DUCHAMP: O AUTORTURADO DADAISTA (2008)
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A LEMBRANÇA DE MARCEL DUCHAMP
Almanaque Folha de S. Paulo
5 mar. / 1977 - Marcel Duchamp (1887-1968) é suficientemente reconhecido pelos manuais de artes plásticas para que se possa dizer algo de novo sobre sua produção eclética e invariavelmente inconformista. Não foi bem para explicar telas, esculturas e objetos que o governo francês o escolheu para a exposição inaugural do Centro Pompidou (aberto por aqui há um mês). Trata-se - com o perdão da palavra - de uma homenagem. Duchamp faz parte deste punhado reduzido de artistas que a merece.
Basta citar a maneira com que, em 1912 ("Nu descendo uma escada"), ele transpôs a idéia de movimento para a superfície cronologicamente fixa de uma tela. Inspirado nas "cronofotografias" - reprodução dos movimentos do corpo humano pela exposição sucessiva de um negativo na mesma câmara fotográfica - encadeou várias imagens de um modelo feminino, devidamente subvertido pelo abandono do figurativismo acadêmico.
Na época, o trabalho de Duchamp era associado ao futurismo dos italianos Boccioni ou Balla. Mas, em verdade, suas pesquisas já tomavam um rumo praticamente inclassificável. Como por exemplo ao conceber em 1913 seu primeiro "ready-made" - arranjo num espaço tridimensional de objetos devidamente deslocados de seus contextos originais. Imigrando para os Estados Unidos - onde se naturalizou - une-se a pessoas como Man Ray ou Calder para uma sucessão de experiências que fizeram escola e se encontraram hoje na base de toda uma revolução estética. O que dizer, por exemplo, de alguém que, em 1917, concebe uma "fonte" que não passa do aproveitamento de um urinol de cerâmica branca? Ou então da capa plástica de uma máquina de escrever, ironicamente intitulada, no mesmo ano, "bagagem"?
Marcel Duchamp - amante do xadrez e da geometria - concebeu em 1935 uma série de discos que, ao serem movimentados, valem como um bailado de formas curvas, como num caleidoscópio de movimentos harmônicos; coisa hoje banalizada pelos inúmeros imitadores. Também usando discos, gravava frases montadas em espiral, com trocadilhos e aproximação de palavras quase homofônicas, numa espécie de poesia cinética extremamente curiosa. E o que ocorre com duas expressões como "un mot de reine" (uma palavra de rainha) e "des maux de reins" (dores nos rins); os demais exemplos seriam intraduzíveis. Esculpe em alto-relevo pedaços da anatomia feminina, trabalha com o vidro para a produção de formas cuidadosamente inúteis, transforma o olhar enigmático de Mona Lisa e outras experiências pouco ortodoxas para um artista que, ainda adolescente, conformava-se com uma pintura acadêmica (segundo a ilusão de reprodução do real).
Há duas dezenas de ensaios publicados só na França sobre suas experiências. O catálogo completo de sua obra ocupa quatro volumes. É difícil falar de Marcel Duchamp, sem correr o risco de deixar de lado milhões de coisas essenciais. Logo, contento-me em dizer que ele está sendo homenageado pelo governo francês no quinto andar do Centro Pompidou.
João Batista Natali, correspondente em Paris
“DUCHAMP: O AUTORTURADO DaDaISTA”
Gerald Thomas - colunista ig.com.br
IMPOSTORES de Renda, cabideiros de emprego: Marcel DUCHAMP, o URINOL que deixava o artesanato de pé em seu próprio MIJO!
Está em cartaz no MAM, aqui em São Paulo, uma retrospectiva de Marcel Duchamp. A simples idéia de uma retrospectiva pra Duchamp teria sido, no mínimo, algo impensável, ridículo ou risível, quando ele rompeu com tudo, com a caretice de tudo, com o Samaritanismo da arte, o chamado “bonitismo” da arte no início do século XX. Foi aí que começou o nosso “desastre”. Duchamp, Freud, e alguns outros são os culpados pelos nossos fracassos. Mas explico. São os nossos grandes HERÓIS. Meus grandes, grandes, imensos heróis.
