Pra lá de punk Nicolas Behr (1982)
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Pra lá de punk Nicolas Behr
Dia desses adentra à redação do CB um grupo de estranhos rapazes. Vêm à minha procura. Falam coisas (poucas) meio desconexas e batem em retirada, deixando algumas coisas escritas. Ah! aí foi perceber do que se tratava: o pessoal era integrante de um grupo punk.
Eis o recado deles: Sepultura. Um grupo punk, destrutivo, rituais dos mortos. Capaz de ameaçar o silêncio dos túmulos em suas sepulturas. Mas, tudo era farsa. Era barra pesada nas escolas, visões noturnas, experiências com fantasmas e medo. Estávamos ficando loucos. Demos um tempo, cada um foi para um lado. E com o tempo curamos a nossa paranóia. O grupo voltou, trouxemos o nome, porque não há como fugir dessa Sepultura e o símbolo da cruz. Tudo mais bonito, encontramos a paz. O grupo é som frontal, direto, vocal, louco, livre, espiritual, punk. Viemos desfazer o ódio e o medo. Leal Nicolas. Não queremos mais ser iguais. Seremos o nosso símbolo. Esperem-nos.
Ah! sim, quem manda o recado: Izamar (vocal), Eduardo (guitarra), Aderval (guitarra), Robson (baixo) e Ivo (bateria).
🗒️ Comentário sobre o texto e o contexto (1981-82):
Estamos claramente no início dos anos 1980, provavelmente entre 1981 e 1982, auge da explosão do punk e do pós-punk em Brasília. O texto publicado no Correio Braziliense carrega a curiosidade típica da imprensa da época ao lidar com o surgimento de bandas underground e movimentos juvenis marginalizados – como o punk.
A reportagem traz um certo estranhamento diante dos rapazes do grupo "Sepultura" (não confundir com a famosa banda de metal mineira que surgiria alguns anos depois). O relato é curioso: a banda teria vivido uma fase sombria, com “visões noturnas, experiências com fantasmas e medo”, até uma espécie de renascimento simbólico, com a busca por paz, som espiritual e a recusa à normalização – elementos que se misturam com misticismo, espiritualidade, protesto social e um certo caos juvenil muito característico da cena alternativa de Brasília daquela época.
A menção a Nicolas Behr no título é bem simbólica: ele, poeta marginal e figura da contracultura brasiliense, funcionava como uma espécie de ponto de referência para os jovens punks e artistas alternativos.
📸 Comentário sobre a imagem:
A imagem que acompanha a matéria mostra o jovem Aderval em um cemitério (possivelmente posando ao lado de uma cruz de madeira com o nome “Sepultura” escrito). A estética remete à teatralidade sombria típica do punk, mas também dialoga com o experimentalismo poético e visual do início dos anos 80. A locação – um cemitério – reforça o simbolismo do renascimento que o grupo parece reivindicar no texto.
🎤 Atualização sobre Aderval (organista):
O organista Aderval, citado no texto, hoje é conhecido popularmente como Magu Cartabranca, apresentador e cantor da banda Os Candangos, que faz parte da resistência ativa do rock de Brasília. O mais impressionante é que Os Candangos são uma das bandas mais ativas da cena brasiliense, com frequentes apresentações ao vivo, mantendo acesa a chama do espírito rebelde e festivo do rock local – algo que esse recorte de jornal já apontava em seus primórdios.
Magu é uma espécie de elo vivo entre aquela juventude inquieta do início dos anos 80 e o presente, mostrando que a contracultura de Brasília não morreu – apenas se transformou.