a qual fiz para o Arnaldo, com dois amplificadores transistorizados que construí e que meu irmão usou. Quanto ao tema do artigo, onde dizem que Sossego disse e fez o que ali está escrito, isso é um problema do julgamento da revista e do dele, caso tenha mesmo dito. Se ele acha que as duas guitarras dele eram o que diz, quem sou eu para contradizê-lo (...). Minhas guitarras de 1965 estão aí, ainda, para todo o mundo ver, ouvir e alguns privilegiados tocarem. O mundo que julgue a diferença! E não se deve esquecer: hoje, citar um ano qualquer faz parecer que um ano é coisa de um dia; em 1965, houve neste planeta doze meses (se estou bem lembrado...), cada um com quase trinta dias. Não sei em que dia de 1965 Sossego terá concluído a(s) guitarra(s) dele e nem me lembro em que dia ou noite terminei as minhas primeiras Guitarras de Ouro, embora as outras de minha manufatura, sólidas, todas fossem excelentes como tal, já bem superiores às Fender, às Gibson e a todas as que conheci, e que vieram antes de 1965, porque tudo começou para mim nesse ramo em 1963. Nunca toquei as primeiras guitarras de Dodô e Osmar, que dizem ser as primeiríssimas do mundo – e podem ser mesmo. Se eram as primeiras, só podiam ser ótimas, ou no mínimo as "melhores"; certo? Nenhuma outra as superaria; não é verdade?!

Então, e melhor por esse motivo, mesmo sem conhecer as guitarras de Sossego, estou tranquilo com tantas hipóteses, sem falar que ninguém pode afirmar ter conhecido todas as guitarras feitas no Brasil, desde que guitarras existem.

Portanto, nada tenho a comentar sobre tal artigo. Se quiser publicar isso que aqui digo, pode. Mas continuo achando que é como diziam os antigos romanos: aquila non capit muscas (a águia não pega moscas)... ou, como dizia Tóxia: telariae non capit picapulassumiae (as telárias – aranhas do planeta Géa – não pegam picapulassúmias – as pulgas do mesmo planeta). Ave Marivs!

A guitarra elétrica pode ter sido inventada por Dodô e Osmar. "Na época em que se faziam no exterior os estudos que resultaram na guitarra elétrica, Dodô e Osmar já animavam festas com a guitarra baiana, um instrumento inventado por eles". (Fred Goes, dezembro de 1999).

Para formar um conjunto, bastavam quatro ou cinco garotos que copiavam os poucos, atrasados e mal prensados discos que eram lançados no pobre mercado nacional. Depois, conseguia-se guitarra, baixo, bateria e um amigo com uma Kombi, e assim nascia um dos milhares de grupos que invadiram o Brasil. Difícil mesmo era arrumar um baile para se apresentar. Assim, formava-se o embrião do rock brasileiro. A glória suprema era aparecer na tevê, algo invejado pelos outros grupos que não conseguiam tal proeza.

“Iê-iê-iê”, no Brasil, era sinônimo de Golden Boys e Trio Esperança indo em direção à soul music, enquanto Os Carecas, Os Vips, Deny e Dino eram cópias pálidas e esmaecidas dos sucessos da época. Entre outros nomes, havia Os Truístes, Dragões, Corsários Negros, Gold Fingers, Anjos Azuis, Os Barbatanas, The Jungle Cats, Os Barranqueiros, The Fabulous e até Flocos de Neve. A maioria deles apresentou-se no "I Encontro Nacional da Jovem Guarda", em 1966. Os vencedores foram The Beatcousins, sósias dos Beatles, e os Louphas, almas gêmeas dos Stones.