Quem destrói pra construir é aquele que consegue transformar o mundo num abrir e fechar de olhos, e deixar todo mundo de pé, plantado em seu próprio mijo, sem ter o que dizer: claro, e não é à toa que o URINOL de Duchamp foi um dos primeiros READY MADES (achados prontos) – um combate contra a arte artesanal, pintura, escultura tradicional, etc. Sim, deixar o espectador pasmo em pé, em seu próprio mijo de espanto! Retrospectiva de Duchamp é muitíssimo estranho. Quando eu era aluno de Ivan Serpa e Helio Oiticica, eles só me falavam em Duchamp. Haroldo de Campos foi mais longe, já que era Dos Campos, um Duchamp também, Du Champos! A Arte de vanguarda fala em uníssono sempre a mesma coisa, berra sempre a mesma coisa. Mas uma retrospectiva dela nos traz uma lágrima de crystal japonês. E porque?Porque quando Duchamp cancelou sua parceria com Tristan (sem Isolda) Tzara, e deixou Paris, e virou um NovaYorkino, o movimento em si, de deixar o velho pelo novo, já tinha um significado. Falo de 1911 ou algo assim. O Armoury Show.“Achar” objetos prontos na rua e juntá-los, “casá-los” como se fosse um destino “by arrangement” no sentido oriental, é um humor que os americanos não tinham. Só vieram a ter na década de 60 com Wharol, Andy Wharol.Então, certo dia, Duchamp cancelou sua expo na Pace Gallery na rua 57 em Manhattan. Falou “retirem todos os quadros, apareço aí mais tarde com objetos novos”. E, pra juntar-se ao já famoso “NU DESCENDO a ESCADA“ (um dos mais escandalosamente LINDOS tributos à arte desconstrutivista, Duchamp pintou uma mulher descendo uma escada, nua, EM MOVIMENTO, pode-se dizer que remota e cremosamente cubista. E…..ao lado do MOEDOR de CHOCOLATE e ao LARGE GLASS (também chamado de THE BRIDE STRIPPED BARE BY THE BACHELORS EVEN - algo como: “ a noiva desnudada pelos solteiros ATÉ!, nessa ordem, escrito nessa cadência concreta das palavras) somou-se ao seu maior e mais conhecido piece ou seja, peça, ou seja, marca, ou seja QUADRO-NÃO-QUADRO, ou seja: o pai e mãe disso que chamamos hoje de INSTALAÇÃO/manifesto.A RODA DE BICICLETAEssa roda (objeto de obsessão meu) (o que posso fazer? nasci torto!), foi assim: nesse mesmo dia em que Duchamp cancelava sua Expo na Pace, andava pelo Bowery (equivalente a 3ª Avenida, na lower Manhattan) perto da Houston Street, de um lado da rua tinha uma roda de bicicleta jogada fora. Do outro lado um desses bancos de mandeira de bar! Ele GRAMPEOU, tacou a roda em cima do banco e levou o treco pra Pace!
Então, esse foi o MAIOR REVOLUCIONÁRIO de todos os tempos, em qualquer contexto, em qualquer arte (porque sem ele não teríamos John Cage na música ou Merce Cunningham na dança (aliás, a Fabi estuda com o Merce Cunningham em Westbeth até hoje).
A arte está morta? Rose Selavy? Como ironizava seu próprio personagem feminino com uma estrela escupida em seu CABELO, ou os cubinhos de mármore dentro de uma gailola (: porque não espirrar Rose Selavy?:) ou …
Chega de descrever Duchamp !!!
A melhor maneira e a mais triste de representar uma RETROSPECTIVA foi desenhada por Saul Steinberg. O Cartum é assim: um Coelho olhando pro Oeste está sentado em cima de uma Tartaruga que caminha lentamente para o Leste.
Duchamp foi um dos primeiros ENORMES iconoclastas. Com humor. Quebrou o vidro? Deixa lá, quebrado. O acaso é otimo!
O movimento dadaísta (não os surrealistas caretas e marqueteiros que só eles!), o iconoclástico, desconstrutivista, atonal, dodecafônico, serialista, abstrato, abstrato expressionista, minimalista, enfim, tudo isso visa uma só coisa:
- colocar a arte debaixo da lente do microscópio, autopsiá-la; ver, dissecar se as verdades e mentiras dos séculos anteriores de música e pintura e iluminismo e jacobeanismo e Renascentismo, e ismo, ismo de anos e anos de arrotismo de tantos e tantos Rembrants, Velasquez, Beethovens, Monteverdis, Wagners, Lord Humes e Hegels e Kants, e os tantos Goethes, faziam realmente sentido na era pós Freud, na era pós industrializada numa América ainda a ser desvendada pelos bachelors de toda a humanidade enclausurada em suas culturas pré-guerra, fugindo pra lá, digo pro novo mundo, fugindo das emboscadas culturais da pequenina Europa, onde à cada 16 km o teu sotaque te colocaria num campo, num Duchamp de concentração!
E no que deu? Estamos na mesma. Aliás, estamo mais CARETAS. Estamos numa era PRÉ DUCHAMP, porque hoje olhamos Duchamp como se ele estivesse no nosso passado e, toda essa porcaria pseudo inovadora (salvo alguns, óbvio, como Kiefer, Josef Beyus, Nuno Ramos, Tunga, Warhol, Damien Hirst e outros POUCOS) ainda estão naquela era de DECORAR a sala de estar da madame porque – já que voltamos aquela era do GOLD RUSH, à corrida pelo petroléo e à plantação de cana – nada mais óbvio mesmo do que declarar um ESTADO de DIREITO, e colocar um estatuto logo de uma vez:
O que vale aqui é o muralista Siqueiros, ou o medíocre Portinari, ou o idota do Henry Moore, ou a Hepworth.
E o povo, ignorante como sempre, se concentra ali na estátua dos retirantes no Ibirapuera, a metros, meio quilometro da RETRO de Duchamp, sem sequer saber o que foi tudo aquilo, ou se o ovo de Colombo ficou em pé ou não, porque, afinal de contas: não foi Pedro Alvares Cabral que descobriu as AMERiKas de Kakfa?
A Arte está MORTA sim. E faz anos que fazemos teatrinho de representação infantil em torno de seu enterro pra não perdermos emprego. Não passamos é de canastrões de última categoria, com a azeitona na ponta do esôfago, segura ali por algum Nexium, Plexium, Sexium ou Mylanta, Maalox, ou anti-ácido.
Afinal, antigamente as pessoas tomavam ácido.
HOJE: só tomam anti-ácido
Gerald Thomas, sábado, 19 Julho de 2008