Sob o Arco-Íris com Paulo Iolovitch (1936-2024)
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Sepultado hoje, 18 de novembro de 2024, numa segunda-feira que amanheceu ensolarada
Ah, essas pessoas jamais partem. Não saem de moda, não se perdem no tempo, pois vivem em mim, em você, em nós, e na imensidão do mundo pós-contemporâneo da arte. Paulo Iolovitch pintou na nossa vida como um arco-íris — intenso, breve, eterno. Debaixo do arco-íris, ele andava com um guarda-chuva, vendendo telas que retratavam um homem correndo sob uma chuva de pingos grossos. O homem usava sobretudo e chapéu. Quem seria? Dick Tracy? James Bond? Talvez apenas um reflexo de nós mesmos. Paulo sabia das coisas — da arte, da vida, da boemia.
Talvez fosse um dos artistas que mais entendiam a história universal da arte. Sua obra era um tributo aos mestres consagrados. Dos impressionistas, adorava Monet. Da aura boêmia de Montmartre, Henri de Toulouse-Lautrec e Amedeo Modigliani ocupavam seu imaginário. E Van Gogh, claro — como não?
Gostava também do Gicello e de conversar sobre arte com "Guismarães". Sempre nos deixava intrigados, cheios de perguntas.
Ah, e as mulheres seminuas que pintava? Muitas vezes eram cenas do cotidiano, e isso gerava desconfortos e risos nervosos: “Mas você também pintou ela?” Paulo tinha um olhar que transformava o mundano em eterno.
Ele esteve em nossa casa quando nossos filhos ainda eram crianças. Foi um dos mestres dos pincéis que deixou sua marca não apenas nas cortes de Brasília, mas também em Portugal.
Nossas desavenças eram quase cômicas, como cenas de O Gordo e o Magro. Juntos, fomos a várias exposições, passamos horas no Beirute e trocamos ideias como velhos cúmplices. Eu fui seu seguidor apaixonado até que a vida me puxou para meus próprios dilemas. Respeitei o silêncio de seu último recado, mas vez ou outra reaparecia. Foi, não foi, me pego lembrando: "Teca, não foi com ele que fizemos aquela exposição na entrequadra? Deve fazer uns três anos, não é?"
Paulo Iolovitch era um homem branco de alma preta, apaixonado por samba, talvez por Nélson Sargento. Sabia a história do país, embora eu nunca tenha certeza se era carioca ou gaúcho. O que sei é que ele era, acima de tudo, de Brasília.
Foram mais de duas décadas de convivência. Aprendi muito com ele. Fizemos planos, sonhamos juntos, e depois seguimos nossos próprios rumos. Paulo mastigava matizes e devolvia cores ao mundo.
Hoje, na minha ignorância persistente, restam as telas e as lembranças. Eu tento decifrá-las, buscando, talvez, entender os caminhos da arte — e da vida — que nascem do coração.
1.
Com Paulo Iolovitch, fui à inauguração de um daqueles bares temáticos, com paredes escuras e uma atmosfera peculiar. Após descer a escada, logo na entrada do salão, havia uma mesa de sinuca. Do lado esquerdo, alguém havia deixado um "baseadinho" esquecido. É claro que Iolovitch, que nunca fumou ou bebeu, passou longe disso. Para ele, poderia até parecer um cartão de visitas.
Mas alguém, completamente fora do radar de suspeitas, decidiu acender o tal "baseadinho". Como eu temia, mal a fumaça começou a subir e a dona do estabelecimento apareceu: uma garota musculosa, com um estilo que lembrava lutadoras de muay thai, surgiu com uma expressão séria e perguntou:
– Cadê?
Felizmente, outra mulher presente se apressou em explicar que o "baseadinho" estava ali, mas que já havia sido incinerado. Após alguns momentos de tensão, o impasse terminou numa boa, e tudo voltou ao normal. Que alívio!
2.
