Rogério Duarte, guru da tropicália, no Festival
para a Nova Consciência, Campina Grande, Paraíba,
carnaval de 2004.
Foto: Bruno Torturra : Pentax MX, tri-x 400 (+2) 50mm
“Pensei
em uma linguagem tropicalista, contra aquela coisa suave, considerada
de bom gosto. E que carregasse essas referências ao governo
atual, ao socialismo, ao MST. O vermelho serve até mesmo
de crítica ao verde e ao amarelo”. Rogério
Duarte sobre a capa do novo álbum dos Titãs, “Como
estão vocês*”;
Rogério Duarte com ele mesmo!
(Mário Pacheco)
Meu
dia começou matinalmente na cadeira do dentista, antes
no “Correio Braziliense” li: “A volta do
tropicalista”. Depois do expediente, nesta mesma sexta-feira,
passei na sua casa e gritei: - Rogério! Ele pôs a
cara na janela e abriu a porta.
— Como você me encontrou?
Ah! Já sei leu o “Correio”.
— Qual a tiragem deste
jornal?
Faziam três anos que eu não
me encontrava com Rogério Duarte e ele não perdeu
a mania de perguntar e responder às próprias indagações.
Rogério Duarte encarava o
tabuleiro de xadrez e desenha croquis como quem traça uma
carta de navegação.
Nosso papo foi de 30 minutos com
a chuva caindo. Me autorizou a tirar a camisa molhada, o que eu
não fiz. Tirei do envelope o CD com a sua trilha acústica
ao violão para o meu documentário “TROPICAOS”
e entreguei-lhe...
O papo começou com ele me
explicando a sua estratégia para figurar na capa do Caderno
“C”.
“TROPICAOS”
também é o nome do seu mais recente livro com um
apanhado de sua produção pós-tropicalista.
Antes de folhear este livro, anteriormente eu havia publicado
no poraoweb,
esta compilação que boa parte aparece no livro.
Resolvi inverter a cronologia e acrescentar atualidade ao pensamento
caótico de Rogério Duarte.
O ponto emocional da conversa aconteceu
quando falamos da falta que estávamos sentindo de Wally
Salomão, de sua pujança e generosidade atávicas
e sua capacidade de dar força aos amigos nas horas mais
negras “tanto que ficou sem energia” finalizou
Rogério.
Ao final da conversa, Rogério
pegou a sua agenda e me mostrou o meu número de telefone.
Sexta-feira, 14 nov. / 2003.
Isto
é Rogério Duarte
“Não digo que o vermelho
seja diretamente o PT, embora ache que o Brasil vive um momento
que merecia essa citação. Representando o sangue
e a carne, o vermelho também crítica o verde-amarelo”.
Desvenda o artista (...)
“Houve resistência de
alguns deles em relação à coisa chapada,
brutal, quanto ao verde-amarelo mesmo”. Contou Duarte (...)
“Tive que dar uma de estrela,
quase de buraco negro com alguns lampejos de ego. Disse que se
me chamaram iam ter que me engolir”. Não estava ali
para escolher qual titã está mais bonitinho na foto”.
Finalizou**”;
“Gil
e Caetano são grandes artistas, que já se consagraram
e que realizaram um dos aspectos importantes da revolução
tropicalista, mas que não é o único. Eles
estão continuando o trabalho que começaram. Porém
não podemos cruzar os braços achando que a revolução
está complementada apenas como parte de um trabalho. Ela
foi um movimento coletivo. Só agora determinados aspectos
da obra de Tom Zé estão aparecendo e do próprio
Gereba, que também participou da Tropicália. Tentamos
revelar coisas que estavam ocultas, sem negar a obra de Caetano
e Gil, que também é fundamental. O Gil participou
do nosso disco. Queremos, inclusive, a colaboração
deles. O sucesso tem esse poder, como aconteceu com o Roberto
Carlos, de ser conformizante. Você cria fama e deita na
cama. Parece que venho dando declarações que são
contra o Caetano mas só têm o objetivo de provocar
e mostrar que a revolução não terminou. Não
bastou o sucesso comercial para consolidar os ideais do movimento
tropicalista***”;
"Tom
Jobim era grande músico, mas também grande plagiador****";
"Nunca
postulei grandes espaços na mídia, por que o que
faço não é muito conhecível ou digerível****";
"Paulo
Coelho é apenas um comunicador de textos que leu de outras
pessoas****";
"Na
área de programação visual não vejo
ninguém mais importante que eu no Brasil****";
"Andy
Warhol não fez nada além do que fiz no Brasil. A
diferença é que ele circulou no 'jet-set' internacional
e isto ajudou na difusão do trabalho dele****";
"Sou
um homem razoavelmente perseguido, fiz concurso na UnB e só
consegui ensinar depois de impetrar mandado de segurança****";
"A
academia não consegue me engolir, vive me chamando de charlatão.
