Cem anos na encruzilhada

Cem anos na encruzilhada

Ele teria vendido a alma para se tornar o maior. Lenda? O fato é que Robert Johnson, um século depois, é mesmo o maior

16 de abril de 2011 | 7h 00
  •  
  •  
    Gabriel Vituri - estadão.com.br

    1938. Whisky and women, apesar de rotineiros, levaram Robert Johnson à morte em 16 de agosto daquele ano. O bluesman se apresentava ao lado dos companheiros Sonny Boy Williamson I e Honeyboy Edwards quando, atraído por olhares de uma dama, foi atrás da investida que teria lhe custado a vida. O dono do salão, inconformado com o flerte entre sua mulher e o músico, tratou logo de providenciar um litro de uísque. Parceiros tentaram dissuadi-lo de aceitar a garrafa aberta, sem sucesso. Provavelmente envenenado, ele contraiu pneumonia e morreu três dias depois em um vilarejo próximo a Greenwood, no Mississippi, na região sudeste dos Estados Unidos.

    Robert
    Farrell/AE
    O bluesman do Mississippi viveu apenas 27 anos, o suficiente para virar uma lenda
     
     

    Robert Leroy Johnson completaria 100 anos no próximo dia 8 de maio. Filho de Julia Major Dodds e Noah Johnson (amante de sua mãe e com quem ele nunca conviveu), o ícone do blues nasceu em Hazlehurst, também no Mississippi. Em 27 anos de vida, foi acusado de vender a alma ao diabo e apareceu em apenas três retratos - o último, descoberto só em 2008, hoje faz parte do acervo familiar.

    Para celebrar o centenário, a Sony Music lança a coleção The Complete Original Masters - Centennial Edition, com as 29 composições do artista, um DVD e 12 discos de vinil, com réplicas dos singles lançados na época. A edição de luxo será limitada inicialmente em mil unidades e vendida somente pela internet. A caixa traz um CD duplo - o único item que poderá ser comprado separadamente - com todas as 42 gravações do compositor remasterizadas (outros lançamentos traziam apenas 41 takes, sem a versão extra de Traveling Riverside Blues). O documentário The Life And Music of Robert Johnson: Can’t You Hear the Wind Howl e dois CDs com gravações de contemporâneos a Robert, como Tommy Johnson e Furry Lewis, também fazem parte do pacote completo.

    As verdadeiras joias, porém, são 12 pequenos discos de vinil. Acompanhados por um livreto com informações sobre as gravações, as réplicas trazem 24 canções (lado A e B) de Robert Johnson lançadas em 1936 e 1937. Entre as faixas dos singles estão clássicos como I Believe I’ll Dust My Broom e Terraplane Blues. Esta última, uma metáfora sexual que compara a mulher a um automóvel sedã, foi considerada um sucesso para época, com cerca de cinco mil cópias vendidas. É claro, todo luxo tem seu preço. Prevista para ser entregue aos compradores de todo o mundo a partir do dia 26 de abril, a relíquia custará R$ 572,79, sem o frete - com todas as taxas e os impostos o valor passa dos R$ 1 mil.

    Inspiração para Muddy Waters, Bob Dylan, Eric Clapton, Rolling Stones e um sem-fim de estrelas, Robert Johnson é considerado um dos grandes pais do blues e de sua evolução até a chegada do rock and roll. Autor de riffs diferentes entre si (When You Got a Good Friend, They’re Red Hot ou a clássica Sweet Home Chicago), com apenas um violão, preenchia o espaço das gravações com a marcação do baixo, solos de slide e a base da música, tudo isso misturado a uma voz compassada e profunda.

    Dedicada a preservar a memória e os registros da lenda do Mississippi, a Fundação Robert Johnson - cujo presidente é Claud Johnson, o único filho do músico - promove este ano uma série de shows e outros eventos comemorativos pelos Estados Unidos. Steven Johnson, vice-presidente da fundação e neto de Robert Johnson, falou ao Estado por email. "Meu pai não conviveu com Johnson, não o deixavam. Blues era considerado coisa do diabo mesmo."

     

    Crossroads. Vinte e nove composições, três fotos e uma lenda. Alguns diziam que não houve veneno ou ciúmes na morte de Robert Johnson. Era coisa do diabo que, justiça seja feita, voltou para cumprir o acordo. O bluesman de Hazlehurst, Mississippi, viveu pouco. Mas o suficiente para encantar mulheres, causar fúria nos homens e influenciar uma série de artistas que surgiram depois dele.

    Filha de escravos, Julia Ann Majors - ou Julia Major Dodds, depois do primeiro casamento - teve um caso com Noah Johnson. Tiveram apenas um filho: Robert Johnson. Depois de ficar afastado da mãe, aos 3 anos, Robert Dusty (como era conhecido na época) voltou a viver com Julia e o padrasto, Willie "Dusty" Willis, em Memphis, Tennessee. Matriculado na escola e debilitado pela catarata em um dos olhos, o garoto - que já demonstrava interesse pela música - abandonou as aulas e passou a se dedicar a um instrumento chamado jaw’s harp, algo como harpa ou berimbau de boca, em português. Antes de chegar finalmente ao violão, ele arriscaria algumas notas na harmônica.