Mas, em julho de 1967, a maioria desses grupinhos desapareceu sem deixar vestígios com o lançamento, pelos Beatles, de seu marco musical, o LP Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Nesse álbum, os ingleses complicaram os arranjos e harmonias, aperfeiçoando truques e técnicas de estúdio, unindo o clássico ao rock para gerar o rock progressivo. Sem a fácil inspiração beatlemaníaca, a Jovem Guarda entrou em declínio e, em janeiro de 1968, foi ao ar o último programa da série. Sobreviveram apenas Renato e Seus Blue Caps, Os Incríveis e Os Fevers, considerados supergrupos na época e que, posteriormente, se apresentaram fora do continente. Da vontade de criar algo que não fosse “quadrado” como o “iê-iê-iê”, menos elitizado que a Bossa Nova e diferente da canção de protesto, surgiu a Tropicália, com suas modernidades e antropofagias.

Já que o instrumento musical de Paul McCartney era o contrabaixo, Rita abandonou a bateria e começou a tomar aulas do instrumento com Arnaldo. Entre papos e ideias, Arnaldo fez um convite:

— Por que vocês não vêm cantar com a gente?

Rita e Suely aceitaram, e assim nasceu o Six Sided Rockers que, conforme o nome, era composto por seis integrantes: quatro garotos e duas garotas, contando com a participação de Serginho, então com 13 anos.

Ainda em 1965, a Folha de S. Paulo promoveu um show no qual o Six Sided Rockers se apresentou e chamou a atenção de seu primeiro empresário, Antonio Peticov.

O Six Sided Rockers, um grupo amador sem grandes pretensões, que só cantava em inglês, enfrentou prematuramente a Jovem Guarda e seus esquemas.

Em 26 de setembro de 1965, o Six Sided Rockers participou de um programa de televisão. Raphael Vilardi guardaria um disco de acetato gravado diretamente de um televisor com a apresentação do grupo. Ele relatou: "A gente queria amplificador e outras coisas, e não só não havia como também não queriam dar, pois o esquema do programa era outro: Roberto Carlos, Erasmo, Wanderléa e nada de colher de chá para os outros." (Rita Lee)

"A gente queria levar nosso próprio som, e a tevê não ligava para isso. Cantamos Diamonds Rings, dos Beach Boys, e o público nos recebeu pessimamente mal. A gente tinha um layout diferente. A gente achava o Roberto um som velho, a gente já não curtia ele naquela época." (Arnaldo e Rita, sobre a Jovem Guarda)

No Brasil e em outros países, o rock foi provisoriamente batizado de "iê-iê-iê", um termo onomatopaico inspirado no refrão das primeiras canções dos Beatles. Foi uma manobra de marketing que assegurava o consumo da música sem associá-la ao rock, que sugeria rebeldia e contestação. Os Rolling Stones não eram "iê-iê-iê", mas sim rock, o que se alinhava melhor à imagem criada para eles na competição de vendas com os Beatles.

No Brasil, "iê-iê-iê" era sinônimo de Golden Boys e Trio Esperança, que caminhavam em direção à soul music, e também de grupos como Os Carecas, Os Vips, Deny e Dino, entre outros, que eram cópias pálidas dos sucessos da época. Entre esses estavam Os Truístes, Dragões, Corsários Negros, Gold Fingers, Anjos Azuis, Os Barbatanas, The Jungle Cats, Os Barranqueiros, The Fabulous e até Flocos de Neve. A maioria deles se apresentou no I Encontro Nacional da Jovem Guarda, em 1966. Os vencedores foram The Beatcousins, sósias dos Beatles, e os Louphas, almas-gêmeas dos Stones.

O'Seis, que não participou do encontro, conseguiu realizar a gravação do seu primeiro compacto em 1966, lançado pela Continental. O disco continha duas músicas compostas por Raphael e Rita: no lado A, Suicida (Raphael Vilardi / Roberto Loyola); no lado B, Apocalipse (Raphael Vilardi / Rita Lee).

Eram dois twists macabros: Suicida ("Pulei do Viaduto do Chá", "Fui enterrado com a roupa do meu tio") e Apocalipse, a história de um homem que destruiu o mundo e quis se matar porque ficou sozinho.

A gravação ficou tão ruim que vendeu apenas cinquenta cópias. O próprio conjunto pediu à Continental que retirasse o disco das lojas.