Mas desafio qualquer acadêmico que me desacate para debate
público sobre qualquer área do conhecimento. Sou
mais eu****";
"É
melhor um inimigo revelado do que um falso amigo****";
"O
cineasta Ivan Cardoso se exime de qualquer responsabilidade, mas
não tenho dúvida de que foi um dos principais fomentadores
do suicídio do poeta Torquato Neto****";
"Vivo
em angústia permanente. Nunca se chega a lugar nenhum.
Não estou mais maduro hoje porque cheguei aos 60 anos****";
"Jorge
Mautner fracassou ao tentar fundir o popular com o erudito****";
"Já
fui convidado até para ser ator de novela, mas preferi
manter compromisso com a liberdade e a privacidade****";
"O
que morreu foi o falso comunismo, o comunismo real não.
O ideal de igualdade entre os homens não. O ideal de igualdade
entre os homens não vai morrer nunca****".
Soneto
(Rogério Duarte)
Perdi
teu vulto
Ganhei teu nome
Onde te busco
Vizinha e longe
Perdi teu fruto
Ganhei a fome
Assim me nutro
Do que me come
Quanto mais perco
O teu incerto
Gesto indistinto
Sinto que cresce
O meu deserto
Teu labirinto
(Poema,
ditado ao repórter Rogério Menezes, 'Correio Braziliense',
está entre os muitos textos inéditos de Rogério
Duarte****)
"Colagem
tem os mesmos critérios de montagem. Colagem e montagem
são sinônimos. E o prêmio foi uma homenagem
a Oswald de Andrade e também ao trabalho de Rogério
Sganzerla, como antropófago. Não interessa
ficar premiando categoriazinhas sem expressão*****";
"Eu,
por exemplo, gostei muito mais do filme do Paulo César
Saraceni ('O VIAJANTE'). Mais sério, mais profundo. E briguei
pelo filme do Sganzerla porque sou intelectual e gosto de ver
filmes que satisfazem a minha inteligência, e não
apenas que estimulem minhas glândulas lacrimais*****";
"Cacá Diegues faz uns filminhos interessantes, mas
conformistas. Falta a ele a grandeza de Glauber*******".
"Todos atuavam em todas as
frentes, fazendo poesia, música, teatro, cinema, artes
plásticas, artes gráficas. Fazíamos militância
política e cultural******";
"Tinha
a visão que minha participação no movimento
seria muito mais em nível de atuação filosófica
e teórica******";
"Quando
conheci Caetano e Gil, em 1965, pressenti que o Tropicalismo estava
sendo gestado. Não havia um plano pré-determinado,
mas sim um desejo de fazer tudo novo******";
"Os
genes, os espermatozóides, vieram da Bahia, certamente
daqueles encontros no Colégio Estadual e na Escola de Teatro,
se multiplicaram no Rio de Janeiro, no Centro Popular de Cultura
da União Nacional de Estudantes. A reprodução
foi em São Paulo, a matriz da cultura de massa******";
"O
movimento está vivo até hoje. Seus participantes
estão aí, atuando nas mais diversas áreas,
até mais que naquela época. E estão surgindo
muitas coisas que vão lançar mais luzes sobre o
Tropicalismo******";
*Correio
Braziliense, “A volta do tropicalista”, 14 nov. /
2003. Texto: Tiago Faria.
**Folha de S. Paulo, “Titãs reaparecem debatendo
artes visuais, política, Tropicália, TV e o futuro
da indústria fonográfica e dos CDs conceituais”,
5 nov. / 2003. Texto: Pedro Alexandre Sanches.