A última exposição de Paulo Iolovitch em que participei foi em uma entrequadra abaixo da W3 Sul. Logo de cara, uma das produtoras desistiu de última hora, e ele precisou vir de Uber. Para animar o ambiente, levei o DJ Teca, que trouxe uma trilha sonora repleta de sambas para aquele sábado ensolarado.
Paulo estava animado, com as bochechas infladas de tanto cachorro-quente de pote, servido em copos plásticos. Ele parecia um menino esfomeado, atacando o lanche com voracidade. Enquanto isso, do tanquinho que levamos, saíam copos de suco de acerola, algo simples, mas satisfatório. No entanto, para os padrões dali, repletos de moradores de aluguel que se esforçavam para parecer sofisticados, nossa simplicidade parecia um tanto fora de lugar. Éramos alvos de olhares de desprezo.
A grande estrela da tarde seriam os salgadinhos encomendados do famoso Bar Beirute, adquiridos com uma estratégia no mínimo curiosa: usaram o nome de Iolovitch para angariar a doação. Além disso, notei algo um tanto desleal — havia uma espécie de "pedágio" caso ele conseguisse vender suas telas. Nada disso, no entanto, abalou Paulo ou Mário, que já estavam acostumados a essas situações.
O que importava, no fim, era a diversão, a boa música e, acima de tudo, a amizade que nos unia. E isso, ninguém ali podia tirar.
3.
Rapaz, quando conheci Paulo Iolovitch, ele não estava tão em evidência. Mas era, sem dúvida, o artista mais honesto que já conheci, como se eu estivesse olhando para o meu próprio reflexo. Embora tivesse a idade do meu pai, nosso "trampo" era a arte, e isso nos conectava profundamente.
Resolvi fazer um documentário sobre ele, "Paulo Iolovitch, o Pintor de Entrequadras". Foi exibido por alguns segundos em um canal de assinatura, o que significa que quase ninguém viu. Anos depois, ele me disse: "Desses documentários feitos sobre mim, o que mais me agrada é o seu." Fiquei lisonjeado. Ainda assim, o material continua inédito no YouTube, como tantas outras histórias dele que nunca foram contadas.
Poucos mencionam que Iolovitch teve a coragem de romper com o sistema corrupto das galerias locais, como a famosa Galeria do Hotel Nacional. Um dia, ele simplesmente disse "não" e passou a andar pela cidade vendendo suas telas de mão em mão. Era algo fora do convencional. Como o Paulão de Varadero uma vez comentou: "Pô, mas eu já comprei essa tela outro dia..." É que Paulo tinha o hábito de repintar os mesmos temas, mas nunca repetia as cores. Cada obra era única, mesmo que o motivo fosse familiar.
Seu trabalho evoluiu de retratos de telhados de cidades antigas do Nordeste para paisagens cósmicas de Brasília, com uma riqueza de detalhes que exigia paciência monumental. Suas telas multicoloridas e fragmentadas pareciam mediúnicas, como se ele canalizasse outro plano para dar vida à sua arte. Com ele, aprendi o "teatro da vida": a arte de vender para sobreviver, enquanto transformava o cotidiano em algo extraordinário.
Nunca vi Paulo ser rude com ninguém, embora ele ficasse indignado com certas coisas que me faziam rir. Eu dizia: "Esquece isso." Para mim, arte era Andy Warhol, mas com Iolovitch, vi o processo de perto. Ele tentava, à sua maneira, criar uma massificação da arte que fosse acessível e próxima das pessoas.
Certa vez, ele me contou que viu seu nome em um dicionário de arte na Europa, talvez na Alemanha, onde alguém também mencionou ter encontrado um instituto de arte com o nome "Pacheco." Nossas histórias estavam entrelaçadas como uma novela beat de dois vagabundos, girando por aí, colecionando amizades e relacionamentos enquanto buscávamos levar a arte a um novo patamar: algo que fosse visto, lido, ouvido, narrado e compartilhado.
Com Paulo Iolovitch, aprendi que arte não é só o que está em museus ou galerias; é o que pulsa na rua, nas mãos e nas histórias que se contam sobre ela.