Suely, ao se mudar para os EUA, foi substituída pela vocalista Mogguy (nome artística da cantora Maria Olga Malheiros ), então namorada de Raphael. Com essa nova formação, a banda lançou um compacto simples com as faixas “Suicida” e “Apocalipse”, que teve pouca repercussão na mídia.

O nome O'Seis, além de designar o número de integrantes, fazia um trocadilho com "ocês", forma caipira de "vocês". Os ensaios ocorriam nos finais de semana na casa dos pais de Arnaldo, na Rua Venâncio Ayres, na Pompéia, perto do campo do Palmeiras. No fundo do quintal, Cláudio César mantinha sua oficina, onde confeccionava telescópios e peças de aeromodelismo."

Posteriormente, o O'Seis participaria de mais um compacto, apenas acompanhando a dupla Gemini II. Lançado pela Continental em agosto de 1967, trazia no lado A Lindo (Groovin’) (Felix Cavalieri / Eddie Brigati) e, no lado B, Tchau Mug (Edy Miranda). Duas das maiores raridades do rock brasileiro.

Formação da banda:
Arnaldo Baptista / Sérgio Dias / Rita Lee / Raphael Vilardi / Mogguy / Luiz Pastura.

0 Mautnet oseis

Equipe do evento: o grupo O’Seis, que já tinha Rita Lee e os irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias estampados na capa de um compacto; Orlando Parolini, poeta e futuro ator-fetiche do cineasta Carlos Reichenbach, além de autor do livro perdido Culusridendo; e Stella Maris, a cantora lírica que também deixou sua marca na Jovem Guarda.

(Jorge Mautner in Trajetória do Kaos – Azougue Editorial, 2002).

Depois de participarem dos primeiros programas da Jovem Guarda e da gravação do compacto, surgiram críticas, autocríticas e brigas que decretaram o fim do grupo. Alguns queriam ceder à televisão, outros não. Arnaldo responsabiliza os namoros internos entre os integrantes por isso — ele e Rita Lee, por exemplo.

O'Seis durou dois anos. No final de 1965, com a ida de Suely para os Estados Unidos, onde conseguiu uma bolsa de estudos, os remanescentes tentaram colocar uma nova vocalista, mas não deu certo, e o conjunto acabou. Raphael abandonou temporariamente a música, o baterista foi para outro grupo, e restaram apenas Arnaldo, Sérgio e Rita.

Rita Lee revelou que Mogguy tinha um temperamento forte e, após desentendimentos com os colegas, decidiu deixar o sexteto de vez. Seu namorado, Raphael, optou por acompanhá-la, e Pastura, grande amigo de Raphael, seguiu o mesmo caminho. Com as saídas, restaram apenas Rita, Arnaldo e Sérgio no grupo.

Rita quis ser aeromoça. Como falava bem inglês, achou que seria fácil. Chegou a sonhar com viagens ao redor do mundo, mas logo descobriu que não tinha idade suficiente para o cargo.

— Em compensação — brinca Arnaldo —, é uma moça aérea até hoje.

Paralelamente, Arnaldo, nas horas vagas, apresentava-se com o Sand Trio, formado por ele no contrabaixo, Eduardo Basto Leme na bateria e Conrado ao piano, atacando mais no território da bossa nova e do jazz, dando algumas canjas pelas ruas da cidade. O Sand Trio acabou porque “Rita não achava legal ficar tocando em bailes”.

Serginho, já reconhecido pelo seu talento de guitarrista, tentou sem êxito formar uma dezena de conjuntos. Para não abandonar o instrumento, resolveu dar aulas particulares de guitarra em casa, mas os alunos eram tão ruins que ele desistiu.

0 bateria Tulio

Túlio, do Túlio Trio, era um músico excepcional...

"Peneirando, peneirando", O'Seis ficou reduzido a um trio: Arnaldo, que tocava piano, órgão, baixo e flauta-doce; Sérgio, guitarra-solo, bateria e violoncelo; Rita, banjo, pandeiro, flauta-doce e sininhos. Todos cantavam. O trio ainda não tinha nome, mas era o embrião dos Mutantes.

pic

Com o domínio absoluto da TV Record nos musicais, a nova TV Bandeirantes precisava de talentos frescos para seus programas.