***Jornal de Brasília, Reconectando a Tropicália”,
19 out. / 2000. Texto: Marcelo Araújo.
****Correio Braziliense, 10 abri. / 1999. 'Memórias de
um náufrago'. Texto de Rogério Menezes.
*****Correio Braziliense, ''Premiação antropofágica.
'20 out. / 1998.
******Correio Braziliense, 'Gestação de idéias
foi na Bahia', 26 out. / 1997. Texto Irlam Rocha Lima
*******Correio Braziliense, 'Tempo de Glauber, 4 ago. / 1996.
Texto Newton Araújo Jr.
Texto de Rogério
Duarte
Psicografado por Rogério
Duarte
Depois
que eu deixei crescer a barba as coisas continuaram igualmente
confusas, exceto pelo acréscimo da barba que se associa
ao antigo caos e o revela com aparente nova fúria.
Não sei mesmo porque me permiti
tal embuste (sim, nada agora merece mais do que este qualificativo).
Foi
depois da visita à fazenda natal e do retrato do bisavô
peludo que acabou por me sugerir reencarná-lo. Caricatura
do meu passado me tornei porque caricaturei a busca de mim mesmo
indo atrás dos detritos que o meu caminho deixou à
margem.
Estranho
às vezes ao meu corpo assusto-me frente ao espelho na vã
tentativa de captar-me outro e recebe-lo na minta ternura ou,
menos ainda, procurando especular sobre a aparência nova
e suas possibilidades de realizar o paradoxal embuste de parecer
humana, coisa aliás que se não se realiza é
apenas em função da minha recusa.
Terá
que ser desta mesma guitarrística maneira o continuar no
ato de fazer a ladainha dos pães de cada dia. Talvez tenha
descoberto eu hoje uma maneira nova: não se trata de cometer
o verbo mas sim de esgotar-se no só afã de comete-lo,
ou de convencionar-se para si a fatalidade de cumpri-lo. Isto
poderia se compreender imaginando-se a ação de modo
a não diferencia-la da não-ação. E
é tangível quando tragicamente se cai na penumbra
da unidade; ou zona do fenômeno.
Talvez,
se a fidelidade a cada dia me compra o direito da depuração
contínua, eu chegue a escutar a viva voz que articula a
vibração do manifesto.
Guitarristicamente
tecendo em dedos e espera-deflagração.
Que
chance? O meu destino desenvolveu-se enquanto eu mantinha os olhos
tapados e já nem me reconheço nele.
Brutalmente
a qualquer momento pode surgir a vida, eu sei que não estou
preparado. O medo que é sombra da luxúria, aproveitou-se
do meu corpo inteiro como morada do seu escuro.
Eu
sinto, quando estou falando com alguém, nitidamente a sensação
de não controlar a espontânea linguagem de loucura
e sofrimento que torna como que desconcertantemente ridícula
(já que a cobre e nega) a comunicação esboço-vomitada.
É
absolutamente igual à fé na chegada do Messias o
prognóstico sobre a passagem de um Cometa. Se nos voltamos
para o grande corpo, sem um sequer leve cilício, tomamos
o líquido aviso, confundimos a nossa alma com Ele.
Daqui
a alguns anos a moral será uma ciência misteriosa
ao alcance apenas de uns poucos iniciados que, de resto, ninguém
viu. A Fé, as Leis, etc... serão no Futuro não
muito distante de uns duzentos anos como hoje são a alquimia,
astrologia e lá vai fumaça...
Eu
sou amigo do Rei, eu me dou bem com o Rei. Eu sou o outro Rei.