    Casado duas vezes (as certidões apontam, inclusive, para um pequeno desencontro de suas datas de nascimento, 1910, 1911 ou 1912), foi do primeiro amor que Robert Johnson teve as mais tristes lembranças. Em 1931, Virginia Travis, de apenas 16 anos, morreu durante o parto do primeiro filho do casal. À época em Robinsonville e arrasado com a tragédia, o compositor decidiu retornar a Hazlehurst em busca do pai desconhecido. Não encontrou rastro algum, mas, para não perder a viagem, arranjou outro casamento e um camarada músico. Ike Zinnerman tinha um hábito inusitado: à noite, tocava seu violão entre túmulos da região.

    Foram esses os tempos mais misteriosos e polêmicos do autor de Me and the Devil Blues. Reza a lenda que Robert Johnson, determinado a se tornar um grande mestre, foi até uma encruzilhada nas plantações de Dockery, à meia-noite. Um negro alto, sem dizer palavra, tomou-lhe o violão, afinou as seis cordas e deu ao jovem músico a oportunidade de se tornar o maior bluesman de todo o Mississippi. Bastava colocar sua alma em jogo. O pacto com o diabo estava selado.

    Quando voltou a Robinsonville, separado da segunda mulher, foi ao encontro de ídolos como Son House e Charley Patton. A destreza com que Robert Johnson dedilhava seu violão assustou a todos, que viram no tinhoso a única justificativa para aquela mudança súbita.

    Foi em Three Forks (tridente?) que o bluesman do Mississippi se apresentou pela última vez, em uma das centenas de juke joints por onde passou. Comuns nas áreas rurais, as juke joints eram o ponto de encontro dos moradores e trabalhadores das regiões de plantações. Dançar, beber e jogar ao som de work songs e blues eram seus passatempos, sempre com navalhas em punho para retalhar o primeiro desafeto que aparecesse.

    Robert Johnson estava entre os escalados para o From Spirituals to Swing, concerto organizado por John Hammond para promover ritmos afro-americanos. O show - com Count Basie, Joe Turner, Benny Goodman e outros - aconteceu na antevéspera do Natal de 1938, no Carnegie Hall, em Nova York. A notícia da morte só foi descoberta em cima da hora, semanas antes do evento. Hammond precisou improvisar. E fez bem: convocou Big Bill Broonzy, de Hey Hey, para o papel.

    78 rpm. Envolto em dúvidas há mais de meio século, o legado do bluesman continua a ser estudado e questionado. Em 2010, Jon Wilde, do jornal britânico The Guardian, trouxe à tona a discussão sobre a velocidade com que as gravações do músico foram masterizadas. Steven Johnson, vice-presidente da Robert Johnson Blues Foundation, concorda com a hipótese de que canções de seu avô sejam executadas 20% mais rápidas do que originalmente.

    O procedimento era "comum" em alguns selos de blues e jazz da época - como a gravadora Vocalion, responsável por 12 lançamentos. Especula-se que as 78 rotações por minuto tenham sido aumentadas para até 81 rpm, para dar "mais emoção" ou por falta de tecnologia. Apesar de antigas, as canções de Robert Johnson soam modernas, facilmente adaptáveis para a guitarra e com metáforas (principalmente as sexuais) que continuam atuais.

    Johnson registrou, em duas ocasiões, apenas 29 músicas, algumas com dois takes, que resultaram em 42 gravações. E isso é tudo. No estúdio improvisado do quarto 414 do Hotel Gunter, em Santo Antonio, Texas, o violonista de Hazlehurst, com o corpo virado para a parede, eternizou, entre outras, Come on In My Kitchen e Cross Road Blues, divididas em três dias de gravação. Em junho de 1937, Johnson pegou a estrada rumo a Dallas para as duas últimas gravações da sua vida. As sessões, também improvisadas, duraram dois dias.

    Seus murmúrios, lamentos e uivos ainda são ouvidos de longe, com a mesma força daquela noite em Three Fork.

    ***

    ENTREVISTA
    Steven Johnson, músico e vice-presidente da Fundação Robert Johnson, se dedica a divulgar a obra do avô pelos EUA. Ele falou por email ao Estado.

    Seu pai, Claud, e Robert Johnson viveram juntos?
    Não. Ele nasceu em 16 de dezembro de 1931 e foi criado pelos avós. Reverendo Alex Smith, seu avô, acreditava que o blues era música do diabo, e não queria o neto envolvido nisso.

    Há mais novidades?
    Em 6 de maio, a Sony lançará um novo site da fundação.

    Do que ele morreu, afinal?
    Depois de envenenado ele teve pneumonia, possivelmente o principal motivo de sua morte.

     

    Articles View Hits
    11361658

    We have 718 guests and no members online

    Download Full Premium themes - Chech Here

    София Дървен материал цени

    Online bookmaker Romenia bet365.ro