“Surgiram alguns convites, mas só por volta de outubro surgiu uma chance de verdade”: no programa O Pequeno Príncipe de Ronnie Von, agora na Bandeirantes. Ali, conforme Rita, todo mundo falava inglês e “a gente começou a se sentir em casa”.

Depois de ensaiarem bem a “Marcha Turca” de Mozart, em ritmo de rock’n’roll, Os Mutantes apresentaram-se na estreia de O Pequeno Mundo do Ronnie Von. Os Mutantes apareceram pela primeira vez na estreia do musical O Pequeno Mundo de Ronnie Von  em 15 de outubro de 1966, exibido aos sábados pela TV Record, com boa audiência.  

Sábado era o grande dia no Teatro Record, apresentaram-se às 16h no programa de Ronnie Von na TV Record. O programa, de boa audiência, ia ao ar às 19h. Sendo bastante aplaudidos, encontraram um novo empresário, Asdrúbal Galvão, que se interessou por eles e arranjou-lhes um espetáculo na cervejaria Urso Branco.

Ainda sem um nome fixo, o grupo passou a se apresentar como O Konjunto, com Cláudio César Dias Baptista na bateria. Essa formação fez sua estreia em festas e na lendária cervejaria paulista Urso Branco, ponto de encontro de artistas.

Sérgio, ainda menor de idade, precisava se esconder atrás de uma cortina enquanto tocava, o que envolvia o guitarrista em mistério. Durante essas apresentações, o palco era compartilhado com o ilustre escritor Jorge Mautner.

O grupo estava novamente sem nome, até que surgiu "Os Bruxos", mas o nome não pegou. Enquanto isso, Arnaldo, no canto, lia O Planeta dos Mutantes. Ronnie Von gostou do título e sugeriu que fosse o nome da banda. Assim, nasceu Os Mutantes.

0 princip

Os Mutantes acompanhavam todos os cantores que se apresentavam no programa, com exceção de Erasmo Carlos.

"Meu elenco para o primeiro programa foi: Mutantes, Mutantes, Ronnie Von, Mutantes e Ronnie Von. O programa inteiro. Nós tocamos o Revolver inteiro, de um lado e do outro... Lembro que a mãe do Arnaldo copiou o arranjo... E nós formamos um quarteto duplo de cordas para Eleanor Rigby, com os três Mutantes e eu em quatro vozes, como os Beatles faziam. O aplauso durou muito mais tempo do que o tempo que levamos para cantar a música. Cantamos de novo, e então aplaudiram novamente, agora de pé, uivando... e então repetimos a música pela terceira vez." (Ronnie Von)

Em outra apresentação em O Pequeno Mundo de Ronnie Von, os Mutantes apresentaram um arranjo vocal de “Five Hundred Miles”, uma canção folk americana popularizada nos anos 60 pelo trio Peter, Paul and Mary.

Os Mutantes já se mostravam um tanto originais e inovadores ao executarem com duas guitarras a Marcha Turca, de Mozart. Em outra edição do programa, no entanto, foram impedidos pelos diretores de executar uma versão de Ave Maria, de Schumann, conforme afirmaram à Folha na época. Eles se apresentaram mais seis vezes no programa de Ronnie Von, que competia com o de Roberto Carlos, adotando uma linha mais inovadora.

A vidinha do trio estava cada vez mais agitada com programas como O Pequeno Mundo do Ronnie Von e Astros do Disco (Randal Juliano), ambos na TV Record, e Quadrado e Redondo na jovem TV Bandeirantes.

“O programa dele, infelizmente, começou a ficar igual aos outros. O Ronnie não manda mais nada, faz o que os diretores querem. Ele pretendia fazer um programa com música renascentista, bossa nova e tudo o mais, mas não deu certo”, contou Rita Lee.

No início de 1967, a incompatibilidade de ideias com a direção artística da Record fez o trio deixar a atração. Depois, os Mutantes foram convidados pela TV Bandeirantes para o programa musical Quadrado e Redondo, de Sérgio Galvão.