Hereafter
all will be different, you need to get a very human face…
Rogério Duarte
O
viúvo chora suas lágrimas são como grãos
de mostarda que caem no solo seco dos ladrilhos enquanto isso
vinte milhões de crianças desesperadas bolinam nas
varandas.
Rogério
Duarte
estabelecer
conexões o mais imediatamente possível com o mais
próximo ou bem você está ostentando sua careta
usufruindo os privilégios da morte ou bem você está
se esgueirando entre os mausoléus correndo sempre o risco
de resvalar na trincheira das covas se eles constroem a parede
sua missão é infiltrar-se pelas ranhuras com a instintiva
de um réptil que estivesse sempre novo.
Rogério
Duarte
como
é que é meu caro ezra pound? vou acender um cigarro
daqueles para ver se consigo lhe dizer isto. andei fazendo um
pouco de tudo aquilo que você aconselhou para desenvolver
a capacidade de bem escrever. estudei homero; li o livro de fenollosa
sobre o ideograma chinês, tornei-me capas de dedilhar um
alaúde; todos os meus amigos agora são pessoas que
têm o hábito de fazer boa música; pratiquei
diversos exercícios de melopéia, fanopéia
e logopéia, analisei criações de vários
dos integrantes do seu paideuma.
continuo, no entanto, a sentir a
mesma dificuldade do início, uma grande confusão
na cabeça tão infinitamente grande confusão
um vasto emaranhado de pensamentos misturados com as possíveis
variantes que se completam antiteticamente.
Rogério
Duarte
Começaste
a enlouquecer de novo não é cobrinha multicor? Quando
parares de te agitar tanto talvez eu permita que tu me dês
uma mordidinha, tá? Daqui até à casa de Bernarda
Alba ainda faltam muitos quarteirões.
Poderemos
nos distrair pelo caminho a lamber os paralelepípedos orvalhados
pois a manhã que está pintando começara a
me incendiar de forma progressiva até o escândalo
do meio-dia. Nem me fale dos olhos que crescerão nas órbitas
até o horizonte das paisagens, nem da erva verde que acompanhará
para sempre os nossos pés para os pecados deflagradores.
Afogaste-me na piscina, no caldeirão das tintas e deixaste
o mel da tua boca lasciva escorrendo pelos meus ouvidos atordoados.
Deixe esta absurda Guanabara servir como pavilhão solene.
Darei algumas voltas em torno dos teus cabelos que são
a tua única possibilidade de se confundir com o vento.
Crescerão feios sóis de gordura nas narinas do bicho
papão. O força maior tem o dom de amarrar os membros
e iniciar um diálogo verdadeiramente tropical e terapêutico.
Texto
de Gilberto Gil psicografado por Rogério Duarte
Eu sempre estive nu. Na Academia de Acordeão Regina tocando
La Cumparsita, eu estava nu. Eu só sabia que estava nu,
e ao lado ficava o camarim cheio de roupas coloridas, roupas de
astronauta, pirata, guerrilheiro. E eu, do mais pobre da minha
nudez, queria vestir todas. Todas, para não trair minha
nudez. Mas eles gostam de uniformes, admitiram até a minha
nudez, contanto que depois pudessem me esfolar e estender a minha
pele no meio da praça como se fosse uma bandeira, um guarda-chuva.
Mas não há guarda-chuva contra o amor, contra os
Beatles, contra os Mutantes. Não há guarda-chuva
contra o Caetano Veloso, Guilherme Araújo, Rogério
Duarte, Rogério Duprat, Dirceu, Torquato Neto, Gilberto
Gil, contra o câncer, contra a nudez. Eu sempre estive nu.
Com o fardão da Academia, eu estava nu. Minha nudez Raios
X varava os zuartes, as camisas listradas. E esta vida não
está sopa e eu pergunto: com que roupa eu vou pro samba
que você me convidou? Qual a fantasia que eles vão
me pedir que eu vista para tolerar meu corpo nu? Vou andar até
explodir colorido. O negro é a soma de todas as cores.
A nudez é a soma de todas as roupas.