Cláudio César Dias Baptista e a Rebelião Técnica Contra o Fetiche da Máquina (2025)
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DEZEMBRO, 1970
"A única novidade que trouxeram para o Brasil era velha: um Mellotron que dizem ter sido dos Beatles, aparelho de segunda mão que funcionava mal, alimentado por um gerador e variador de frequência da rede italiana – pior ainda. O mérito desse Mellotron é ter sido um dos precursores dos samplers.
"Trouxeram, outrossim, uma mesa de som inglesa, fabricada por Malcom Hill, a qual tive de reconstruir, porque o sábio projetista inglês esqueceu a coisa mais básica: um barramento de terra! O terra era feito apenas via contato dos módulos dos canais e mestres com o chassi da mesa, e, quando esse contato se oxidava (sem falar que o revestimento aluminizado em negro era, em si, isolante), ia-se o terra e vinha o ronco, o vazamento... e a assistência técnica!
"Também esses Mutantes trouxeram amplificadores ingleses da marca HH S-500D (HH Electronics), que pensaram ser ótimos, mas que, cá chegados, lhes queimaram as bobinas de todos os alto-falantes Gauss — estes, sim, os melhores da Terra, melhores até que os JBL de então.
"Adivinhem quem? Escreveu à fábrica HH, apontando de quem tal fábrica havia copiado o circuito (com mínima modificação) desses aparelhos – eram cópia do Crown DC 300 norte-americano. Adivinhem quem? Escarafunchou e despiu do lacre de epóxi todo o circuito desses amplificadores HH, que os ingleses escondiam para que ninguém soubesse da cópia. Adivinhem quem? Resolveu o problema de tais aparelhos, inclusive o problema da sua própria fábrica deles, e os restaurou, permitindo aos outros Mutantes que os vendessem e adquirissem o material para que esse “quem” lhes montasse, grátis, outros melhores?
"O que aprendi de tecnologia durante o episódio, somado ao que já conhecia dos circuitos da Crown e, principalmente, ao que vinha experimentando às minhas custas por esta encarnação afora, permitiu-me desenvolver um amplificador superior a ambos, HH e Crown, que batizei de CCDB CC700. Este aparelho não se tornou o carro-chefe de minha produção, nem me rendeu dinheiro algum, porque, como eu já sabia antes de o criar, o segredo de um som de qualidade e baixo custo não está nos amplificadores dispendiosos para audiófilos – quando estes são gente desinformada ou esnobe –, e sim no uso da multiamplificação com circuitos simples, confiáveis e resistentes de amplificadores, bem assim no emprego dos divisores eletrônicos de frequências.
"Fiz o CC700 justo para poder demonstrar às pessoas que, conquanto fosse o melhor, podia ser superado por coisa mais barata, se se usasse multiamplificação com aparelhos bem simples e seguros, inteligência e divisores eletrônicos. Você encontrará esse assunto esmiuçado inteiramente nos meus artigos técnicos e nos prospectos e manuais completíssimos dos aparelhos CCDB. Tais prospectos e manuais me consumiam mais tempo que o investido na própria pesquisa e manufatura dos protótipos dos aparelhos que apresentavam. E isso se justificava, porque as pessoas precisavam – e precisam – ser informadas sobre o plano geral onde se encaixa qualquer produto, sua utilização e o crescimento do sistema no qual se insere."
— (CLÁUDIO CÉSAR DIAS BAPTISTA-CCDB)
Cláudio César Dias Baptista: O Anti-Herói Técnico dos Mutantes
Na mitologia do rock brasileiro, os Mutantes surgem como símbolos da vanguarda musical, irreverentes, psicodélicos e transgressores. Mas nos bastidores dessa epopeia, escondido entre fios, soldas e manualidades, Cláudio César Dias Baptista — o CCDB — encarna o arquétipo do anti-herói técnico, aquele cuja genialidade se manifesta não sob os holofotes, mas nos detalhes invisíveis que sustentam o espetáculo.
O texto de CCDB é uma crônica amarga e irônica, onde ele desmonta (literalmente) o fetiche tecnológico que envolvia equipamentos como o Mellotron dos Beatles, a mesa de som de Malcom Hill e os amplificadores HH. Seu relato nos mostra que, por trás do brilho das marcas internacionais, havia falhas grotescas de projeto, ignorância dos usuários e uma dependência colonial de tecnologias importadas — realidade essa que ele, com seu autodidatismo radical, tratava de corrigir, reinventar e superar.
CCDB se posiciona contra o deslumbramento fácil, criticando tanto os "sábios projetistas" europeus quanto a cegueira do mercado audiófilo brasileiro. Sua luta não era só técnica, mas cultural: ele desmontava o produto, desnudava os circuitos e revelava a simplicidade onde o marketing via luxo. Mais do que um técnico, era um resistente, um herege da indústria.
Seu projeto de multiamplificação, sua obsessão por manuais exaustivos, e a criação do amplificador CCDB CC700 — que ele sabia de antemão não renderia fortuna — apontam para um idealismo quixotesco, quase romântico: a busca pela democratização da alta qualidade sonora através da inteligência e da simplicidade, não do consumo alienado.
Se Arnaldo, Rita e Sérgio encarnaram a subversão estética dos Mutantes, CCDB foi o mutante do subterrâneo, o que hackeava a lógica do equipamento, sabotava a cultura do importado e mostrava que a verdadeira inovação tecnológica nasce do conhecimento profundo e da vontade de questionar o status quo.
O anti-herói técnico não busca aplausos; ele busca coerência entre teoria e prática, entre o que soa e o que se sabe. E nesse campo, CCDB foi, e segue sendo, uma das figuras mais fascinantes e subestimadas da história da música brasileira.
(chatGPT)