Quadrado e Redondo era um musical apresentado por Sérgio Galvão e Débora Duarte, voltado para a música pós-Jovem Guarda, com a participação de artistas como Os Mutantes, Os Diagonais, Denilson e Tim Maia, entre outros. O programa era dirigido por Caetano Zama.
Entre mais de oitocentos candidatos, Tim Maia foi escolhido pelo produtor Caetano Zama, ao lado de Os Diagonais, Fábio, Dave Gordon, Sérgio Reis, Rosa Maria, Almir Ricardi e Os Megatons, para integrar o elenco de Quadrado e Redondo, apresentado por Sérgio Galvão e Débora Duarte.

No programa, Os Mutantes apresentaram um número solo: “A Day in the Life”, com uma orquestra regida pelo maestro Chiquinho de Moraes. Também cantando em inglês, fizeram os backing vocals para Tim Maia em “Reach Out, I’ll Be There” (dos Four Tops). Tim Maia, que havia recém-chegado dos Estados Unidos, ainda magro, só cantava em inglês e tinha rosto de garoto bem comportado em sua primeira aparição na televisão, logo após ter sido deportado dos Estados Unidos por porte de heroína.

Depois de um ensaio, no camarim, o amigo Dave Gordon, um jamaicano que cantava calipsos, apresentou Arnaldo, Sérgio Baptista e Rita Lee Jones a Tim Maia, que os cumprimentou em inglês com seu sotaque do Harlem, fazendo-os pensar que ele era americano. Trocaram algumas palavras e, enquanto conversavam, Tim os achou alegres e simpáticos, e Rita, uma graça.
Sem mais nem menos, Tim e Dave chamaram-nos para um canto e ofereceram-lhes um baseado. No banheiro do camarim da Bandeirantes, enrolaram e acenderam para comemorar a estreia. Quando Tim deu o primeiro tapa no baseado, passou a falar em carioquês, com as gírias de cadeia. Arnaldo, Sérgio e Rita adoraram e caíram na gargalhada. Foi amor ao primeiro tapa da pantera. Durante a fumarada, Tim disse que, no início da carreira, era conhecido como Tião, depois, nos Estados Unidos, como “Jim”, e agora, Tim Maia.

No Quadrado e Redondo, Os Mutantes e Tim Maia se apresentaram juntos várias vezes, com Os Mutantes fazendo os backing vocals para “Reach Out, I’ll Be There”, “Fandango” e “A Whiter Shade of Pale” (do Procol Harum). Entre tapas e gargalhadas, nascia uma grande amizade.

Foi também nesse programa que Os Mutantes receberam o convite que os levou a acompanhar Gilberto Gil no Festival da Record, na antológica apresentação de Domingo no Parque.

As oportunidades começaram a surgir. Depois de se apresentarem em programas de auditório como Chacrinha, Hebe Camargo e Show em Simonal na Record, onde tocam “Five Hundred Miles High”, começam a fazer algum nome e comparecem ao programa Astros do Disco, também na Record, onde cantam Shame and Scandal in the Family, uma música do folclore americano que, posteriormente, faria algum sucesso na versão de Renato e Seus Blue Caps, tornando-se O Escândalo.

Ia tudo bem, até que num sábado à noite, no programa Astros do Disco, na Record, o produtor Randal Juliano insistiu para que eles tocassem valsinhas de Vicente Celestino e que acompanhassem Altemar Dutra. O produtor ainda disse: “Ou fazem como eu quero, ou vão embora”. Os Mutantes foram participar do programa Móbile, frequentando A Grande Parada.

De fixo mesmo, as apresentações no Quadrado e Redondo, um dos poucos a abrir espaço para as novas propostas musicais.
"Todos os cantores de rock tinham se tornado nacionalistas”, lembra Arnaldo, “enquanto nós preferíamos o som importado; a gente era mais inconsequente e levava a coisa mais na brincadeira”.

"Em 'todos os cantores de rock', esse 'som importado' que o conjunto preferia não era assim tão importado, já que tocavam clássicos (música universal) em ritmo jovem, como diz o parágrafo anterior, na mesma página. Muito desse som era bem superior ao importado: era o som do Mutante Oculto, ainda não conhecido pela sigla CCDB, gerada muito mais tarde, na minha assinatura sob a correspondência da Nova Eletrônica. Esse som não era só aquele condicionado pela tecnologia a que me referi; sim, o fruto de muito diálogo do conjunto comigo."

(ccdblogo).

Rita criava as roupas espalhafatosas, que eram costuradas por sua mãe, ou usava roupas de plástico feitas em uma indústria. Sérgio fascinava a todos com sua guitarra Regvlvs, cheia de botões de ouro, e muitos ficavam indignados, mas impressionados com o tipo de “sarro” de Arnaldo. Sempre que precisavam de algo que chamasse a atenção ou que puxasse para o bizarro, não hesitavam em convidar Os Mutantes, que nunca os desapontavam.

"A criação da imagem dos Mutantes em cena e nas capas dos discos que vieram após a época descrita nesta página também teve grande participação minha, com ideias e até mesmo concepção e manufatura de cenários, no caso dessas capas".

(ccdblogo).


"Acho que comecei com maconha ainda nos tempos do (colégio) Mackenzie...". (Arnaldo Baptista).

"Fui aluno do curso de eletrônica e do científico do Colégio Mackenzie, onde expus, perante a sala pasma e o professor de matemática (chamado carinhosamente de Gugu pelos alunos), ainda mais, o que ora denomino de 'Teorema de Clausar' e que, na época, não tinha título. O velho nada entendeu e veio com a Teoria da Relatividade e o Universo Fechado de Einstein para me contrapor; porém, o Teorema de Clausar é muito mais avançado do que tal teoria, e só hoje os cientistas e filósofos começaram a alcançar o que significa, pensando algo semelhante por si próprios — mas ainda não tão completo como o Teorema de Clausar. Vocês encontrarão na obra Géa o enunciado desse teorema. Porém, não só de teoremas vivi no Mackenzie, cujos cursos não concluí; e não só Gil e companhia tiveram o privilégio de serem acompanhados pelos Mutantes: num espetáculo que sugeri à diretoria dessa escola, onde eu era o líder da classe contra as imposições do diretor, carinhosamente chamado de 'Meia Branca', os Mutantes se apresentaram. E, na música Dance to the Guitar Man, tornada um clássico por Duane Eddy e da qual gosto sobremaneira, o solista fui eu, acompanhado por Arnaldo, Sérgio e Rita. Como achei poucas as palmas para tão insigne melodia, resolvi tocá-la de novo no fim da apresentação, sempre acompanhado pelos três, obtendo o que desejava: pus o pessoal todo para rir, pensando que se tratava de uma comédia. E era... Quanto ao baterista, não me lembro: acho que fui eu mesmo quem os acompanhei nas outras músicas; e um deles o fez para mim, naquela."

(ccdblogo).

0 67 M

Mutantes, 1967 – As camisas estampadas e largas de Sérgio e Rita, junto aos cabelos longos, refletem a estética psicodélica que dominava a segunda metade dos anos 60. Já o jovem Arnaldo, no centro, trajando terno e gravata, se destaca por contrastar com os outros dois, sugerindo uma fusão de estilos ou um conceito visual peculiar.

0 quadro


"Eu aqui apenas conto o lado da minha moeda, com o distanciamento inverso ao dos críticos-viúvos que teimam em interpretar a história como se soubessem mais do que quem, como eu, fez parte dela." (Rita Lee)

0 urso branco

Os Mutantes apresentam "Caminhante Noturno" em uma rara foto com Dirceu, o primeiro baterista a gravar com a banda no LP Tropicália e no álbum de estreia, durante uma apresentação na Urso Branco

Articles View Hits
12138957

We have 561 guests and no members online

Download Full Premium themes - Chech Here

София Дървен материал цени

Online bookmaker Romenia bet365.ro